Os principais locais devastados, Faria Lemos e Santa Tereza, se reconstroem em meio às incertezas

Por Cassiano Battisti e Nathielly Paz

Após um ano das enchentes e deslizamentos de terra, que acometeram a região, a partir do dia 4 de setembro de 2023, principalmente em Linha Alcântara, no distrito de Faria Lemos e no município de Santa Tereza, a população destes locais aos poucos retoma a normalidade de suas vidas, reconstruindo o que perderam através de muito trabalho e ajuda comunitária.

Confira o antes e depois de uma propriedade em Santa Tereza:

A propriedade da família Bettinelli, que ficou submersa durante as enchentes do ano passado (acima) retornou à normalidade recentemente

Marcelo Bettinelli Machado, arquiteto de Santa Tereza, foi uma das pessoas impactadas pelos desastres naturais de um ano atrás. Ele conta que estava auxiliando outras pessoas a retirarem seus bens das casas, sem saber que a água já havia chegado na sua residência também. “Perto das 15h, minha mãe disse para irmos até em casa dar uma olhada, mas já era tarde, a água já havia coberto a ponte que dá a passagem e o pessoal não estava transportando pessoas para casa, e sim retirando as mesmas. Mais ou menos duas horas depois, conseguimos um amigo com barco para nos transportar para tentar salvar alguma coisa, mas já era tarde: a água já havia entrado em nossa casa”, salienta.

Ele destaca que foi possível salvar pouca coisa. “Conseguimos salvar algumas roupas e documentos devido a velocidade que o nível da água se elevava. Subimos para a vizinha de cima da rua e lá assistimos nossa casa ficar submersa, com apenas a ponta do telhado fora da água. Mais tarde, fomos resgatados e levados até Bento Gonçalves, onde temos apartamento. Foi a primeira vez que enfrentamos uma enchente assim. Encontrar a casa cheia de lama e entulhos de móveis quebrados não foi fácil, mas eu e minha mãe com a ajuda de dois tios mais velhos, conseguimos limpar tudo, e nos organizar para seguir em frente”, pontua.

Ele aborda a recuperação e o contexto em que ocorreu o infortúnio. “Infelizmente tudo isso aconteceu enquanto meu pai estava na UTI, se recuperando de um AVC e infarto. Nos recuperamos, ganhamos móveis que foram doados, porém em novembro, veio a segunda enchente, em que conseguimos tirar as coisas, mas como estava chovendo muito, acabou molhando e com o tempo, em cima do caminhão, acabou mofando, assim, perdemos mais alguns móveis”, relata.

Segundo informações da prefeitura de Santa Tereza, o programa para doação de terrenos às famílias atingidas foi concebido a partir de setembro de 2023. Já o Programa “A Casa é Sua – Calamidades”, que prevê a construção das casas pelo Governo Estadual, teve sua portaria publicada em março de 2024 e serão atendidas 24 famílias do município, que até então é o único contemplado pelo programa estadual na Serra Gaúcha.

Sobre o programa

O Programa “A Casa é Sua – Calamidades” foi concebido pelo Governo do Estado e constitui-se numa oportunidade para que as famílias atingidas pelas enchentes de setembro, novembro e maio tenham um alento e possam retomar suas vidas, ter de volta um lugar para reconstituir seus lares, em local seguro. Para que o programa possa ser efetivado, ou seja, que as casas sejam construídas, é necessário que o município forneça os terrenos, com toda a infraestrutura de terraplenagem, instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias.

Segundo a prefeita de Santa Tereza, Gisele Caumo, o principal desafio na implementação foi a necessidade de alterar a terraplenagem. “As casas que serão construídas pelo Estado utilizam o método de radier, o que exigiu uma nova configuração, com a composição de patamares. O trabalho iniciou num período de chuvas intensas, o que acabou estendendo a execução”, explica.

Ajuda psicológica é essencial

O psiquiatra e psicoterapeuta com compreensão psicodinâmica, Roberto Nichetti, traz orientações importantes sobre como lidar com o trauma de uma enchente, especialmente quando envolve a perda de bens materiais e de pessoas queridas. Segundo ele, o primeiro passo é procurar apoio emocional em entes queridos. “É fundamental buscar quem a pessoa sinta-se confortável para desabafar, sendo compreendida com empatia”, afirma o médico.

O luto, em situações traumáticas, pode se complicar ainda mais. Nichetti explica que quando há sentimentos ambivalentes pela pessoa que faleceu ou quando o convívio era muito próximo, o luto se torna mais intenso. Além disso, ele ressalta que a ausência de referências para amparo pode agravar o processo.

Para lidar com o choque inicial, o suporte psicológico mais eficaz é a psicoterapia breve, que auxilia na compreensão do impacto da perda e na elaboração dos sentimentos. “Essa abordagem é importante para a catarse e para enfrentar os sentimentos agudos da perda”, recomenda.

Como reduzir a ansiedade

Sinais de que uma pessoa está tendo dificuldades em superar o trauma, segundo o psiquiatra, incluem a negação do problema, o congelamento emocional e a dificuldade em retomar uma rotina. “Nessas situações, é necessária uma intervenção terapêutica”, alerta o especialista.

As crianças também precisam de apoio. Nichetti pontua que, a partir dos cinco anos de idade, elas já compreendem a irreversibilidade da morte, sendo essencial um diálogo honesto. “É preciso ajudá-las a entender a diferença entre a perda de uma pessoa e a perda material”, orienta.

O convívio com outras pessoas que passaram pela mesma experiência pode ser uma técnica valiosa para reduzir a ansiedade. “Sentir que não estão sozinhos e que a comoção é coletiva ajuda a aliviar o estresse pós-traumático”, reforça o psiquiatra. Ele também destaca a importância da fé e do entendimento de que, mesmo diante de perdas materiais, existe a possibilidade de reconstrução.

Por fim, o psiquiatra enfatiza o papel essencial dos familiares e amigos. “Eles são fundamentais, não só pelo apoio material, mas também emocional, diminuindo a sensação de solidão e desamparo”, conclui.