Preservação da cultura e arquitetura italiana atrai milhares de turistas à Serra Gaúcha, impulsionando o desenvolvimento sustentável de Bento Gonçalves, e uma das figuras mais importantes no meio, é o atual presidente da associação
O Caminhos de Pedra é um dos roteiros turísticos mais emblemáticos de Bento Gonçalves, situado na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Este roteiro é uma verdadeira viagem no tempo, oferecendo uma imersão na história e na cultura dos imigrantes italianos que colonizaram a região a partir do final do século 19. O projeto visa preservar a herança cultural, arquitetônica e histórica desses imigrantes, mantendo vivas as tradições que moldaram a identidade local.
Idealizado na década de 1980 e formalizado em 1992, o roteiro Caminhos de Pedra abrange cerca de 12 km e conta com diversas construções históricas, como casas de pedra, ferrarias, moinhos, entre outras estruturas que datam da época da imigração. O objetivo principal do projeto, sempre foi valorizar e resgatar a autenticidade da cultura italiana, destacando a arquitetura, a gastronomia, as profissões e os costumes dos colonizadores.
As casas de pedra, algumas com até quatro andares, são um dos grandes atrativos do roteiro. Essas construções, típicas da região de Belluno, no Vêneto, Itália, são praticamente idênticas às que encontramos em sua terra de origem. Em 2009, o Caminhos de Pedra foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul, um marco importante para a preservação desse legado histórico e cultural.
O projeto é mantido por uma associação de moradores e empresários locais, que se dedicam à preservação das construções históricas e à promoção do turismo sustentável. Atualmente, o roteiro é um dos principais destinos turísticos da região, atraindo milhares de visitantes todos os anos, interessados em conhecer a rica história da imigração italiana e desfrutar das paisagens pitorescas da Serra Gaúcha.
O início de uma trajetória
Tarcísio Michelon, sócio fundador e atual presidente da Associação Caminhos de Pedra, é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do turismo em Bento Gonçalves. Nascido em 17 de julho de 1949, no Hotel Bela Vista, pertencente a seus pais, Antônio Michelon e Josefina Cassol Michelon, Tarcísio compartilha sua trajetória e sua visão sobre o turismo na região. “Agora, estou completando 75 anos. Voltei para Bento em 1980, com o objetivo de reativar o turismo, que havia sido perdido ao longo dos anos”, relata Tarcísio. Formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele trabalhou por 10 anos na multinacional Coenza, fabricante de turbinas, geradores e centrais termelétricas, antes de retornar à sua cidade natal. “Naquela época, falar de turismo era motivo de deboche. Hoje em dia, é sinônimo de status”, comenta ele, lembrando que a cidade havia perdido boa parte de sua atividade turística, com 20 hotéis em decadência.
Michelon ressalta que Bento Gonçalves já foi um importante polo turístico no Rio Grande do Sul nas décadas de 1930, 40 e 50, quando veranear na Serra era moda. No entanto, com o crescimento da indústria automobilística e a construção da Freeway nos anos 1960, o turismo de praia ganhou força, e a serra perdeu prestígio. “Quando voltei, em 1980, começamos a reativar o turismo. Naquela época, tínhamos apenas oito vinícolas. Hoje, são 92 vinícolas na região”, destaca ele, frisando o crescimento impressionante do setor. “Bento Gonçalves tinha três hotéis, agora, temos 52”, pontua.
A conexão com o passado italiano é, segundo Tarcísio, um dos grandes motores do desenvolvimento turístico da região. Ele relembra que a autenticidade da cultura italiana sempre foi o que mais encantou os turistas. “Minha mãe, Josefina, dizia que o que mais atraía os turistas antigamente era a autenticidade da nossa cultura. Isso é algo que continua a chamar as pessoas”, comenta.
Ao falar sobre o Caminhos de Pedra, Tarcísio enaltece a beleza arquitetônica e histórica das construções dos imigrantes italianos. “Nos Caminhos de Pedra, existe uma arquitetura popular belíssima, com casas de pedra de até quatro andares, construídas pelos imigrantes de Belluno. Esse tipo de construção é única no Brasil, e saber que temos essa riqueza arquitetônica nos dá muito orgulho”, reflete.
Michelon também destaca o papel da Associação Caminhos de Pedra na preservação do legado italiano. “O maior desafio foi convencer as pessoas a abraçar o turismo como uma oportunidade de desenvolvimento”, afirma. Segundo ele, a associação sempre trabalhou em parceria com o poder público e a iniciativa privada, sendo crucial para o sucesso do projeto.
Além do turismo enológico, outro projeto de destaque é a Casa da Ovelha, que se tornou uma importante atração local. “A Casa da Ovelha, com quase mil ovelhas da raça Lacaune de Roquefort, da França, valoriza uma tradição regional que não tinha o reconhecimento devido”, comenta ele, ressaltando a importância da diversificação das atrações turísticas.
O legado da imigração italiana e os desafios atuais
Michelon vê o legado da imigração italiana como algo internacional. “Antes dos Caminhos de Pedra, muitas pessoas sentiam vergonha da nossa história. No entanto, com o tempo e com a preservação das casas de pedra, das ferrarias e de outros aspectos culturais, esse sentimento mudou”, reflete. Hoje, a preservação das tradições italianas é motivo de orgulho para os moradores e atração para turistas do Brasil e do exterior.
Ao discutir o impacto da pandemia e das recentes enchentes sobre o turismo local, Michelon ressalta que o Caminhos de Pedra enfrentou desafios, mas conseguiu se manter. “Nas enchentes, realmente o público não conseguiu chegar até aqui. Mas, para as pessoas da cidade, nós adotamos estratégias que mantivessem o fluxo de visitantes. Tivemos que pagar um preço mais caro, mas, comparado com as dificuldades enfrentadas pelos nossos imigrantes desde 1875, encontramos forças para superar os problemas”, comenta com otimismo. Ele aponta que 83% dos turistas que visitam a região são gaúchos, e o apoio desses turistas locais foi fundamental para a sobrevivência do setor durante momentos difíceis.
A preservação da identidade cultural da região é um dos pilares do trabalho da Associação Caminhos de Pedra. Segundo Michelon, a autenticidade é um dos principais atrativos para os turistas, especialmente os jovens. “Os jovens têm preferido os Caminhos de Pedra, e acredito que isso está ligado à nossa cultura”, observa.
O envolvimento da comunidade e o futuro do roteiro
Michelon também destaca o papel fundamental da comunidade local na preservação e no desenvolvimento do Caminhos de Pedra. “No início, a população local era considerada uma das mais decadentes do município. Contudo, a falta de recursos ajudou a preservar a cultura”, comenta. Hoje, a comunidade vê a preservação do patrimônio como uma forma de atrair mais turistas e gerar desenvolvimento.
O envolvimento dos jovens na continuidade dos negócios familiares é outra preocupação de Michelon. “Temos exemplos de sucesso, como a Casa da Erva Mate, que pertence a uma jovem mãe que conseguiu construir sua casa sem sair de São Pedro”, conta. Para ele, é fundamental que os jovens vejam no turismo e na preservação cultural uma oportunidade de prosperar sem precisar deixar a região.
Ao falar sobre o futuro da Associação e do Caminhos de Pedra, ele é otimista. “Temos muitos projetos, talvez uns 50 ou 60. Desde a criação de uma ciclovia em São Pedro até a implementação de um Museu de Cerâmica, que seria incrível para a região”, revela.
Para Michelon, o sucesso do roteiro depende da continuidade do trabalho em equipe e da preservação das tradições locais. “Temos 44 anos de história no turismo de Bento Gonçalves, e o importante não é só o que penso, mas o que todos nós podemos fazer juntos”, conclui, reafirmando seu compromisso com a preservação do legado da imigração italiana e o desenvolvimento sustentável do turismo na região.
O Caminhos de Pedra é um exemplo de como a valorização da história e das tradições pode ser um motor de desenvolvimento econômico e social, trazendo benefícios para a comunidade e mantendo vivo o legado dos imigrantes italianos que ajudaram a construir a Serra Gaúcha.
Planos para o futuro
Além dos projetos já realizados no Caminhos de Pedra, Michelon apresentou com exclusividade ao Semanário uma série de novas iniciativas para impulsionar ainda mais o turismo na região. Entre elas, está a transformação do Pavilhão e do Centro de Eventos da Fundaparque, com capacidade para quatro mil pessoas, totalmente climatizado e adequado para uso em todas as estações do ano.
Outro projeto de destaque é a criação de ciclovias utilizando a antiga via férrea que liga Bento Gonçalves a Jaboticaba, um percurso total de 49 km. A ciclovia será dividida em dois trechos: um de 9 km entre Bento Gonçalves e São Valentim, chamado de Ciclovia do Trabalhador, e outro de 40 km até Jaboticaba, oferecendo um passeio pitoresco pelo Vale do Rio das Antas. O acesso será livre para quem já possui bicicletas, mas haverá um sistema pago para locação de bicicletas no local.
Michelon também propõe uma lei municipal que incentive a instalação de esculturas em frente a novos estabelecimentos comerciais com mais de 1.500 m², valorizando a arte e a cultura local. Em paralelo, há planos para a construção de um ateliê de cerâmica no Parque Internacional de Esculturas em Pedra, dentro do Caminhos de Pedra, além da implementação de um trem histórico restaurado, de 1951, que levará os visitantes para conhecer as esculturas do parque.
Entre os projetos educacionais, destaca-se a criação do Jardim Burati, uma escola voltada para o estudo e visitação da Mata Atlântica, com foco no turismo estudantil. O espaço de 20 hectares, pertencente à prefeitura, será destinado à Associação Caminhos de Pedra para esse fim.
Por fim, ele planeja a primeira etapa do Projeto Rio Grande em Miniatura, que apresentará aos visitantes as principais características geográficas do estado, como rios, montanhas, estradas e ferrovias, além da realização do 6º Simpósio Internacional de Esculturas, consolidando a região como um centro cultural e turístico de grande relevância.