Trocas de nome civil por pessoas trans são realidade em Bento

Segundo os dados do Cartório de Registro Civil, 2022 foi o ano com mais ocorrências, 10 trocas de nome civil em cartório; desde 2021 são 17 casos registrados

Foto: Registrador Cartorário, Gerson Tadeu Astolfi Vivan.

Desde 2021, o Cartório de Registro Civil de Bento Gonçalves registrou um total de 17 trocas de nome de pessoas trans, um processo que reflete avanços na legislação e maior facilidade para aqueles que desejam alterar o nome civil. Dados disponibilizados indicam que ocorreram três trocas em 2021, 10 em 2022 e mais duas em 2023 e 2024, respectivamente.

Até junho de 2022, a mudança de nome, especialmente em casos relacionados à identidade de gênero, exigia um processo judicial, prolongado e muitas vezes complexo. No entanto, com a lei Federal 14.382, o procedimento ficou mais simples: agora, é possível efetuar diversas mudanças, tanto de nome (prenome) como de sobrenome, tornando viável a alteração em cartórios, não necessitando acionar a Justiça.

Antes disso, em decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018, o procedimento deu seus primeiros passos para tornar-se mais acessível. A decisão do STF eliminou a necessidade de cirurgia de transgenitalização e de autorização judicial, permitindo que pessoas transgênero possam retificar seu nome diretamente em cartório, apenas com base na autoidentificação. No entanto, a possibilidade de realizar essa mudança em cartórios só se tornou viável em 2022. Antes disso, era necessário recorrer ao procedimento judicial, sendo que o cartório cumpria a mudança através de mandados vindos desse procedimento.

De acordo com Gerson Tadeu Astolfi Vivan, registrador do Cartório de Bento Gonçalves, o processo de troca de nome civil pode ocorrer por diversos motivos. Um exemplo comum é a inclusão de sobrenomes antigos, especialmente em casos de famílias que acreditavam que o nome da linhagem desapareceria por conta de gerações de descendentes mulheres. “Hoje, você vem ao cartório e, comprovando a ascendência com a pessoa cujo sobrenome deseja adotar, pode integrar esse nome ao seu. Isso não vale apenas para os sobrenomes dos pais, mas também para os avós, permitindo que sobrenomes antigos sejam recuperados”, explica.

O cartório também lida com mudanças relacionadas ao nome de casados e viúvos. Pessoas que adotaram o sobrenome do cônjuge ao casar podem decidir removê-lo após o divórcio ou viuvez, ou mesmo optar por adicionar o sobrenome após o casamento, se não o fizeram anteriormente. Em casos de adoção, tanto o nome dos pais quanto dos avós pode ser alterado, abrangendo o nome civil de forma mais ampla.

Impacto das mudanças no nome para pessoas trans

O presidente da Bento Pride, Douglas Trindade, observa que, apesar da facilidade proporcionada pelas novas leis, ainda há falta de conhecimento da população sobre o direito à troca de nome civil. “Esse avanço é uma vitória importante para pessoas transgênero e travestis, além de outras identidades de gênero não-binárias. O nome social permite que elas sejam reconhecidas pelo nome com o qual se identificam e que utilizam em seu cotidiano, tanto no exercício de seus direitos quanto no cumprimento de suas obrigações”, afirma.

Para Guilherme dos Santos da Rosa, que recentemente passou pelo processo de troca de nome, a mudança foi um marco em sua transição de gênero. “A importância do nome é muito grande, especialmente quando você tem uma aparência masculina, como no meu caso, e o nome não condiz com isso. A troca de nome foi um dos maiores passos para me sentir mais confiante”, compartilha. Ele destaca que, embora o processo em si tenha sido simplificado, ainda há desafios, como a atualização de todos os documentos após a mudança.

Custo, documentação e requisitos

Segundo Vivan, para realizar a troca de nome civil, é necessário apresentar documentos como certidão de nascimento e comprovante de residência. O custo varia de acordo com o estado, e em Bento Gonçalves, o procedimento envolve taxas administrativas padrão. O tempo para efetivação da mudança varia, mas geralmente o processo é concluído em poucos dias.

O registrador enfatiza que o Cartório busca garantir a privacidade e a confidencialidade dos dados, especialmente em casos de mudança de nome, devido à sensibilidade do tema.

Sobre os requisitos, Vivan destaca que é necessário ser maior de 18 anos e ter a convicção de que queira fazer a troca, pois em cartório só é possível mudar uma única vez. “A gente faz uma entrevista para esclarecer, juridicamente, qual é o impacto dessa mudança, como a renovação de todos os documentos oficiais. Além disso, se a pessoa quiser voltar atrás, ela vai ter que fazer isso judicialmente. Por isso, é importante esclarecer as pessoas quais as repercussões dessa decisão”, frisa.

Um direito ampliado, mas ainda pouco conhecido

Embora o processo tenha se tornado mais acessível, muitas pessoas ainda não estão plenamente cientes de seus direitos. O cartório de Bento Gonçalves, juntamente com organizações como a Bento Pride, tem trabalhado para divulgar informações e conscientizar a população sobre os novos procedimentos.

Para Vivan, o impacto social das trocas de nome civil é significativo. “Percebemos que essa mudança reflete um avanço importante no reconhecimento das identidades das pessoas. A troca de nome permite que elas se sintam representadas e respeitadas, e isso, sem dúvida, impacta positivamente suas vidas. As pessoas vivem mais tranquilas, porque não vão ter a situação de um nome que não condiz com a sua exteriorização. Se essa troca não fosse possível, poderia causar constrangimentos e eventualmente estas pessoas ficariam mais restritas, mais resguardados em casa por essa razão”, indica. E complementa. “Para nós também facilita, porque vai representar exatamente o que essa pessoa é”, finaliza.

No infográfico abaixo, você pode conferir os números de trocas de nome civil realizados por pessoas trans em Bento Gonçalves.