Jogos são importantes para o desenvolvimento infantil. É imprescindível, entretanto, tomar cuidado com as atividades realizadas por meio de telas. Profissionais da educação e da saúde mental evidenciam a importância de evitar o excesso de tecnologias no cotidiano das crianças
Com o surgimento da internet, as crianças têm crescido cada vez mais envolvidas com as tecnologias e o acesso rápido à informação. Além disso, os jogos deixaram de ser apenas de tabuleiro ou presenciais, e passaram a acontecer também de forma virtual.
Conforme a psicopedagoga e pós-graduanda em Psicanálise Clínica, Ana Cláudia Pelliccioli Bettoni, os jogos têm um papel importante, pois são capazes de auxiliar na área cognitiva, psicomotora, social e emocional através de abordagens interacionistas. “A troca entre pares auxilia na construção da identidade. Os jogos educativos permitem que as crianças criem hipóteses, construam relações, aprendam a lidar com as frustrações, a realidade dá asas para a imaginação, trazendo novos conhecimentos e desenvolvendo a aprendizagem e a oralidade”, explica.
Segundo Ana Cláudia, para que haja desenvolvimento de forma integral, é necessário estimulação sensorial. “Permitir a exposição a jogos online pode ser prejudicial, podendo trazer falta de concentração em atividades que não envolvam os aparelhos tecnológicos, crises de ansiedade, problemas posturais, visuais e auditivos. Além disso, a falta de supervisão pode trazer influências negativas para a sua formação e identidade. Também pode submeter as crianças a conteúdos impróprios para sua idade e contato com pessoas mal-intencionadas”, expõe.
A psicopedagoga destaca que a idade do 0 aos três anos é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e o crescimento. “Nesse período não se deve inserir aparelhos tecnológicos, como tablet ou smartphone”, aconselha. A introdução de tecnologias deve ser feita com muita cautela, de acordo com a profissional. “O melhor seria a abstenção total de tecnologias até os seis anos, mas se os pais e ou responsáveis preferem não ser tão radicais, a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é a seguinte: de três a cinco anos, a exposição deve ser de no máximo uma hora por dia, dos seis aos 10 de até, no máximo, duas horas diárias e dos 11 aos 18 anos, três horas. Lembrando que deve ser supervisionada e de conteúdos educativos”, salienta.
Presencial x virtual
A exploração do ambiente, o contato com a natureza e as brincadeiras que envolvem interação presencial sempre serão a melhor forma de aprendizagem, como explica a pós-graduanda em psicanálise clínica. “É brincando que se aprende a comunicar, desenvolve o raciocínio e a criatividade, a cognição e as habilidades motoras, estimulando os sentidos e trazendo autonomia. Os jogos online impõem regras pré-definidas que precisam ser seguidas, as quais não foram a criança que estabeleceu, podendo trazer frustrações. Além disso existe, ainda, a conotação da competitividade, ao qual, muitas vezes, os pequenos não aprenderam a lidar”, exemplifica.
Ana Cláudia pontua que alguns estudos e pesquisadores mostram que os jogos podem deixar as crianças mais inteligentes, porque jogar requer planejar, pensar em estratégias e tomar decisões. Entretanto, é preciso tomar cuidado com os demais efeitos quando a atividade é realizada em frente a telas. “Jogos virtuais são projetados para serem viciantes e isso é potencialmente perigoso. Precisamos considerar os possíveis efeitos negativos à saúde como aumento no risco de depressão e ansiedades; doenças físicas, como a obesidade. Conforme as crianças crescem e se desenvolvem, suas necessidades mudam, é preciso sempre avaliar os potenciais benefícios e malefícios das telas”, alerta.
A profissional pondera que a era da tecnologia traz inúmeras opções de entretenimento, deixando os filhos ‘vidrados’ para que pais e responsáveis possam ter mais liberdade para realizar as atividades diárias. “Precisamos, porém, sempre analisar os riscos e benefícios aos quais essa criança está sendo exposta. Os aplicativos são inúmeros, jogos de todos os tipos e para todos os gostos, plataformas com vídeos para todas as idades, é aí que mora o perigo”, acredita.
Uma das soluções são os aplicativos de controle parental, nos quais é possível monitorar o histórico de uso do aparelho, bem como definir horários diários. “Sempre que esse limite exceder, o aplicativo bloqueia o uso do aparelho. Também é possível restringir ou permitir o acesso a sites e pesquisas na internet, assim como instalar novos programas. Desta forma é possível minimizar os efeitos nocivos da tecnologia”, conclui Ana Cláudia.
Jogos x saúde mental
A psicóloga Patricia Dotta alerta que jogos violentos causam danos à saúde mental. “Como depressão, fobia social, ansiedade e queda no desempenho escolar, impactando na formação fundamental e também na vida adulta”, esclarece.
Ela também menciona que a atividade, em si, não é o problema. Entretanto, é preciso haver um equilíbrio, pois o excesso traz complicações. “Muitas crianças acabam encontrando um refúgio no jogo, uma vez que os pais estão atarefados e cansados na hora de brincar. Quase todas que apresentam dependência estão abandonadas pelos pais”, frisa.
Patricia cita que diferentemente do que muitos acham, o tratamento de ansiedade e depressão não precisa ser feito apenas com o uso de medicamentos. “Assim como acontece com outras doenças, os sintomas que acometem o psicológico também podem ser combatidos com métodos naturais, como a prática de atividades físicas, massagens terapêuticas, mudanças na alimentação, além de estímulos e exercícios mentais. É aí que os videogames despontam como uma grande arma. O excesso é um problema e, quando usado como técnica de aprendizado, os games são incríveis”, garante.
De acordo com a psicóloga, na última década alguns jogos foram criados exclusivamente para combater os sintomas da ansiedade e depressão. “Entre eles está o Project: EVO, desenvolvido para rodar em tablets e smartphones. Atualmente está passando por testes clínicos para ter seu uso em pacientes que sofrem com distúrbios cognitivos, como danos cerebrais, a doença de Alzheimer, o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e outras doenças”, ressalta.
A profissional da saúde mental evidencia que existem pessoas que encontram conforto em atividades como em passar um período na frente da televisão ou do computador, jogando. “É importante ter a noção do quanto esse tempo é benéfico para a saúde mental”, sublinha.
Tudo em excesso faz mal
Para Patricia, infelizmente tudo em excesso é prejudicial, e não é diferente as crianças em relação ao uso precoce da internet e brinquedos mais modernos. “Esses hábitos podem ocasionar problemas como obesidade infantil, noites mal dormidas, dores de cabeça e dependência. A falta de atividades físicas já se tornou algo muito preocupante para o público infantil. Para se ter uma ideia, o sedentarismo mata mais que o diabetes, custa duas vezes mais que a obesidade e três vezes mais que o tabagismo”, conta.
Um dos problemas causados pela tecnologia, como explica a psicóloga, é que as crianças estão perdendo a criatividade. “Uma vez que, nos jogos eletrônicos, corre-se o risco de elas não brincarem de forma lúdica. Isso sim é um dos grandes desafios que temos que pensar, enquanto sociedade. Elas crescem sem a habilidade de frustração, querem tudo na hora, assim como a passagem de um vídeo para outro no tik tok”, realça.
Para estabelecer limites, é preciso alternar jogos com brincadeiras lúdicas, segundo Patricia. “Muito além disso é necessário proporcionar a sensação de amparo, presença e continência que a criança deve sentir dos seus pais. Mas não se recomenda o uso de aparelhos digitais em pessoas com menos de 10 anos”, reitera.
A psicóloga reconhece que uma criança está saudável emocionalmente quando brinca ludicamente e cria histórias. “Faz de um objeto qualquer um avião ou um caminhão. E fantasia. Pode fantasiar por meio dos jogos eletrônicos, também. Isso é fundamental para que ela crie tolerância em esperar, e tenha a sensação de que é amada pelos seus pais. Isso é fundamental”, finaliza.