Um bairro que cresceu a partir da força da comunidade é bastante elogiado pelos moradores, mas há reivindicações
Santa Marta é um bairro jovem e foi construído por moradores que até hoje permanecem em suas casas, sendo uma comunidade forte e unida. Sua localidade fica na zona leste da cidade. O local, que mal tinha casas em seu início, se tornou forte e uma escolha para muitos que procuram um lugar sossegado e seguro para viver. Com árvores por todos os lados, mercado, farmácia, escola, floricultura e posto médico, o bairro se torna completo para muitos que vieram de longe e decidiram iniciar suas vidas ali.
Santa Marta, meu lar
A maioria dos moradores do Santa Marta não nasceu por lá, mas decidiram escolher o bairro para ser a sua morada. Alguns vieram das colônias ao redor, outros de cidades mais distantes e alguns de Bento Gonçalves mesmo. Uns por causa da família, alguns pela fama do bairro e outros pelas belezas dos relevos. Há 30, 40 anos, nada existia por lá, exceto lotes de terrenos para serem comprados. Todos eles revelam que quando chegaram, nem calçamento sequer existia.
Aquiles e Nair Rigo são casados, hoje em dia já são aposentados, mas muito tiveram que trabalhar para construir a linda casa verde que faz parte do bairro. Naturais do interior de Garibaldi, plantavam uvas, e foi das safras que colheram que puderam realizar o sonho da casa própria. “Nós compramos aqui com o dinheiro da uva, primeiro adquirimos o terreno e depois fomos construindo. Moramos neste bairro há trinta e quatro anos. Estávamos na colônia, compramos o terreno aqui e fomos construindo, mas era tudo bem diferente. Quase não tinha nada de área construída, poucas casas e muitos lotes. A escola já existia, o mercado ainda não, então vejo uma grande evolução do bairro desde que cheguei aqui”, relata com um sorriso, relembrando tudo o que passaram.
Sem falar que o bairro não era nada parecido com o que é hoje em dia. “Aqui era tudo laranja na volta, era roça antigamente. Nem estrada tinha, para descer tinha que ser um dia seco, porque é dia de chuva patinava. Ele não foi um bairro planejado, as pessoas foram entrando”, comenta Rigo.
Idalina Capovilla é uma senhora que vive há pouco tempo no bairro, mas ele já conquistou seu coração.. “Gosto muito da estrutura do bairro, acho tudo muito bom. Faz 20 anos que meus filhos estão morando aqui, mas antes eu não queria, achava longe. Mas depois que vim para cá, acho muito bom. As pessoas, que convivemos por causa do grupo de ginástica da terceira idade ,são muito boas”, comenta feliz, enquanto olha ao redor com carinho. E relembra que antigamente, o bairro costumava ser um pouco mais perigoso. “No comecinho do Santa Marta, antigamente, meu irmão morava nesta localização e era um pouco mais violento. Mas agora melhorou, hoje em dia me sinto muito segura aqui”, finaliza Idalina.
Em uma casa com uma horta estendida por todo pátio, uma pequena pinscher preta late alto, quase como um mini cão de guarda. O barulho feito por ela é capaz de acordar uma casa. Minutos após o barulho, um senhor aparece na porta. Seu Carlos Soldi é viúvo, vive com sua pequena cachorrinha e mora no bairro há quase 40 anos. É lá que cultiva as boas memórias de sua vida. “Me mudei para cá em 1985. Eu era lá do Vila Nova, mas depois casei e comecei a trabalhar aqui e morava na casa aos fundos do trabalho. Depois de um tempo, comprei minha própria casa. Quando cheguei tinham poucas casas no Santa Marta, mas aos poucos foram construídas mais coisas, agora tem o Posto de Saúde que é muito bom, é só atravessar a rua e já estou ali”, relembra.
Mas nem sempre tudo foi flores no bairro. Ele conta que há algum tempo, a localidade estava bastante violenta. “A segurança melhorou bastante, porque antes, no bar na rua de cima da minha, tinha muita briga, pessoas usando drogas. Mas a prefeitura instalou câmeras aqui na frente, pegou bastante coisa, então agora está bem melhor”, relata.
De aluna a diretora
Aline Manara é a diretora da única escola do bairro, a Professor Noely Clemente de Rossi, e praticamente todos os filhos dos moradores estudaram lá. A instituição de ensino é bem conceituada, e hoje em dia abriga até mesmo crianças de outras localidades. “No momento, estudam aqui 465 alunos. Atendemos do jardim até o 9º ano. A maioria das crianças são do bairro, mas a gente também recebe estudantes de outras zonas, porque na redondeza às vezes não tem vaga à e aí eles vêm para a nossa escola. Agora até estamos mais limitados com a questão de vagas, porque estamos com as salas de aula bem cheias”, comenta.
A diretora fala com bastante propriedade, mas ela conhece a escola e o Santa Marta como a palma de sua mão, afinal, Aline foi criada e crescida em Santa Marta. “Sou moradora daqui e é um bairro bem tranquilo, bom de morar, acredito que não trocaria por outro lugar no momento. Gosto de onde moro, do bairro e até porque trabalho próximo também. Mas o local é tranquilo e seguro, por enquanto. Moro aqui a minha vida inteira, faz 40 anos, só não na mesma casa em que nasci. Teve algumas épocas em que ele não foi um bairro tão tranquilo, mas agora voltou a ser. Porque na época, os moradores se mobilizaram e passaram a pagar um patrulhamento, e acredito que depois disso acalmou. Não vimos um índice assim de violência que seja significativo para dizer que o bairro não é tranquilo, claro que acontecem ocorrências, mas isso é normal de qualquer lugar”, frisa.
O educandário, ao longo do tempo sofreu mudanças. Aline explica a respeito. “O prédio dessa escola aqui tem 40 anos, mas ela em si tem menos. Antigamente funcionava um colégio menor aqui, e a escola Noely funcionava em outro local. Depois veio para cá, e não era com toda essa estrutura, começou bem menor. E depois ela foi sendo ampliada devido à necessidade, então, se fosse bem do início da história, ela já teria 45 anos”, relembra a diretora.
Ela, por conhecer o bairro há tantos anos, conta como viu ele se desenvolver ao longo dos anos. “Foi uma localidade que cresceu muito com o tempo, as pessoas já fixaram residência própria. Teve muita gente que veio de fora e agora hoje tem residência própria, mas que veio aqui tentar uma vida melhor”, esclarece.
Por fim, a diretora revela que aquele ambiente é mais do que familiar para ela. “Estudei aqui da infância até a 8º série. Às vezes tenho que pensar, porque as coisas passam tão rápido, mas é bom, é gratificante. É uma recompensa, tu sair como aluna, retornar como professora e ser diretora. Digo que é bom porque tu conhece já a história da comunidade e isso é muito importante. Além de que, facilita muito quando tu conhece a história da escola, da comunidade, os alunos, as famílias. Isso acelera o processo de algumas questões que acontecem dentro da escola”, finaliza.
Moradores solicitam algumas melhorias
Todos têm muitos elogios ao local, como a segurança, a tranquilidade, a facilidade de acessar locais como comércio e o posto de saúde, mas, ainda assim, eles clamam por melhorias. O bairro é jovem, e tem uma comunidade muito unida, que transformou o local descampado em um belo bairro, entretanto, isso só se deu pela força de vontade dos moradores de ter um espaço cada vez melhor para viver. Por conta disso, muitas melhorias como o posto e o calçamento se deu por reivindicações da associação de moradores, e agora, eles esperam que escutem as outras.
Redovino Fontana é aposentado, mora no bairro há muitos anos, quase quando só existiam lotes por lá e gosta muito, mas ainda sim tem suas ressalvas. “É um bairro tranquilo Então acho que não tem problema nesse sentido, mas seria bom fazer uma pavimentação asfáltica, pelo menos, no corredor do ônibus. Ali está muito irregular, parece que tu vai voar quando o ônibus passa, então essa é uma melhora que precisa bastante”, relata.
Em uma floricultura enorme, cheia de flores e vasos, encontramos Juarez Batisti, ele é o funcionário dali, mas quem acha que está é sua única função, esta enganado. Ele já foi presidente da Associação de Moradores, ao total de quatro mandatos, e conseguiu muitas melhorias para o local. Atualmente, ele segue tentando, mas agora como parte da diretoria da associação. “O bairro teve muitas evoluções desde que vim morar aqui, mas necessita de melhorias na infraestrutura. Já fui presidente da associação de moradores, então na época fiz protocolos e ofícios para que haja ao menos, o corredor do ônibus asfaltado. Um bairro que existe há mais de quarenta anos, são necessárias melhorias. Eu entrei em 2002 a primeira vez que eu fui presidente da associação a gente já começou pedindo melhorias. Tinham ruas que nem paralelepípedo tinha e a gente pediu e fomos contemplados. Mas depois começamos a pedir asfaltamento nas ruas principais e uma parte veio, mas precisamos da rua principal do corredor de ônibus, a gente está pedindo faz tempo. E então são necessárias as reivindicações porque aqui tem comércio, vão vir mais empresas para cá”, ressalta.
Luciane Soares mora no bairro há dez anos, nasceu em Cacequi, mas veio de Canoas traçar a vida em Bento Gonçalves. Vive e trabalha como cuidadora de Maria Adelaide, uma carioca que vive há anos no Santa Marta também. Ambas gostam muito do bairro, a tranquilidade, a segurança e a comunidade são o ponto alto. Mas Luciane tem críticas em relação ao funcionamento dos ônibus. “Já faz dez anos que moro aqui no Santa Marta, eu acho o bairro muito bom, mas é preciso uma pavimentação para melhorar. O transporte público deixa a desejar um pouco, principalmente final de semana e feriado, porque as pessoas estão em casa, querem ir para algum lugar e não tem ônibus. Mas fora isso, o bairro é seguro, tem tudo o que a gente precisa, realmente muito bom”, realça.
Santa Marta padroeira
Dia 29 de julho se comemora o dia de Santa Marta, e além de carregar o nome do bairro, ela é a padroeira da comunidade. Rene Luís Guadagnini é o presidente da comunidade da capela Santa Marta, e fala a respeito da comemoração. “Nós reunimos bastante pessoas no último evento, em torno de 600. Neste ano, vamos ter missa, almoço, rifas e bailes e o valor arrecadado utilizaremos para as melhorias no salão da comunidade e para a igreja,” comenta o presidente.
42º festa em honra a Santa Marta
23 de julho, domingo, no salão da comunidade Santa Marta, com Missa às 10h, almoço 12h, abertura do salão 11h30min.
Após o almoço: Reunião dançante e sorteio de rifas
A professora e a árvore pau-brasil
Dizem que a primeira árvore pau-brasil continua crescendo após 1.500 anos. Seu nome vem da língua Tupi e significa” Vermelho como Brasa”. A árvore, que entrou para a lista de ameaça de extinção e carrega o nome do país, não é tão comum aqui no Sul, entretanto, uma professora desafiou a geografia. Ignez Lúcia Chiele Pancotto é professora e educadora aposentada pelo estado e mora no Santa Marta desde 1989. Ela foi a primeira a morar em sua rua, junto com o marido e os quatro filhos que são o apego do casal. “A gente veio morar aqui porque gostamos do espaço físico, do relevo… E como meu esposo trabalhava com construção, ele viu a possibilidade de construir nossa casa em um lugar especial e que a gente gostasse. Nós fomos os primeiros a morar nesta rua, não tinha calçamento nas vias, a escola aumentou de tamanho com o passar dos anos, tanto que nossos filhos todos estudaram ali”, relembra sorrindo.
A escola que ela fala, é a Noely Clemente de Rossi, onde, após aposentada, decidiu que não queria parar sua carreira por ali, e começou a dar aula pertinho de casa. “Eu sou educadora, trabalhei em muitas escolas aqui de Bento, e quando me aposentei pelo estado, minha filha me convenceu a fazer o concurso público da prefeitura. ‘Aposentada sem fazer outras atividades com a educação. Por que você não faz um concurso pela prefeitura?’, ela me dizia. Então, fiz o concurso e fui nomeada para trabalhar aqui. Para mim a escola e a comunidade, como um todo, é um lugar que é nosso, aqui nós somos muito unidos”, fala com orgulho do bairro que é seu lar.
Em um dia, assumiu o cargo de professora de aula de Ensino Religioso e fez interdisciplinares com Língua Portuguesa na qual fora nomeada. O projeto da escola era Sustentabilidade, e então decidiu propor algo diferente aos seus alunos. “Eu perguntei aos estudantes sobre a árvore pau-brasil e disse a eles que tinha uma proposta. E se tivesse um pau-brasil aqui no nosso bairro? Eles achavam que eu estava brincando, porque pelo que eles estudaram, pau-brasil era só no Nordeste”, ela ri relembrando de 20 anos atrás. “Mas eu tinha mudinhas. ‘Onde é que nós vamos plantar isso aqui?’, eles perguntavam e eu disse, tenho ideia de plantar junto com as árvores da área verde. Mas para plantar lá, tinha que falar com o secretário de meio ambiente. E aí então ele disse: ‘não, você vai plantar na frente da escola’. E aí não tinha cerca, eu disse, ‘meu Deus, e daí o que nós vamos fazer?’ Os pais descobriram que os filhos tinham a tal da muda do pau-brasil e um disse: ‘mas eu tenho serralheria, vou fazer a cerquinha’, aí o outro ia trazer outra coisa. O Secretário do Meio Ambiente e o Engenheiro Florestal, Sr. Flávio, marcou dia e hora junto com a direção da escola. No dia certo, chegou caminhão, funcionários com ferramentas para fazer o espaço e o replantio da muda”, conta e se arrepia ao relembrar.
Hoje, após 20 anos, o pau-brasil permanece em frente a escola, envolto por uma cerquinha. Sua altura está cada vez maior, cheia de sementes e Ignez revela. “Então agora eu sou a ‘vovó do pau-brasil’ porque já tem sementes espalhadas por todo o bairro”, finaliza e sorri orgulhosa do feito.
Fotos: Renata Carvalho