(Ezkallah, artista e fotógrafo de Beirute, modificou uma série de anúncios publicitários machistas do século 20, invertendo os papéis, para que “eles tomassem uma dose do próprio veneno”. Foi a inspiração para o texto abaixo)
A mulher chega do trabalho, extenuada. Joga-se no sofá e pede:
-Querido, meu drinque! Antes, me tira os sapatos que o salto está me matando. Ah! Põe mais um prato na mesa, que a chefe vem jantar aqui, em casa, hoje.
Uma hora depois, a campainha toca.
-Eu atendo, amor! Volta pra cozinha e capricha. Sabe como é: minha promoção está em jogo… – diz num misto de orgulho e cumplicidade.
As crianças fazem as tarefas escolares e, a toda hora, pedem ajuda ao pai, que se vira nos trinta. “Belém? É a capital do Pará. Merda! Esse molho não engrossa. O que que foi, Jéssica? Se Jesus é brasileiro? E eu vou saber?
Depois pergunta pra tua mãe.”.
Enfim, tudo pronto. O marido tira o avental e anuncia o jantar. Na mesa, a conversa gira em torno do novo projeto que promete sacudir o mercado de ações. De repente, a convidada dirige-se ao homem:
-E o senhor, além deste maravilhoso “canard à lórange”, o que faz?
Ele abre a boca, mas fica com a fala suspensa, porque ela, a esposa, toma a dianteira:
-O Pedro não trabalha. Ele é dono de casa. Né, amoreco? – diz num sorriso condescendente.
Ele fecha a boca. A chefe lhe pisca o olho e completa:
-Sorte sua ter uma esposa perfeita. Continuando assim, o futuro de vocês está garantido.
E rápido retoma o papo financeiro com a subordinada. Mulheres se entendem quando o assunto envolve a Bolsa. De valores, obviamente.
Depois do jantar, a sobremesa. O café é servido em outra sala. Assim o marido pode recolher os pratos, lavar a louça e pôr em ordem a cozinha enquanto programa o dia de amanhã, com escola, feira, almoço, reunião de pais, academia (ele precisa manter os músculos ou dança…). Afinal, é o mínimo que se espera de quem não trabalha.
Assim que a chefe se despede, a mulher segreda no ouvido dele:
-Põe as crianças na cama, rapidinho, toma um banho perfumado, que eu não gosto de cheiro de gordura, e voa lá pra cima. Não me decepciona, benzinho! Mole chega a tua vida.