Definida como excesso de gordura corporal em quantidades que causem risco à vida, a doença é um dos mais graves problemas de saúde que o planeta vai enfrentar
A Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu 4 de março como o Dia Mundial da Obesidade com o objetivo de disseminar conhecimentos sobre a doença. A data tem como propósito conscientizar a população a respeito da enfermidade, melhorar políticas de combate a esse problema de saúde e promover o debate entre agentes e organizações especializadas na prevenção e tratamento da obesidade. Além disso, a celebração também é uma maneira de combater o estigma social a respeito do assunto.
Segundo a OMS, a obesidade é definida como excesso de gordura corporal em quantidades que causem risco à vida. A doença é um dos mais graves problemas de saúde que o planeta vai enfrentar. De acordo com o Mapa da Obesidade, a estimativa para o ano de 2025 é de que 2,3 bilhões de adultos de todo o mundo estejam acima do peso, sendo 700 milhões considerados obesos, ou seja, com um índice de massa corporal (IMC) acima de 30.
Dados do Ministério da Saúde apontam que a obesidade atinge 6,7 milhões de pessoas no Brasil, ou 31% da população. O número de indivíduos com obesidade mórbida chegou a 863.086, em 2022. A obesidade grau I atinge 20% e a obesidade grau II já é 7,7% da população, o que representa 1,6 milhões de pessoas em 2022.
Indivíduos obesos ou acima do peso têm maior probabilidade de desenvolver mais de 13 tipos de câncer diferentes. A possibilidade da formação de células cancerígenas se deve ao estado de inflamação, de baixo grau mas persistente, ocasionado pela obesidade. À medida que se aumenta a gordura corporal, há uma predominância de substâncias inflamatórias e estas se relacionam com a resistência à insulina. A perda de peso está associada à redução das substâncias pró-inflamatórias e aumento das substâncias anti-inflamatórias.
Além disso, pacientes obesos têm maior resistência à insulina, fazendo com que o corpo produza uma maior quantidade do hormônio, ativando mecanismos que promovem a duplicação celular, o que pode levar ao desencadeamento de tumores.
Uma nova relação consigo mesmo
É o caso do professor de inglês Antonio Cesar Ceroni Bellotti, de 60 anos. Diagnosticado com câncer de tireoide em dezembro de 2019 e em isolamento social alguns meses depois, devido à pandemia, Bellotti acabou engordando e ficando bastante acima do peso, além do fato de já ter um estilo de vida sedentário. Ele também sofreu uma crise de hipertensão, o que trouxe um alerta de que sua saúde não estava nada bem.
Em conversa com seu cardiologista, viu a necessidade de mudar de hábitos e garantir qualidade de vida. Assim, começou a fazer atividades físicas com seu personal trainer, como musculação, além de muay thai e yoga. A dieta e reeducação alimentar também foram importantes neste processo.
O professor de inglês iniciou sua jornada em maio de 2023 com 132 kg e atualmente está com 95 kg, uma diferença de 37 kg em apenas dez meses. “Para mim, foi uma transformação. Era sedentário, tinha problemas de colesterol, diabetes e pressão alta. Com essas mudanças radicais, minha vida se transformou completamente. Até hoje, me surpreendo com as coisas que consigo fazer, me sinto muito mais ágil e disposto, meu condicionamento físico é outro”, relata. Ele completa, dizendo que toda essa trajetória está valendo a pena. “Agora, meu estilo de vida é outro. Sinto prazer em comer os alimentos certos, sem passar fome. Gosto tanto de fazer exercícios físicos, que ingressei no curso de Educação Física”, expõe.
A Personal Trainer e Especialista em LPF e Reabilitação abdominal, Évelin Steffens Larentis, 33 anos, considera que é possível uma pessoa com obesidade mórbida perder peso a ponto de não correr mais risco de vida, sem recorrer a nenhum procedimento cirúrgico. “É necessária uma dedicação e disciplina muito grande. De maneira geral, a obesidade é uma condição de difícil tratamento e o sucesso depende bastante da mudança de hábitos e comportamentos, bem como do apoio das pessoas queridas. É indicado associar o exercício e a reeducação alimentar ao tratamento psicológico, por exemplo, que ajuda bastante, bem como organizar a rotina, atividades e estratégias para que o paciente consiga chegar no objetivo e manter. O uso de medicamentos também pode ajudar em alguns casos”, declara.
Segundo a especialista, os exercícios físicos, além de contribuírem para perder peso, regulam a função metabólica, fortalecem a musculatura (diminuindo a possibilidade de problemas articulares relacionados ao sobrepeso, como dores, tendinites, etc), contribuem para o controle de doenças crônicas (pressão arterial, diabetes, por exemplo) e ainda melhoram o condicionamento cardiorrespiratório, diminuindo assim o risco de complicações. Além de tudo, a atividade física é uma forma de dar início a mudança de hábitos de vida do indivíduo.
Normalmente a qualidade de vida melhora consideravelmente, pois o fato de diminuir o sobrepeso minimiza muitas possibilidades de patologias osteoarticulares, musculares, doenças crônicas, dores, sentimentos, satisfação e capacidade de melhor realização das atividades de vida. “Como profissional a minha melhor dica é que os pacientes com obesidade, fazendo a cirurgia bariátrica ou não, procurem se concentrar em criar novos hábitos de vida para manter sempre, principalmente exercício físico, alimentação e terapia. A atividade física em específico, deve ser algo que a pessoa se identifique, uma modalidade que seja prazerosa e com um profissional/local que a pessoa goste”, acredita.
Mudanças na mente e no corpo
Raiane de Mattos, 28 anos, sempre teve problemas com sobrepeso, mesmo quando criança. Passou por muitas dietas, e até conseguia perder peso, mas acabava engordando novamente. Raiane fez dieta low carb por cerca de dois anos, eliminando 25 kg. Porém, algum tempo depois, recuperou todo peso. Cansada desse efeito sanfona, procurou uma clínica para fazer a cirurgia bariátrica. “Foi importante fazer o tratamento com a equipe multidisciplinar, principalmente com psicólogos, para entender como seria o processo e mudar meus hábitos. Logo na primeira consulta, parei de fumar e me comprometi a mudar meu estilo de vida dali pra frente”, relembra.
A cirurgia bariátrica está consolidada como um tratamento eficaz contra a obesidade grave. O avanço de técnicas e tecnologias levou a especialidade a se tornar uma alternativa segura e eficiente não só contra a obesidade, mas também contra doenças associadas como diabetes, hipertensão e outras agravadas pelo excesso de peso. O Brasil é o segundo país no mundo que mais realiza operações deste tipo, com 100 mil registros por ano, e fica atrás apenas dos EUA.
Seu pós-operatório foi um pouco conturbado, pois teve complicações como covid e anemia, além de uma fístula na incisão da cirurgia e a necessidade de uma prótese esofágica, chegando a permanecer na UTI. “Após dois meses, comecei realmente a me recuperar. Apesar das complicações, não me arrependo. Indico e encorajo pessoas a fazerem a cirurgia, com indicação médica, claro. Do meu ponto de vista, a bariátrica não deve ser feita apenas com objetivo estético, mas sim na tentativa de recuperar a saúde”, salienta. No total, Raiane eliminou 54 kg, com auxílio de exercícios físicos e reeducação alimentar. Ela se diz totalmente focada em se cuidar, mais confiante e com estabilidade emocional.
Muitas vezes, a retração da pele não consegue acompanhar o ritmo da perda rápida de peso, causando flacidez. A retirada do excesso de pele pode ser feita por meio cirúrgico, de 12 a 18 meses após a bariátrica. Os pontos de maior localização de excesso de pele são abdômen, braços, nádegas, virilha e seios. No caso de Raiane, foi feita uma abdominoplastia, e ela pretende fazer também cirurgia nos seios.
As dobras de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também devem receber atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde, a exemplo da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações pelo atrito, odor fétido e hérnias, não se qualificando, na hipótese, a retirada do excesso de tecido epitelial como procedimento unicamente estético, ressaindo sobremaneira o seu caráter funcional e reparador, explana o Superior Tribunal de Justiça (STF).
De acordo com a Resolução Normativa nº 428/2017 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, os planos de saúde são obrigados a cobrir a cirurgia reparadora devido à perda maciça de peso decorrente da realização da cirurgia bariátrica.
Já em relação ao SUS, a Portaria nº 1.091/2016 do Ministério da Saúde define a cirurgia plástica reparadora pós-bariátrica como um procedimento que deve ser oferecido pelo sistema público de saúde. Ou seja, o paciente que realizou a cirurgia bariátrica pelo SUS tem direito à cirurgia para remoção de pele gratuitamente, sempre com apresentação de encaminhamento médico.
Conforme a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), o nutricionista tem papel fundamental no acompanhamento do paciente rumo à cura da obesidade. Esse profissional deverá prestar toda a orientação necessária para a dieta líquida pós-operatória, sua evolução para a pastosa e, finalmente, sua transição definitiva para a alimentação normal.
A limitação da ingestão e da absorção de nutrientes importantes pode gerar deficiências nutricionais, comprometendo os resultados da cirurgia. O nutricionista auxilia na reeducação e a suplementação alimentar do operado, assim como a readequação do seu organismo à nova realidade. O paciente deverá aprender a comer pouco e bem, várias vezes ao dia, e optar por alimentos pouco calóricos e com alto teor vitamínico.
Na esperança de uma vida melhor
Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica indicam que o Brasil é o segundo país no mundo que mais realiza cirurgia, com uma média de 100 mil operações/ano, atrás apenas dos Estados Unidos. A avaliação multidisciplinar de cada caso e o acompanhamento pós-operatório são fundamentais para a obtenção de resultados satisfatórios.
Laiana de Menezes Leal, de 26 anos, lash designer, está na luta para conseguir realizar sua cirurgia bariátrica desde que tinha 20 anos. Dois anos após dar entrada no pedido, seu convênio médico negou o requerimento. Laiana teve que recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS), e desde 2021 faz consultas e acompanhamentos com psicólogas e nutricionistas da Unidade Básica de Saúde (UBS) de seu bairro. Posteriormente, foi encaminhada para tratamento trimestral em Caxias do Sul.
A jovem conta que toma três medicamentos diferentes para controlar sua pressão alta, decorrente da obesidade. “Ser obesa já me impediu de fazer muitas coisas. Desde andar em um brinquedo num parque de diversões, até vestir uma roupa que gostaria”, lamenta.
Laiana já conta com algumas liberações médicas para realizar a cirurgia bariátrica, mas ainda precisa eliminar 15 kg, segundo sua nutricionista. “Se não conseguir perder esse peso, minha cirurgia vai sendo cada vez mais adiada. Mas não é fácil emagrecer, a ansiedade toma conta de tudo. Luto com isso há anos, gostaria que as pessoas tivessem um pouco mais de compreensão”, confessa.
Com uma boa base familiar, Laiana acredita que o pós-cirúrgico será relativamente tranquilo. Sua expectativa é de poder ter uma vida melhor, mais saudável, e não sofrer tanto com problemas com sua pressão arterial, que, segundo ela, são terríveis.
Mesmo com tantos anos de espera e muitos contratempos, Laiana mantém a esperança de ter uma vida melhor, não só no aspecto físico, mas também no emocional. “A quem está na luta contra obesidade, procure a UBS de seu bairro e vá atrás dos exames e consultas. Com toda certeza foi a melhor coisa que já fiz e não me arrependo de nada. Caso precise ir a outra cidade, como tive que ir a Caxias, o SUS fornece veículo para levar e buscar, caso o paciente não tenha como ir sozinho na consulta”, informa.
O que dizem os especialistas
Nem sempre pessoas com obesidade conseguem eliminar peso de forma natural, por motivos variados. Para esses casos, a cirurgia bariátrica pode ser uma aliada, pois auxilia no emagrecimento rápido em casos de obesidade mórbida.
Somente em 2023, o Hospital Tacchini realizou 36 cirurgias bariátricas, em seu centro cirúrgico, que possui estrutura preparada para receber pacientes obesos. Além disso, o Tacchini ainda possui pacotes que incluem cirurgias bariátricas por videolaparoscopia, método menos invasivo, que traz mais segurança e acelera o processo de recuperação do paciente, que sequer precisa ocupar leito de UTI após o procedimento, por exemplo.
Conforme Rafael Branchi, cirurgião bariátrico e digestivo do Tacchini Sistema de Saúde, a obesidade é sabidamente um fator de risco para diversas doenças. Diabetes, pressão alta, doenças do sono, problemas em articulações e até mesmo alguns tipos de câncer estão entre as consequências.
Para o paciente ser considerado apto para passar pela cirurgia, Branchi informa que deve ser avaliado seu IMC. “Pacientes com IMC superior a 40 têm indicação de cirurgia. Já os que tenham o IMC acima de 35, desde que tenham doenças relacionadas à obesidade (diabetes, pressão alta, gordura no fígado e várias outras) também têm indicação. Ambos os casos devem ter passado por tratamento clínico por dois anos com falha no emagrecimento”, instrui.
O preparo para o procedimento é feito através de avaliações e acompanhamentos da equipe multidisciplinar, que inclui nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, psiquiatra e endocrinologista. O paciente deve fazer esse acompanhamento antes e depois da cirurgia, o que comprovadamente resulta em melhores resultados a longo prazo.
Além de exercícios aeróbicos (caminhadas, corridas) é importante a prática de musculação. É através da construção muscular que o corpo aumenta a taxa de metabolismo basal, facilitando o processo de perda de peso. Quanto ao tratamento psicológico, tanto psiquiatra quanto psicólogos atuam nessa fase. O diagnóstico de patologias como por exemplo ansiedade e compulsão alimentar é fundamental para o tratamento e controle destas patologias antes da cirurgia.
Atualmente, a cirurgia bariátrica é feita por videolaparoscopia, com alta no segundo ou terceiro dia após a cirurgia. Segundo o médico, o pós-operatório geralmente é bem tolerado pelos pacientes. “O grande desafio é a dieta, que se inicia com doses pequenas de líquidos com progressão conforme orientação do nutricionista. Em média, após 30 a 40 dias o paciente já retorna para alimentação de comidas sólidas. Hoje em dia, com o avanço das tecnologias, o risco de complicações da cirurgia bariátrica se assemelha a uma cirurgia de retirada da vesícula. Com certeza absoluta o risco de uma pessoa viver com a obesidade e apresentar as doenças relacionadas ao excesso de peso, são muito maiores do que a cirurgia.”, comenta.
Também é de grande importância a movimentação precoce dos pacientes submetidos a cirurgia. Logo no primeiro dia, já são incentivados saírem da cama e caminharem pelo quarto, medida que visa diminuir o risco de trombose e complicações respiratórias.
Branchi relata que pacientes diabéticos, em 48 horas após a cirurgia, já apresentam melhora nas quantidades de açúcar no sangue, mesmo sem terem tido tempo de emagrecer. Isso se deve ao tipo de procedimento realizado, que modifica a estrutura hormonal do intestino. A pressão alta, com o emagrecimento, tende a melhorar. Quanto mais peso o paciente perde, melhor sua locomoção. “Em termos de saúde, é indiscutível a melhora que eles apresentam. Sem contar na parte de autoestima, a vida se torna totalmente diferente pois o paciente volta a ter autoconfiança e felicidade em viver”, reconhece o médico.
Durante os seis primeiros meses após a cirurgia, é esperada uma perda de até sete kg mensais. Após esse período, até o 18º mês de cirurgia, segue a perda de peso em um ritmo menor até que se atinge o platô da perda de peso. A partir daí é importante que o paciente siga hábitos saudáveis para manter os resultados.