Bento Gonçalves igualou o número de assassinatos ocorridos em 2017 a três meses do final de 2018. Autoridades e especialistas tentam entender a situação e falam sobre meios para combater a escalada da criminalidade na Capital do Vinho

O número de mortes violentas registrado em Bento Gonçalves neste ano já se igualou a 2017, mas ainda faltam três meses até o fim. Para autoridades de segurança pública, essa realidade vem da intensificação do tráfico de drogas e da atividade de facções no município. A maioria dos casos envolve venda ilegal de drogas, já que quase todas as vítimas tinham passagem pela Polícia por tráfico.
Embora em menor intensidade, o problema das ruas também impacta no presídio: grupos rivais, que disputam poder nos bairros, têm influência atrás das grades. De acordo com autoridades, a precaridade do sistema prisonal e a debilidade da legislação penal são fatores que agravam ainda mais a situação da violência entre traficantes.
Do outro lado, moradores que vivem nas periferias, onde acontece a maioria dos homicídios, relatam o temor da violência recair sobre as crianças e a ineficiência das forças de segurança, que não resolvem o problema.  Das 34 mortes violentas neste ano, seis aconteceram no bairro Ouro Verde e seis no Municipal. Eucaliptos, Zatt e Tancredo Neves também tiveram vítimas.

Dificuldades nas investigações

A delegada Maria Isabel Zerman, da 1ª Delegacia de Polícia de Bento Gonçalves (1ª DP), é responsável pela investigação de tráfico de drogas no município. Segundo ela, as apurações são difíceis porque traficantes intimidam possíveis testemunhas. “Isso prejudica a elucidação do crime e a sua respectiva responsabilização penal, uma vez que dificilmente encontramos alguém para apontar, de modo formal, quem foi o autor”, relata.
Em comum, Isabel avalia que a maioria das vítimas possui antecedentes criminais por tráfico ou posse de drogas. “O motivo das mortes é o acerto de contas e a demonstração de poder”, constata.
Ela atribui o aumento no número de mortes violentas à proximidade com centros de criminalidade, como Caxias do Sul e região metropolitana. Outros motivos citados pela delegada são o grande mercado de usuários, o problema do sistema penitenciário e a vinda de facções.
Na sua avaliação, o aumento no número de homicídios não é só em Bento Gonçalves, tampouco característica particular de algum bairro, embora haja zonas específicas onde os conflitos são mais intensos. “Esses locais estão sendo alvos de análise e de atuação da Polícia Civil, e também merecem atenção do Poder Público para que estes índices diminuam”, aponta.

“Onde tem usuário, o tráfico aparece”

De acordo com o delegado Alvaro Becker, da 2ª DP, a Polícia Civil, em colaboração com outras delegacias da região, tem atuado para prender integrantes do crime organizado. “Nós estamos acompanhando a investida deles. A região como um todo está agindo no combate a esse tipo de crime, mas infelizmente não basta só a polícia fazer seu trabalho. Nós prendemos o traficante e meia-hora depois já tem outro, no mesmo lugar”, enfatiza.
Becker acredita que a população precisa também fazer sua parte. Na medida em que há aumento no consumo de drogas, também há aumento no tráfico. “Bento Gonçalves é uma cidade rica, turística. Para eles, isso é dinheiro abundante. A população tem que ajudar, porque o tráfico depende de usuário e onde tem usuário, o tráfico aparece”, avalia.
Além disso, o delegado pede a colaboração das pessoas para denúncias e ações, visto que os usuários de drogas são problema de saúde pública. “O sistema em si não funciona. Por isso, a gente espera que a população abra o olho. Não adianta só cobrar da polícia, porque isso não resolve, temos que cobrar daqueles que têm poder de decisão”, argumenta Becker.

 

O tráfico na origem do problema

Em 2017, o Brasil registrou recorde em homicídios. São cerca de 30 casos por 100 mil habitantes, o que equivale a sete mortes a cada uma hora. A Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul contabilizou 3.022 mortes violentas no ano passado, sendo que apenas 34% foram elucidados e 80% desse total corresponde ao tráfico de drogas.  Bento Gonçalves reflete os dados em nível nacional e estadual. A Polícia Civil aponta que a maioria dos homicídios registrados na cidade tem como motivação a venda ilegal de entorpecentes. O delegado Álvaro Becker, da 2ª DP, enfatiza que o aumento é consequência da disputa de poder. “São mortes de pequenos traficantes locais para que as facções tomem conta, para assumir o controle”, revela.

Disputa de facções

Embora os maiores grupos criminosos organizados ainda sejam PCC e Comando Vermelho, o Departamento Penitenciário Nacional contabilizou pelo menos 83 facções atuando dentro das casas prisonais brasileiras. No estado, a Polícia do Interior já constatou a interiorização do crime organizado, que atuava na região metropolitana.
No Presídio Estadual de Bento Gonçalves, os criminosos não se apresentam abertamente como membros desses grupos. Contudo, o diretor Volnei Zago relata que tem conhecimento sobre a organização. “Dentro do presídio também fica uma situação de conflito”, expõe. Becker afirma que a interiorização do crime organizado é consequência da disperção dos presos das grandes cidades. “Hoje eles brigam entre si para ter o domínio do tráfico, da venda de armas e do roubo de carros. Isso tudo é dominado por esses grupos”, avalia.

Rotina de medo e violência

Três assassinatos aconteceram no Residencial Novo Futuro ao longo de nove meses. “Eles (a Polícia) dão a ronda deles e boa noite. Só vão lá para recolher o corpo se matarem alguém, mais nada”, relata um morador, que preferiu não se identificar. Para ele, o principal temor é da exposição das crianças à violência. “O problema é se pegar no meio de um tiroteio, mas a gente não é ameaçado pelos traficantes, mesmo as pessoas de idade, ninguém”, complementa.
Segundo outro morador, que também preferiu não se identificar, os homicídios não prejudicam a rotina. “Afeta a família dessas pessoas que tinham passagem policial. Na minha opinião não eram trabalhadores de bem”, comenta. Ele percebe um policiamento constante no condomínio.
De acordo com Becker, as facções buscam se inserir nos locais onde há mais pobreza. “Ali o traficante vai largar sua semente, e as pessoas enxergam a possibilidade de ter um ganho na venda de drogas”, considera. Na sua perspectiva, a única forma de resolver o problema é por meio do emprego, conscientização e educação. “São pessoas sem poder aquisitivo, muitas vezes morando ali por invasão”, analisa.

 

Instabilidade das ruas reflete no presídio, afirma diretor

O impacto da violência entre traficantes nas ruas também chegou no Presídio Estadual de Bento Gonçalves. O diretor Volnei Zago aponta que a situação ainda não está crítica, mas se a onda de homicídios continuar, a perspectiva é de que seja incontrolável.
Segundo ele, a direção busca amenizar os conflitos entre facções rivais. Contudo, os apenados acabam sofrendo consequências na rua, quando cumprem a pena ou são soltos. “Tem pessoas da região metropolitana vindo para cá e um grupo de Bento que não está permitindo a entrada deles”, explica.
Zago afirma que internamente, os presos não se apresentam como membros desses grupos, contudo, existem divisões internas. “Fica um conflito, a gente faz o possível para amenizar. Tem casos de alguém se sobrassair e tentar extorquir ou oprimir outro apenado. Eles têm as divisões deles”, relata.
Já a criminalidade que jogou para cima o número de mortes violentas em Bento Gonçalves têm reflextos diretos na casa prisonal. “Pela proporção do que aconteceu na rua, dentro do presídio ainda está calmo. A gente tem que tentar administrar para ter melhor convivência”, aponta. Ele prevê que se aumentar os homicídios, vai ficar praticamente impossível controlar a convivência.

Superlotação é principal problema

Antes de 2017, a média de homicídios no município era menor do que atualmente. O secretário de Segurança Pública, José Paulo Marinho, atribui a alta à superlotação do presídio de Bento. “Não há cumprimento de pena, sabemos que isso é uma questão da superlotação. Isso denota para o delinquente uma sensação de impunidade”, argumenta.
Outro fator citado por Marinho para a alta na criminalidade é a transferência de presos de alta periculosidade para Caxias do Sul. Segundo ele, os subordinados desses detentos atuam na região. “Meu receio é que as facções já existentes se associem a outras organizações criminosas, de outros estados”, pontua.
A previsão de Marinho é de que a situação melhore a partir do próximo ano, com a inauguração do novo presídio, que deve suprir a necessidade de vagas. “Esperamos que para o ano que vem, nós consigamos retirar da rua esses delinquentes e que eles permaneçam cumprindo pena”, prevê.
Na sua percepção, o trabalho da Polícia tem surtido efeitos positivos, embora haja incremento no número de mortes violentas. “A efetividade da punibilidade não está acontecendo. A legislação precisa ser mudada”, considera.
Sobre o foco da violência ser em determinados bairros periféricos, o secretário observa que o Programa Sou + Bento deve auxiliar a inserção do Poder Público em áreas de risco. “Queremos colocar os serviços nas áreas de maior vulnerabilidade social. Não adianta ter somente segurança nos bairros, precisa também de cultura”, explica.
Segundo Marinho, o Comando da Brigada Militar enviou um efetivo para o município. “Assim vão prender os delinquentes e dar um choque na criminalidade”, ressalta.