Silvana Seben Colle recebeu transplante de coração e enfatiza: “É um ato de amor ao próximo”
Uma vida termina, e uma outra continua. Mesmo em um momento de dor, é possível ver a vida de quem se ama continuando através da doação de órgãos, um ato de solidariedade e amor. Em Bento Gonçalves, até o mês de novembro foram 14 doadores de múltiplos órgãos, um aumento de 366% em relação a 2022 quando aconteceram somente três óbitos com perfil para captação, segundo dados da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) do Hospital Tacchini.
Para a bento-gonçalvense, Silvana Seben Colle, de 59 anos, uma vida fez total diferença para o seu futuro. Trabalhando na empresa da família, cuidando da casa e dos filhos, a moradora do bairro Santa Helena viu a rotina mudar aos poucos, com sinais de que algo estava errado. “Tinha bastante ânsia, diarreia, não comia, sentia fraqueza, e não conseguia caminhar porque me faltava o ar. Foi difícil, levei quase um ano me sentindo mal, porque achava que não precisava de nada, que era só me tratar com medicação. Estava na negação”, conta.
Mais adiante ela passou a fazer uso de um cardioversor desfibrilador implantável (CDI), para monitorar os batimentos cardíacos e aplicar o tratamento de forma automática, corrigindo o ritmo acelerado, caso fosse necessário. Entretanto, o aparelho não estava resolvendo o problema, e após exames veio o diagnóstico: ela necessitava de um transplante do coração. “A médica foi bem fria nas primeiras vezes, quando falou: ‘ou tu faz o transplante ou tu morre’. No começo foi difícil, porque ela fez a reunião com todos da família, então caiu o chão”, relembra.
Mas essa não seria a primeira vez que Silvana iria passar por uma situação complicada – e superar. Há 15 anos ela teve um câncer no intestino, e através de cirurgia e quimioterapia venceu o obstáculo. Mais uma vez, com apoio de familiares, amigos e muita conversa com a equipe médica, decidiu lutar. “Fiquei internada, pensando se fazia ou não, porque ainda tinha aquela dúvida do ‘e se não desse certo?’. Podia haver rejeição, ou algo assim. Fiquei pensando por um bom tempo, mas depois decidi e resolvi fazer, porque vi que não tinha retorno”, conta, agora, com felicidade do sim ao transplante.
Com muitas dores e sem poder ao menos caminhar, Silvana foi internada em março no Hospital de Clínicas. em Porto Alegre, e aguardou na lista de espera para a cirurgia até 17 de setembro, quando seu novo coração começou a bater no peito. Segundo ela, os momentos no hospital foram de altos e baixos, mas sempre foi uma otimista. “Um dia a médica me contou que tinha chegado (o coração), e não acreditei. Ainda perguntei ‘tem certeza?’”, relata ela, que sentiu um misto de alegria e de incredulidade.
Com o apoio da família, que esteve junto durante todo tempo, Silvana entrou na sala de cirurgia e obteve 100% de sucesso no transplante. “Faz um mês que estou em casa. O sentimento de voltar foi uma loucura, porque era só choro. Cada coisinha que via eu chorava, foi bem emocionante. Depois isso foi passando, acho que é a saudade, agora estou bem”, diz.
Apesar de não saber quem é o seu doador, a dona de casa diz que é imensamente grata à família que possibilitou esse seu recomeço, e afirma que, no futuro, também será doadora de órgãos. “Quero conscientizar as pessoas a fazer a doação, porque é muita gente que precisa. Faz a diferença, porque para muitos que precisam não chega a tempo. É algo bom que farão para outro ser humano”, completa.
A família Collen foi visitar Silvana na data do seu aniversário, em junho, quando estava internada no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre
Doação de órgãos cresce no estado
Apesar de um acréscimo pequeno, o número de doadores de órgãos, efetivos, cresceu no Rio Grande do Sul no último ano. Até novembro foram 240, de um total de 702 casos de morte encefálica (34%). Em 2022, apenas 26% das doações foram efetivadas, ou seja, de 679 mortes encefálicas, apenas 179 foram doadores efetivos. O mês com mais registro, em 2023, foi o de julho, com 40% de sucesso.
Segundo dados da Secretaria da Saúde do do Rio Grande do Sul, a principal causa de não efetivação da doação de órgãos em notificações de morte encefálica é a negativa familiar. Para ser doador de órgãos, no Brasil, é preciso comunicar a família, pois só os parentes podem autorizar.
Entretanto, segundo a enfermeira Ana Turmina, coordenadora da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante, do Tacchini, em Bento essa negação familiar é muito baixa. “Todos que têm possibilidade de ser doador a gente conversa com a família. Nós não temos muitas negativas familiar, mas depois da pandemia diminuiu bastante o número de captações”, relata.
Segundo levantamento do CIHDOTT, em 2022 foram apenas três captações de múltiplos órgãos na Capital Nacional do Vinho. Em 2023, foram 14, até novembro. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado, há 2.958 pessoas esperando por transplantes no Rio Grande do Sul neste ano. Quase metade da lista aguarda pela doação de rim (1.376), e logo atrás está a doação de córnea (1.156) e fígado (182).