Tudo bem, amo minha cachorrinha como a mim mesma. Mas nossas manias chegaram a um ponto em que a escolha foi inevitável: ou “ela” ou “eu”, porque juntas, nem um estudioso da alma poderia resolver.
Pois é! Esta senhorinha de seus oitenta e poucos anos em termos humanos, ficou obsessiva compulsiva. Acho que foi depois da surdez. Ela dorme de dia, e quando a noite chega, arregala os olhinhos e late. De dentro do guarda-roupa, que ela invadiu na surdina, igual a um sem-teto.
É lógico que tentei a reintegração de posse – sem acionar a Justiça, até porque Dona Justa está cada vez mais numa saia justa. Mas ela me confrontou e fez uma barricada… Na verdade, foi uma barrigada mesmo. Postou-se em frente e me enviou um olhar cheio de significado. Alguém com um pingo de sensibilidade pode resistir?
O ritual noturno inicia às onze em ponto, quando ela intui que é hora de ir para cama. Ao apagar a luz, ela começa a choramingar, pois não quer me perder de vista. Se finjo não ouvir, ela dá meio latido mas com toda a força de seus pulmões. Com o susto, acendo a luz e ponho o tapa olho de pelúcia em forma de ovelha, que a netinha esqueceu aqui, após a noite do pijama.
E então, depois do click, tudo resolvido? De jeito maneira. Aí ela passa a morder as próprias patas, fazendo um barulho tipo “nhac-nhac”, que me deixa maluca.
Ligo o ventilador de teto. Para baixo, se o calor é intenso; para cima, se está fresquinho. Regulo a velocidade para que não pareça a decolagem de um avião, nem lembre o ronronar de um gato. Tem que fazer aquele irritante “tec-tec” para abafar o aflitivo “nhac-nhac”.
Mas já não resolve. Acontece que também desenvolvi algumas bizarrices, tipo identificar o ruído de lagarto rastejando ou de raposa devorando os figos, no terreno ao lado.
Lá pelas quatro da madruga, levanto e, feito zumbi, procuro alguma coisa que possa resolver nossos problemas.
Decido por remédio. Pra ela, doze gotas de dipirona, já que a metade se perde no focinho. Pra mim, algo com sabor mais agradável e algumas calorias. E tudo se resolve… às sete da manhã, quando a claridade do dia transmite alguma paz para a baixinha.
Esta rotina dos últimos tempos é que me obrigou a tomar uma atitude radical. Uma de nós precisava ser internada.
Pensei em mim, que tenho plano de saúde, mas como ainda não mordo meus pés – e nunca vou morder, que a distância entre a boca e os membros inferiores está aumentando consideravelmente – foi ela.
Não consegui “petsiquiatra” para uma terapia de choque, mas a veterinária me garantiu que o problema da paciente é mais físico do que mental. Mesmo assim, não dispensou uma versão canina de antidepressivo para minimizar a ansiedade. Será que ela projeta em mim ou eu projeto nela esse desassossego?
Hoje ela volta para casa. Estou redefinindo e redecorando o seu espaço, para que ela não invada o meu. E que o senhor Prozac nos ajude.