Localidade faz parte do roteiro turístico de Bento Gonçalves, que iniciou ainda na década de 90. Hoje em dia, segundo comerciantes, milhares de pessoas de todo o país visitam a rota e o local tem como prioridade manter as características de seus descendentes

Caminhos de Pedra fica em direção a Pinto Bandeira, passando pelo bairro Barracão. O local é demarcado com uma entrada feita em pedras, carregando o nome do lugar. São, em média, 12 quilômetros de extensão, com mais de 25 pontos de visitação. A ideia do lugar é que ele remeta aos imigrantes que chegaram ainda no último século, e construíram suas casas com pedras. Atualmente, a localidade é considerada um patrimônio histórico.

Casa da Memória Merlin

Em busca de manter as raízes tradicionais, o local conta com um ponto de visitação que traz a história de uma família que veio ainda no ano de 1880. A casa onde funciona o museu, foi erguida em 1884 e seus construtores passaram quatro anos morando em barracos. Em 2011, os herdeiros do casarão não residiam mais lá e a Associação Caminhos de Pedra tinha o desejo de utilizar aquele espaço para que fosse um patrimônio cultural. A família aceitou e propôs que se tornasse um museu, onde contasse a história de seus descendentes. Então, a visitação se inicia pelo primeira peça construída. “Por um tempo eles comeram, dormiram e acomodaram os animais neste espaço para manter a temperatura e para eles não morrerem de frio. A casa, em 2014, passou por um restauro para poder liberar a visitação de turistas, mas tudo o que foi possível manter foi mantido. O chão deste primeiro piso teve que ser todo modificado, isso porque era feito tudo de chão batido”, explica Paola da Silva, recepcionista do local e responsável pelo passeio guiado.

A casa, que é toda construída de pedras, por não haver cimento na época, como alternativa, eles realizavam uma mistura que agia da mesma forma. “Eles assentavam as pedras com uma mistura de capim, fezes de animais, barro, água e cinzas. Então na maior parte da estrutura permanece essa mistura original. Na década de 60 a casa foi inteiramente rebocada por dentro e por fora, porque para eles a residência feita de pedra era sinônimo de pobreza. Mas um tempo depois, o neto do dono da casa retirou todo o reboco para manter a originalidade”, conta.

A história por trás da família de imigrantes representa a força do amor. “Eles fugiram da Itália, porque os pais de Lúcia não aceitavam seu casamento com Pietro. Ela era de uma família rica e nobre, já ele era pobre e exercia a função de pedreiro, e vieram viver seu amor no Brasil”, revela.
Atualmente, a casa fomenta eventos que trazem a cultura local para os moradores e para os visitantes que têm curiosidade em conhecer um pouquinho da história desses imigrantes e de tudo que os permeia. “Promovemos ensaios dos grupos culturais, a dança juvenil Caminhos de Pedra, a banda musical São Pedro e o coro musical da Família Cantelli, além das apresentações”, aponta Taina De Bona, assistente administrativa da Casa Merlin.

A assistente administrativa Taina De Bona e a recepcionista Paola Machado, em frente à Casa da Memória Merlin


Pensando em manter as raízes, uma preocupação de muitos moradores era a perda do Talian, uma variante do idioma falado no Vêneto, muito utilizado pelos imigrantes italianos que vieram para o Brasil, e começaram a oferecer cursos da língua no local. “O curso tem um custo de R$100 para manter a professora, que é especializada no Talian. Os frequentadores do curso são da própria comunidade e também alguns da cidade que têm vontade de aprender”, traz.

Turismo consciente

A ideia de tornar os Caminhos de Pedra uma rota turística, surgiu ainda na década de 90, quando foi fundada a Associação Caminhos de Pedra com ajuda da assessoria do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). O projeto era ambicioso, já que o conceito não era só fomentar o turismo, mas sim resgatar todo o patrimônio cultural, como a arquitetura, a língua, a cultura e o folclore. E assim, se iniciou o Caminhos de Pedra.

Maristela Lerin esteve neste começo, já foi presidente da Associação e é proprietária da Casa do Tomate, um dos atrativos diferenciados que é possível encontrar na localidade. “A nossa história é bonita e desafiadora. Quando surgiu o propósito de iniciar o roteiro, foi feito um levantamento de todo o trabalho que os italianos faziam. E perguntaram aos futuros empreendedores: ‘o que vocês mais gostam além da profissão que exercem hoje?’ e eu respondi que gostava de plantar tomates. Assim surgiu a Casa do Tomate. A nossa construção foi feita em 2000 e abrimos apenas em 2005, então olha só a caminhada”, explica.

E traz como se deu o sucesso desta rota que, atualmente, é visitada por pessoas de todo o país. “Nós nunca tivemos uma ideia individual, não era só o nosso empreendimento, não era só a Casa do Tomate, era um grupo. Nós éramos pouquíssimos empreendedores, quanto mais tivessem, mais força o nosso roteiro teria. O grupo precisa da gente e nós dele, e precisamos de um trabalho sério para que os visitantes possam ver o este diferencial”, destaca.

Maristela Lerin, proprietária da Casa do Tomate, é uma das defensoras em manter a tradição do Caminhos de Pedra

Por já ter sido presidente da Associação, Maristela pensa muito no futuro da localidade, que completou 30 anos. “O Caminhos de Pedra se tornou a galinha dos ovos de ouro, e ele demonstra que podemos trabalhar com o patrimônio histórico cultural sem destruí-lo. A história tem que ser repassada para a frente, então existe esta preocupação. Fizemos essa caminhada, chegamos aos 30 anos e agora pensamos no futuro. Durante a minha gestão, como presidente da Associação, construímos um plano pensando no que queremos para a nossa localidade. Ele foi entregue para a prefeitura, Ipurb e para a câmara de vereadores, porque não podemos ignorar a especulação imobiliária”, finaliza.

Desde o início

Há sim empreendimentos novos na região, mas muitos deles estão lá desde que estavam iniciando a ideia. A Casa da Pincelagem é um destes lugares. Justina Foresti nasceu no Caminhos de Pedra e viu o roteiro se transformando no que é hoje. “Quando iniciou o projeto do roteiro, me interessei por essa parte dos fios e do tear. Fiz cursos e abri meu estabelecimento e isso faz 26 anos”, relembra.
E ela conta que antes de iniciar a rota, a localidade passava por um momento muito difícil. “Era um momento muito ruim para nós, não tinha nada aqui, os moradores estavam indo embora, porque não tinha opção. Estavam todos indo para a cidade e aqui estava sendo abandonado”, salienta.
A moradora lembra que no início, ninguém sabia como seria, já que a maioria ali nunca antes havia trabalhado com turismo. “Os moradores começaram a se engajar e ver o movimento, mas no começo ninguém tratava como prioridade, era uma alternativa. Eu mesma não imaginava que seria esse sucesso todo, mas é bonito porque trabalhamos com a cultura também. E até mesmo para nós moradores, porque a nossa essência ia se perder, e agora conseguimos mantê-la”, exalta.

“Estamos com boas expectativas”

no local, e moradores antigos, vendo o sucesso que tem sido com os estabelecimentos presentes, vão se motivando a criarem os seus próprios. Esse é o caso de Roberto Kavallét e sua esposa e sócia Cristiane Martins. Os dois observaram o mercado e sentiram falta de uma cervejaria no local. Kavallét, que já tinha um curso de cervejaria, pensou que seria um bom negócio e assim surgiu o Bznjabier. “Sempre morei aqui no Caminhos de Pedra, e a propriedade onde montamos a cervejaria é herança dos meus bisavós. As terras aqui foram compradas a troco de trigo e as plantações na época. Fiz um curso de cervejaria, sem propósito de empreender, comecei a fazer umas cervejas e botamos a ideia na cabeça. Na época que começamos a produzir não tinha este ramo aqui. A princípio é o turismo, mas estamos abertos a todo o público”, relata.

Levou-se algum tempo até que o projeto de fato saísse do papel, já que não somente é preciso fazer toda a produção, como também montar todo o lugar. “As nossas expectativas são altas, mas sabemos que no inverno a cerveja não é a bebida mais consumida, e faz apenas dois meses que abrimos. Nosso público maior é de amigos e pessoas que conheceram através deles, mas já recebemos turistas”, e complementa que quando iniciar o verão, acredita que o movimento irá melhorar bastante.
Mas ele enxerga os pontos positivos de ter aberto em uma época onde o movimento é mais tranquilo. “Pelo negócio em si, aprender a lidar a servir, atender o público, o número de funcionários, foi bom ter aberto em um momento onde podemos atender menos pessoas. É o nosso primeiro negócio, então ainda estamos aprendendo e temos esse tempo para aprender”, esclarece.

Moradores gostam do turismo

Jussara da Silveira e a filha Bárbara moram, há pouco tempo, no Caminhos de Pedra, mas já gostam muito da localidade

Jussara de Silveira é agricultora e mora há pouco tempo no Caminhos de Pedra junto da filha de nove anos Rebeca Silveira. “Vim de Antônio Prado e meu marido é daqui ele tinha o pai dele que precisava de cuidados, então me mudei para cuidar do nono, e porque sempre me encantei pela localidade”, explica.
Algo que ela nota é o movimento muito forte, principalmente no final de semana e feriado. “É muito divertido, visitamos a casa de chocolate, a sorveteria, então é bom, acabo gostando muito de poder vivenciar tudo isso de pertinho. Acredito só que falte uma ciclovia, ou um local que de para caminhar e acaba sendo perigoso por causa dos carros. Minha filha por exemplo não pode andar de bicicleta comigo pela manhã”, expõe.
Solange Aparecida tem uma história parecida com a de Jussara, ela não é nascida na localidade, mas se mudou para lá com a família. “Faz 12 anos que moramos aqui, meu marido veio trabalhar numa cantina aqui e após seis meses vim com os filhos para cá. Indico muito as pessoas morarem aqui, tanto que viemos pagando aluguel, e atualmente temos a nossa casa própria. Inclusive os preços já eram altos, e hoje em dia é ainda mais, vejo as pessoas comentarem em valores de terreno e são bem caros” e complementa que também é difícil achar locais para comprar, já que muitos moradores não tem interesse em vender.

Jovens têm permanecido

Susana e Samara são filhas de Vilma Strapazzon, as duas trabalham com agricultura junto da mãe e cursam faculdade na cidade, uma de Engenharia Ambiental e a outra de Agronomia. As três trabalham com horti e com parreiras. “A gente produz alface, rúcula, tempero verde e uva. Acreditamos que seja bom porque senão ganhamos com um, tiramos com o outro. Além de que as verduras tem vários ciclos, em um ano é possível fazer até seis colhidas, diferente da uva que é só uma vez por ano”, explica.
Vilma, que desde sempre trabalhou com agricultura, fica feliz em ver as filhas seguindo o mesmo caminho. “É uma atividade que gosto, é um trabalho leve, fazemos as mudas, cuidamos das plantas uma por uma, semeia, dá para fazer numa boa. Comecei, assim como as gurias, com a minha família, eu e meus irmãos”, relata.

As meninas não falam em ir embora, e tem muito orgulho do lugar de onde vieram e cresceram. “É muito bom, é próximo da cidade, temos tudo próximo. Os pontos turísticos acabam sendo nossos clientes, e os turistas adoram ver as plantações e nós temos muito orgulho por viver aqui e por toda a história que temos. Então ficamos felizes em ter um turismo não só voltando ao comercial, mas sim um que valoriza a nossa história”, valoriza Susana.
Solange Aparecida também fica feliz ao ver a juventude querer ficar no local, muito pela tranquilidade e segurança que se tem por lá. “Pelo que a gente vê os jovens querem permanecer. Comparando a outros interiores que os jovens não ficam, acabo vendo pelos meus filhos e seus amigos, ninguém pensa em ir embora”, conclui.

O passar dos anos

Oito décadas vividas, Jandir Cantelli pôde observar, ao longo dos anos, o crescimento do Caminhos de Pedra

Quem conhece a localidade hoje em dia, não imagina que antes do turismo a realidade era outra. Jandir Cantelli tem 80 anos, nasceu e vive até hoje no Caminhos de Pedra, e viu toda a mudança que ocorreu no local ao longo das décadas. “Era só transporte de carga que passava aqui na estrada, mal existiam autos na época, era tudo através de reboque, porque essa era a única estrada que ligava até Porto Alegre, e esse era o único movimento que víamos”, relembra.
E no período em que a rodovia 170 foi criada, Caminhos de Pedra ficou para trás. “Ninguém mais passava aqui, porque Bento Gonçalves era para lá, aqui ficou parado e morto”, resume.
E lembra que por muitos anos, o pensamento não era o mesmo que hoje em dia, e que muitos na região não davam valor para o que se tinha. “Por muitos anos a mentalidade foi diferente, acreditavam que para desenvolver tinha que ser feito tudo novo, o velho que fosse destruído, e com o passar dos anos e do começo do turismo, viram que era necessário restaurar, mas é de se lamentar em pensar em tudo que foi destruído”, considera.

E com muito carinho pela sua terra, pensa que o futuro do lugar será resguardado por aqueles que compartilham este amor. “Tem um futuro bom aqui, cada vez aumenta mais. E o povo acredita muito nos caminhos de Pedra, fora que a associação tem todo um cuidado com que temos agora para que a nossa cultura e a nossa tradição permaneçam”, finaliza.

Vera Forest junto da sua ovelha Belinha que, ao nascer prematura, necessitou de cuidados para sobreviver

Cuidado que virou amor

Vera Foresti é residente da localidade desde que nasceu e há oito anos começou a criação de ovelhas. Entretanto, neste último ano, algo peculiar ocorreu. “Nunca antes havia acontecido de nascer uma ovelha tão pequena. Acho que ela veio assim para eu cuidar dela, nem imaginava que ela sobreviveria”, lembra.
Belinha é uma ovelha prematura, e Vera foi cuidando dia após dia do pequeno animal, que virou um grande companheiro. “Enquanto ela é pequena, passeio com ela, dou banho, cuido como se fosse um bebê, quando ainda era muito pequena, tomava leite na mamadeira e vitaminas para se fortalecer, ela me segue por tudo, aponta.