O momento relembra a morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da luta pela liberdade e valorização do povo negro
O mês de novembro é de extrema importância na luta contra o racismo. Isto porque, no próximo domingo, 20 de novembro, é considerado no Brasil o Dia da Consciência Negra, data que é rememorada durante todo o mês. O momento relembra a morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da luta pela liberdade e valorização do povo negro.
A docente do curso de Psicologia na Universidade de Caxias do Sul (UCS), Daniela Duarte Dias; a professora de anos iniciais da rede pública municipal e presidente da Sociedade Educativa e Cultural 20 de Novembro, Elisângela Fontoura; e as estudantes de Psicologia da UCS, Janaína Peres e Thaís Souza explicam sobre a causa. “Segundo o Conselho Federal de psicologia ‘é uma ideologia de abrangência ampla, complexa, sistêmica, violenta, que penetra e participa da cultura, da política, da economia, da ética’. Faz com que pessoas se sintam superiores umas às outras, menosprezando e desqualificando o outro por conta da cor da pele. A sociedade criou hierarquias nos que diz respeito às relações de poder, com esse critério”, destacam.
No Brasil, o racismo é estrutural, principalmente por conta da escravidão negra no país, que começou por volta da década de 1550 e durou mais de 300 anos. Aparentemente, o sofrimento de pessoas pretas em território brasileiro chega ao fim em 13 de maio de 1888, mas atualmente, quase 135 anos depois, o preconceito ainda permanece. Por isso, a luta é diária.
Segundo as estudiosas, que citam o jurista e filósofo Sílvio Almeida, racismo estrutural significa entender o problema não como uma patologia do sujeito, mas algo que está posto no corpo social e que forma o cidadão, organiza a política e a economia. “Por exemplo, as mulheres negras têm os menores salários e homens brancos, os maiores. É algo cotidiano, e que estrutura e organiza as relações entre os sujeitos, dizendo quem pode mais e quem pode menos. A sociedade naturaliza a morte e a violência de pessoas negras. Por outro lado, causa estranhamento quando pessoas negras frequentem certos lugares de poder, como ser médico em um hospital ou juiz no fórum”, analisam.
Para elas, ainda existe a dificuldade de aceitação dos negros e há preconceito com relação às características de uma pessoa preta, como o cabelo crespo, por exemplo. “Vivemos em uma sociedade pautada no Eurocentrismo, ou seja, o padrão europeu de vida, como cultura e vestimenta, e todos os demais povos são secundários. E no caso do que se refere ao continente africano, tudo que vem de lá é feio, ruim, maligno, inferior”, mencionam.
Conforme as docentes e estudantes, é difícil saber exatamente o porquê ainda há muito racismo na Serra Gaúcha. “Mas temos algumas hipóteses. Uma delas é que os pretos são sempre retratados de maneira subalterna ou perigosa nas novelas por exemplo, e aqui na Serra, muitas pessoas passam a vida tendo contato apenas com o estereótipo apresentado. Quando finalmente conhecem um negro, ‘de verdade’ e ‘ao vivo’, reproduzem o que está no imaginário delas”, acreditam.
Já a professora Elisângela, uma mulher preta e nascida na em Bento Gonçalves, diz sentir diariamente os efeitos da colonização europeia. “Que privilegia sua história e não abre espaço para outras culturas na mesma medida. Na Sociedade 20 de Novembro se trabalha para promover a cultura afro-descendente na região. Para mostrar a cultura do povo preto com sua riqueza, e, assim, amenizar a discriminação e preconceito existente”, salienta.
Como combater o racismo estrutural?
Conforme as quatro mulheres, que promoveram a segunda edição do evento ‘Vidas Negras, Igualdade Racial e Políticas Públicas’ na UCS, em alusão ao Mês da Consciência Negra, para combater o racismo estrutural é preciso reconhecer que este é um problema que realmente está na sociedade. “Muitas pessoas negam que existe e, com isso, vão se perpetuando as ondas de preconceito cada vez e com violência. A luta antirracista não deve ser somente daqueles que são afetados pelo preconceito, e sim, deveria ser de toda sociedade, o que na prática não acontece. É necessário garantir mais representatividade em cargos de lideranças, principalmente do sexo feminino e dar mais visibilidade ao debate”, frisam.
Luta contra o racismo em Bento
O Movimento Negro Raízes foi idealizado e é coordenado por Marcus Flavio Dutra Ribeiro e Solana Corrêa. A entidade foi fundada em 2018, por conta um episódio de preconceito sofrido pela filha do casal, conhecido como ‘branca de neve negra’. “A gente transformou isso em uma mensagem e foi o que levou o movimento ao que é hoje, uma das representações negras mais conhecidas do estado”, comenta Ribeiro.
A Banda Raízes, pertencente ao grupo, que tem como ritmo o samba, deve voltar à ativa ainda este mês, em evento que vai acontecer na cidade de Carlos Barbosa. Outras propostas também estão em andamento. “Tínhamos, desde o ano passado, um projeto chamado Cultura Negra em Movimento, que sofreu um prazo por conta da morte de um dos nossos músicos, em março deste ano. A gente retoma em 2023. Pretendemos impulsionar isso mais ainda, levar e falar de cultura negra em lugares onde não se fala”, realça. Municípios que já foram visitados para falar sobre negritude e combater o racismo, além da Capital do Futsal, são Farroupilha, Nova Prata, Veranópolis e Harmonia, no Vale do Caí.
Além disso, o coordenador destaca que não se deve lembrar da importância da negritude apenas em um mês do ano, pois o racismo, o preconceito e a intolerância religiosa acontecem de janeiro a dezembro. “Sempre manifesto a questão que envolve o novembro com alguma contrariedade, não pelo fato histórico, não há esse questionamento. Mas desde que o Movimento foi instituído, buscamos falar da questão negra, cultural e social em todos os meses”, destaca.
De acordo com Elisângela, a Sociedade Educativa e Cultural 20 de Novembro é uma entidade com mais de 20 anos de existência e que tem o objetivo de promover a história e cultura afrodescendente em Bento Gonçalves e região. “Acreditamos que, através da educação de crianças e jovens, poderemos construir uma sociedade que valorize a diversidade étnica, respeitando o povo negro pela nossa história na formação da região”, aponta.
Conforme a professora, desde agosto deste ano, quase dois mil alunos e professores das redes públicas municipal, estadual e também do ensino superior foram atendidos. “Além de palestras e oficinas para as crianças e jovens, oferecemos formação continuada para os docentes. Ademais, nosso Centro Cultural abriga a primeira Afroteca da região, bem como acolhe eventos culturais e particulares”, enfatiza.
Existe racismo reverso?
Um equívoco cometido por parte da sociedade é o racismo reverso, termo utilizado para dizer que há discriminação e repressão praticada pelos negros contra brancos. “É uma falácia porque, assim como dito anteriormente, o preconceito apresenta-se como um elemento estrutural na nossa sociedade. Ou seja, a ideia de superioridade da branquitude está firme sobre séculos de exploração e genocídio sistematizados. O racismo diz respeito a muitos privilégios que as pessoas brancas têm em detrimento às racializadas e isso se dá por conta de uma estrutura de poder cristalizada”, salientam as estudiosas.
Elas também explicam que os brancos, assim como quaisquer outras pessoas, podem sofrer preconceitos e discriminações por conta do padrão estético de determinada cultura, ou por questões de classe econômica. Contudo, tais eventos não são sistematizados e incorporados à nossa estrutura social. “Pessoas brancas que, eventualmente sentem-se hostilizadas por algo relativo ao seu fenótipo, ainda mantém seus lugares de privilégio e prestígio social em detrimento aos negros; ainda têm suas vidas e de suas famílias veladas pelo Estado enquanto os corpos pretos tornam-se alvos cada vez mais fáceis; a oportunidade de acesso ao mercado de trabalho e à cidade, como um todo, também seguem sendo amplamente concedido à branquitude e sistematicamente tolhido às pessoas pretas”, finalizam.