Organizadores do Battle in the Cypher apresentam a 10ª edição do evento e falam sobre a evolução do movimento em Bento, ao longo da última década
Um grupo apagava o grafitti que fica em frente ao ponto de ônibus da Rua Júlio de Castilhos, no Centro da cidade, quando foi interpelado pelos pedestres que passavam pela calçada. Em tom de perplexidade, as pessoas indagavam por que estavam retirando a arte que dava vida e cor ao espaço. Para alívio deles, a pintura, já danificada pelo tempo, estava sendo coberta para dar espaço a um novo grafitti, que seria refeito pelos mesmos artistas. Há pouco mais de cinco anos, porém, quando o espaço estava sendo ocupado pela primeira vez, o tom era outro, e as pessoas reclamavam de que o muro estaria sendo vandalizado.
O relato é apenas um entre os inúmeros exemplos citados por Pedro Ramon Festa, um dos organizadores do Battle in the Cypher, quando perguntado sobre o legado deixado pelo evento que chega a sua 10º edição, bem como acerca da evolução e da aceitação popular do hip hop, ao longo da última década. Mesmo o lema da nova edição “Acreditando na batalha”, conforme explica Festa, resume a essência do evento. “São 10 anos de resistência, transformando no diálogo, uma cultura que já foi marginalizada em exemplo para a sociedade. São 10 anos de luta, garimpando apoio para manter e expandir essa festa”, pontua.
10º Battle in the Cypher
A 10ª edição do Battle in the Cypher inicia segunda-feira, 15 de abril, e segue até o domingo, 21. Ao longo dos sete dias de programação, os organizadores esperam mobilizar um público de 10 mil pessoas, marcando dessa forma a maior e mais completa entre todas as edições. “Como teremos diversas atividades abertas, contamos com o público da cidade que muitas vezes gosta de assistir e consumir, mas não de participar efetivamente. Além disso, acreditamos que pelo menos 400 pessoas de fora devem estar presentes, aí gente da área mesmo. Virão grupos grandes da Argentina, Paraguai, Minas Gerais”, explica.
A participação de nomes e de excursões internacionais, mais que prova do fortalecimento do evento, são também resultado das pré-edições que levam o espírito do festival para outras partes do Brasil e da América do Sul. Neste ano, ocorreram eventos na Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, no Brasil; e na Argentina, Uruguai e Paraguai.
A programação conta com shows, apresentações de dança, cinema, palestras, batalhas de MCs e DJ, grafitti, exposições, workshops englobando todas as áreas da cultura hip hop. Entre os grandes nomes dessa edição estarão presentes os painelistas: o b.boy Bernardo Saul Ortiz Pérez, de Assunção, Paraguai, compartilhando suas vivências de break, trabalhando bases, direções e estilo; o grafitteiro Andrew Iceman, de Curitiba, Paraná, que abordará a construção e desenvolvimento da caligrafia e lettering; e o dj paraguaio Saturn, que abordará temas como mixagem, técnicas de scrath e beat juggling. O maior expoente da 10ª edição, porém, é o rapper Marcello Gugu, de São Paulo. “É uma pessoa de grande respaldo, um dos criadores da Batalha de Santa Cruz, que revelou rappers famosos no cenário nacional, como Emicida e Rashid. Ele vai estar com nós, dando uma palestra e também na batalha de MCs. Acho que é o cara dessa edição”, exalta William Sarate Ballestrin, outro dos organizadores.
Vencendo o preconceito
A evolução do Battle in the Cypher acompanha, passo a passo, o progresso da cultura de rua em Bento Gonçalves. O evento, como lembra Festa, surgiu como batalha de break, mas evoluiu ano a ano, ampliando para todas as áreas do hip hop. Ao longo das 10 edições, o sentimento é de que o movimento cresceu entre quem gosta do gênero, revelando muitos artistas e ganhando o reconhecimento de pessoas de fora.
No entanto, para além do reconhecimento do evento no cenário hip hop, Festa pontua que uma das maiores conquistas foi a quebra de paradigmas sociais alcançados na última década. Ele destaca que embora o hip hop ainda seja visto como um movimento marginalizado, a aceitação social é cada vez maior. “Antes mesmo do Battle, a gente já dançava, isso há umas duas décadas. Nessa época era complicado, tomávamos pressão da polícia, as pessoas não entendiam. Agora, já dançamos em evento com a presença do comandante da Brigada Militar e o prefeito nos conhece pelo nome”, compara.
Entendemos que tem gente que gosta e gente que não gosta. O legal é levar essa cultura para todo mundo e permitir que as pessoas deixem suas opiniões, sejam elas positivas ou negativas
Em consenso, Ballestrin também afirma que a aceitação é muito maior do que há 10 anos. “Lembro que uma vez saíram alguns grafittis do Battle em um jornal e os leitores ligaram reclamando. Mas a gente conseguiu quebrar esse preconceito e já temos um bom status diante da sociedade e perante o Poder Público mesmo, tanto que hoje a gente trabalha bastante com Ceacris, fazemos trabalhos sociais, oficinas na Casa das Artes. São espaços que a gente conquistou”, enaltece.
Fotos: Bruna Ferreira, Divulgação