A saga começara na véspera, com um sono indigesto provocado por minúscula azeitona escondida no pastel das onze. Da noite. Ela sentiu, ao ir para a cama, que a verdinha não lhe caíra bem e que poderia provocar um revertério estomacal, com chance de mexer até com as batatas fritas do almoço.
Às seis e trinta da matina, levantou-se. Logo se confirmou que aquele seria mesmo um dia bizarro. Primeiro, porque o “elevador” estava encrencado no “andar” do meio – sem subir nem descer – apesar de ela ter bebido uma dose cavalar de sal de fruta, que borbulhara além do copo, efervescendo sobre a pia… Pena ter jogado fora as velhas e boas Pílulas de Vida do Dr. Ross.
Segundo, porque precisaria usar fio-terra para se pentear, em função da excessiva energia estática que se bandeara pros seus cabelos, o que lembrava o Einstein naquela foto icônica. O tragicômico disso foi pisar na grama de pés descalços – único jeito de eliminar a carga negativa – e sentir algo gelatinoso grudando nos dedos. Maldito gato siamês! Além das invasões noturnas (com sustos homéricos) e farra nas madrugadas, o bigodudo ainda espalhava granadas escatológicas pelo gramado.
E o terceiro sinal da estranheza desse dia estava avançando num “céu carregado e rajado, suspenso no ar…” (Raul Seixas é demais). Temporal à vista.
Não foi fácil processar tanto incômodo, mas, uma hora depois, estava pronta para o desafio – coincidentemente, na data de vinte e sete de maio, único dia em que a humanidade pratica exercício e pensa que está se salvando do sedentarismo.
Então, ela e mais duas passageiras embarcaram no voo 1988, rumo à Capital do Basalto, com ponte aérea na Terra da Longevidade. A partir daquele momento, foi só turbulência. O “Airkombi” começou a perder pressurização já de saída, com o vento infiltrando-se pelas fendas da lataria. O “piloto”, nem aí, acostumado que estava a rotas de fuga. Por causa dos estalos, assobios e agudos do Xororó que saíam de um radinho a pilhas inusitado, elas trocavam figurinhas em volume máximo:
-DE ONDE VÊM OS JATOS?
-DO SALGADO FILHO…
-ESTOU FALANDO DOS JATOS DE AR QUE CIRCULAM AQUI DENTRO…
A resposta foi calada por um solavanco que as arremessou para o alto, seguida de freada brusca que empurrou o assento para frente e para trás. Além de algumas contusões leves, elas tiveram a língua mordida. O condutor deixou escapar sua satisfação num quase sorriso.
Com certeza, não era preciso viajar a nenhum parque temático de Orlando para sentir adrenalina. Aquela “aeronave” retangular, bojuda, quatro portas, sete ventarolas, bancos deslizáveis e quatro pneus carecas, com um motorista estressado circulando em meio a uma tempestade, estava promovendo uma experiência radical e inesquecível. Já o retorno… Bom, aí é assunto para nova crônica.