Doença é considerada rara, não tem cura mas possui tratamento, que deve ser feito durante toda a vida, a fim de evitar sequelas graves causadas pelo excesso do aminoácido fenilalanina no sangue
A fenilcetonúria ou PKU (da sigla em inglês phenylketonuria) é uma enfermidade rara, genética, crônica e que não tem cura. No Brasil, segundo os especialistas, a incidência é de um caso para 12 mil crianças nascidas vivas. É causada pela ausência ou diminuição de uma enzima no fígado, que teria o papel de converter a fenilalanina, um aminoácido presente nas proteínas, em outro aminoácido chamado tirosina. É uma doença autossômica recessiva, ou seja, é o resultado de uma combinação genética dos pais.
Ainda no útero, o organismo da mãe metaboliza a fenilalanina do bebê. Portanto, a criança com fenilcetonúria está normal ao nascer. No entanto, a doença é diagnosticada alguns dias após o nascimento por meio do exame de triagem neonatal, conhecido como teste do pezinho, que avalia a quantidade fenilalanina presente no sangue.
De acordo com Simone Caldeira Silva, pediatra do Hospital Tacchini, o diagnóstico precoce é muito importante, pois sem o tratamento, a metabolização da fenilalanina é prejudicada, resultando em altas concentrações no sangue. Quando há esse acúmulo do aminoácido no organismo, o cérebro é gravemente atingido, deixando sequelas irreversíveis. “O teste do pezinho é fornecido pelo SUS. Neste exame, são detectadas diversas doenças, incluindo a fenilcetonúria. Sem o correto tratamento, podem haver alterações cognitivas, convulsões ou até mesmo uma grave deficiência intelectual. Por isso, os cuidados precisam começar o quanto antes, ainda nos primeiros dias de vida”, esclarece. Ainda segundo a médica, quando a criança começa a se alimentar, seja com leite materno ou fórmula, o sistema nervoso já começa a sofrer os danos causados pelo excesso de fenilalanina. Durante o período de amamentação, a mãe também precisa passar por uma dieta restritiva.
Simone informa que o tratamento é feito com base em uma dieta severa e restritiva, com máximo controle da ingestão de proteínas. São diversos alimentos proibidos de serem consumidos, principalmente carnes de qualquer animal, frutos do mar, ovos e alguns adoçantes. Outros alimentos podem ser consumidos com moderação, conforme orientação médica, como derivados de trigo, grãos, batata e arroz. “Basicamente, a dieta do portador de fenilcetonúria é baseada em vegetais, legumes, frutas, geleias. Por ser uma alimentação tão restrita, existe a necessidade de suplementação com fórmula especial, também disponibilizada pelo SUS”, comenta.
Dieta e vida normal
A comerciária Márcia Tomasini Cargnin é mãe de Marina, de sete anos, diagnosticada com fenilcetonúria quando tinha apenas 10 dias de nascimento, através do teste do pezinho. Com 21 dias de vida, Marina já começou seu tratamento dietético, com introdução da fórmula metabólica. “A identificação e o início precoce do tratamento da Marina foram fundamentais para que ela não ficasse com nenhuma sequela da doença. Inclusive, consegui amamentar minha filha por oito meses, intercalando com a fórmula”, garante Márcia.
A mãe de Marina conta que apesar da dieta ser bem restritiva, sua família não mudou os hábitos. “Não adaptamos nossa alimentação a ela, não deixamos de frequentar restaurantes e não privamos ela de aniversários de colegas ou outros lugares onde poderá haver “tentações”. Sempre acreditamos que ela saberá ou aprenderá a lidar com as situações da vida”, expõe.
Segundo a comerciária, a grande dificuldade do dia a dia está ligada ao acesso aos alimentos hipoproteicos, itens sem ingredientes de origem animal e sem enriquecimento proteico. “A Marina complementa sua alimentação com uma fórmula metabólica, rica em nutrientes, vitaminas e minerais, compensando essa falta em função da dieta. Ela toma quatro latas de 500g por mês. O nível de vitamina B12 dela é altíssimo, devido a suplementação. O lado positivo é que não é um tratamento medicamentoso, não é necessário nenhum tipo de remédio ou procedimento invasivo”, revela Márcia.
A criança também tem acompanhamento médico especializado pela equipe de genética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, referência no tratamento de doenças inatas do metabolismo. “É um hospital público, não pagamos nada pela excelente e capacitada equipe que nos acompanha: nutricionista clínica, geneticista, neurologista, psicóloga, entre outros”, completa Márcia. Ela ainda traz que “diante desta condição, o que precisamos considerar é o convívio social. É no convívio que alguém vai oferecer um bombom a uma criança sem perguntar aos pais se ela pode comer, um chiclete adoçado com aspartame, um refrigerante zero, compartilhar um lanche. Na melhor das intenções, até mesmo na escola, participar de uma competição onde o prêmio é um chocolate, por exemplo. Isso tudo vai acontecer, mesmo que a gente converse com familiares e conhecidos para que entendam a situação, isso é inevitável. Então o maior desafio é trabalhar o lado de dentro, se tornar uma pessoa mentalmente forte, resolvida com sua condição, conhecendo seus limites e vivendo feliz”, finaliza.
Desafios ainda virão
O serralheiro Maicon Zarpelon e sua esposa Aline Parmigiani Zarpelon são moradores do interior de Garibaldi e pais da pequena Rebeca, de quase três meses de vida. A história desta família é parecida com a que foi contada anteriormente. “Foi feito o teste do pezinho e logo nos primeiros dias de vida já começamos o tratamento. Assim, evitamos a manifestação de algo sério na saúde de nossa bebê”, relembra Maicon.
Segundo ele, todo o processo requer muito trabalho e ainda há desafios pela frente. “Não medimos esforços para atender nossa filha. Temos que ir atrás da fórmula, fazer coletas de sangue regulares. Como ela ainda é bebê, não tem como saber os desafios que irá passar durante sua trajetória, mas acredito que será algo relacionado a dieta restritiva que a Rebeca terá de seguir por toda sua vida”, declara.
Rebeca também faz acompanhamento em Porto Alegre. “Como pais, não podemos nos queixar de nada, a equipe que atende nossa filha é nota 10. E é tudo pelo SUS, o que nos ajuda bastante”, salienta.
Maicon e Aline comentam que percebem que não há muito conhecimento sobre a fenilcetonúria, por ser uma doença rara. “No começo, poucos souberam nos informar quais procedimentos deveríamos seguir. Fizemos uma pesquisa nós mesmos, procuramos indicações e fomos atrás do tratamento correto. É importante divulgar e trazer informações sobre a doença, para tentar ajudar outras pessoas que possam estar passando pela mesma situação”, ressalta Maicon.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desenvolveu um painel para consulta do conteúdo de fenilalanina em alimentos, tanto in natura quanto industrializados, para servir de guia e de referência aos profissionais de saúde que prescrevem, elaboram dietas e realizam o acompanhamento clínico desses pacientes.
Essa responsabilidade é compartilhada com as indústrias de alimentos que são obrigadas a encaminhar à Anvisa a quantidade de fenilalanina presente em alimentos com teor de proteína entre 0,1 a 5%.
O painel contém dados de fenilalanina de 74 alimentos in natura e mais de dois mil produtos industrializados. O objetivo é facilitar a busca de informações, contribuindo com a melhora da qualidade de vida dos fenilcetonúricos.
Foto Capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado