Diariamente, os mais de 12 mil alunos matriculados na rede municipal de Bento Gonçalves, vão para as escolas. É lá que passam grande parte do tempo. Por isso, muitas das refeições não são realizadas em casa, o que poderia ser motivo de preocupação para as famílias. Entretanto, a maioria dos alimentos que chegam até os refeitórios, saem diretamente do interior da cidade, onde são plantados e cultivados pelas mãos dos produtores rurais.
Atendendo a legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a prefeitura realiza a aquisição de produtos advindos da agricultura familiar por meio de Chamada Pública. Os cerca de 50 integrantes da Associação de Agricultores Familiares de Bento Gonçalves (AAFBG), participam do processo de compra de alimentos, fornecendo desde hortifrutigranjeiros até produtos coloniais das agroindústrias locais. “Como o famoso suco de uva, pães, biscoitos, doces de frutas, aipim descascado e seleta de legumes”, explica a secretária de Educação, Adriane Zorzi.
Esse ano, a prefeitura vai destinar R$ 1.815.248,61, exclusivamente para a compra do que é desenvolvido pelos produtores rurais, com o objetivo de proporcionar alimentação saudável e nutritiva aos estudantes. A expectativa para o ano letivo de 2022 é que sejam servidas cerca de 1,5 milhão de refeições, entre as 45 escolas pertencentes ao município.
Entre os produtores que têm parceria com o Poder Público, está Charles Strapazzon. Junto com os pais, esposa e sobrinho, desde 2009, entregam para as escolas alguns produtos, como tomate, cebola, alface, salsa, cebolinha, ameixa, nectarina e pêssego, cultivados no distrito de São Pedro. Nas terças-feiras, no turno da manhã, a família se organiza para fazer a entrega das mercadorias nas escolas da cidade.
Para Strapazzon, saber que o alimento produzido na sua propriedade, pelas mãos da família, vai para a mesa dos educandários, reforça o sentimento de produzir com responsabilidade. “Isso nos motiva a fazer com as melhores práticas possíveis, mesmo sabendo que nem tudo depende de nós, pois tem o clima também”, comenta.
Daniela Dorigon Mezadri sempre trabalhou na agricultura. Possui talão de produtor desde os 17 anos. Atualmente, junto com o marido, Márcio, trabalham juntos em todo processo de produção dos alimentos, fazendo o plantio, os tratos culturais, a colheita e a industrialização.
O casal integra a AAFBG desde 2019. Dessa forma, participam de licitações públicas para entregar aos educandários, aipim e seleta de legumes, alimentos produzidos na propriedade, localizada em Veríssimo de Mattos, distrito de Tuiuty.
Daniela conta que ano passado também entregavam repolho, entretanto, dentro da Associação, os integrantes se dividem para decidir o que será de responsabilidade de cada um. “Cada produtor fica com uma cota. No meu caso, como sou uma agroindústria entrego todos os produtos industrializados e completo a cota com outros hortifrutigranjeiros”, explica.
Como o produto do casal é refrigerado, eles mesmos percorrem todas as escolas do município para fazer a entrega e garantir a merenda escolar das crianças. “As entregas são estabelecidas pela Secretaria da Educação, de acordo com a quantidade disponível, mas sempre nas terças-feiras”, conta.
Para a agricultora, o sentimento de entregar um alimento nutritivo é de alegria. “É uma satisfação saber que estamos contribuindo com uma alimentação mais saudável e segura para com as crianças do município, lembrando que talvez, algumas delas têm na merenda escolar a única refeição completa do dia”, pontua.
Além da alimentação, uma bebida nutritiva
Muito além dos alimentos ricos em nutrientes, os estudantes de Bento Gonçalves também são beneficiados com uma bebida saudável: suco de uva integral. Uma das responsáveis pela produção é a Gallon Sucos, empresa familiar e pequena, como define o sócio proprietário, Edvaldo Moro Gallon.
Toda produção de uva da família está na propriedade, na Linha Alcântara, interior do distrito de Faria Lemos. Quando a empresa nasceu, logo em seguida já foi firmada a parceria com o Poder Público para destinar os sucos às escolas, em 2016.
Questionado sobre a quantidade da bebida que é entregue, Gallon explica que existe uma lei federal que, financeiramente, limita o volume do que pode ser destinado às escolas. “Ano passado, esse valor permitia que a gente entregasse aproximadamente dois mil litros de suco durante o ano, no meu caso, porque tenho somente uma Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP)”, afirma.
Porém, como ocorreu uma mudança nessa lei, o orçamento aumentou. Para esse ano, a empresa tem permissão para entregar pouco mais de três mil litros. “Teve um aumento bem significativo no valor, então melhorou bastante para nós, que podemos entregar mais e obviamente para as crianças que vão poder consumir mais desse produto”, comemora.
Ainda assim, Gallon pontua que comparando a quantidade de alunos que as escolas municipais possuem – atualmente são 12.300 matriculados -, a quantia de suco entregue é considerada pequena. “Claro, não podemos deixar de parabenizar a prefeitura por essa iniciativa. Acho muito válido por parte deles oferecer esse produto, mas também acredito que se puderem trabalhar para aumentar esse volume, seria bom para nós, agricultores, que vamos poder vender mais. Melhor ainda para as crianças que vão poder consumir com mais frequência esse produto que é tão benéfico para a saúde”, salienta.
Por fim, para o produtor, ter a oportunidade de realizar a entrega do suco integral é gratificante. “A gente vai nas escolas entregar e no mês seguinte, quando voltamos, o pessoal está contente, alegre, porque chegou o suco, falam que é muito bom. Então, nos dá a certeza de que estamos no caminho certo, de elaborar um produto de qualidade, que satisfaz nossos clientes, que consomem e pedem mais. As merendeiras e professoras elogiam”, pontua.
Além disso, outro motivo que alegra a família, é saber que as crianças estão consumindo uma bebida saudável. “Sabemos dos diversos estudos científicos que comprovam os benefícios para a saúde de quem consome o suco de uva integral, então, para nós é muito bom ver essa preocupação, principalmente do Poder Público, em entregar esse produto para os alunos consumirem”, finaliza.
A alegria de se alimentar na escola
Por volta das 9h15min, os estudantes da Escola Municipal de Tempo Integral São Roque – Professora Nilza Côvolo Kratz, fazem fila para tomar o café da manhã. É a primeira das três refeições que fazem dentro do educandário. Ao meio dia tem o almoço e de tarde, às 15h, o lanche.
Devido a pandemia do coronavírus, que exigia isolamento social, o educandário está mantendo o refeitório fechado. Nesse período, as crianças estão fazendo a alimentação dentro das salas de aula.
A vice-diretora, Lília Peres Remussi, conta que o cardápio das refeições é sempre variado. “É enviado semanalmente pelo setor de nutrição da Secretaria de Educação e a gente apenas cumpre”, conta.
A escola conta com o apoio de quatro merendeiras para preparar a alimentação das crianças. Entre elas está Gladir da Rosa. Trabalhando há um mês na função, ela diz que está gostando da experiência. “Antes, trabalhava na área da limpeza. É muito bom lidar com as crianças. Estou me adaptando bem, pretendo continuar. Fazemos a comida com bastante carinho, higiene”, afirma.
Profissionais capacitadas
Entre o final de janeiro e início de fevereiro, período anterior ao início das aulas, 96 merendeiras, tiveram a oportunidade de participar de um curso de capacitação: “Boas práticas na preparação da alimentação” e orientações básicas de culinária, que ocorreu nas dependências do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
De acordo com a secretária de Educação, Adriane Zorzi, inicialmente foi abordada a legislação sobre boas práticas na manipulação de alimentos, enquanto no último dia, ocorreram aulas práticas “mão na massa”. “Onde chefes de cozinha ensinaram técnicas básicas de preparo de alimentos, com ingredientes que compõem os cardápios das escolas”, conta,
Ainda segundo Adriane, o objetivo foi qualificar as profissionais para preparar uma alimentação saudável e de qualidade. “Sem riscos de contaminação dos alimentos, agregando sabor às preparações servidas diariamente”, finaliza.
Sob o olhar de uma nutricionista
A nutricionista materno infantil, Camila dos Santos Tartaro, esclarece que o comportamento alimentar das crianças começa a ser formado antes mesmo de nascer. “Ainda na barriga da mamãe, o bebê já sente o sabor dos alimentos e isso pode determinar até mesmo sua preferência por doce, salgado, ácido”, garante.
A profissional considera os dois primeiros anos de vida, como uma janela de oportunidades, onde as comidas são estímulos. “Quanto mais exposição a alimentos saudáveis durante a primeira infância, mais a criança aprende a gostar desses alimentos e desenvolver um comportamento alimentar que será determinante para sua saúde futura”, afirma.
Questionada sobre a importância dos pais ou responsáveis manterem em casa o hábito da alimentação saudável que a criança está recebendo na escola, Camila responde que é preciso ter uma continuidade desse cuidado. “Isso é um grande passo para formação do paladar e para manter essa geração longe da possibilidade de desenvolver doenças crônicas, como diabetes, complicações associadas ao excesso de peso, hipercolesterolemia. Ou seja, manter esse cuidado é pensar na saúde futura. Tudo na vida é equilíbrio. Um lanchinho diferente vez ou outra, tudo bem, mas quanto mais cuidado, mais prevenção”, ressalta.