A pandemia trouxe significativas mudanças para a educação e grandes reflexos para o Ensino Superior, especificamente. O ensino à distância tomou grandes proporções, forçando universidades a buscarem alternativas para manterem vivos seus imensos campus e suas relações comunitárias
Com uma história de mais de 50 anos, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) é reconhecida por um dos seus slogans: “Pés na Região e olhos no mundo”. Uma Universidade consolidada, que se expandiu à medida em que a Serra Gaúcha foi crescendo e carecendo de mão-de-obra qualificada, principalmente nas áreas das ciências exatas, humanas e da saúde. Há 31 anos, uma parceria com a Fundação Educacional da Região dos Vinhedos (Fervi) trouxe a Bento Gonçalves um campus amplo, moderno, com excelentes laboratórios, o que atraiu os olhares da classe empresarial e da comunidade interessada em obter uma certificação no Ensino Superior. Hoje o Campus Bento da UCS tem como sub-reitor o professor bento-gonçalvense Fabiano Larentis, que em entrevista ao Jornal Semanário fala sobre as mudanças no ensino, especialmente durante e após a pandemia da covid-19, os desafios, a parceria com a Fervi, entre outros assuntos.
Reflexos pós-pandemia
O ensino superior brasileiro cresceu 8,3% de 2017 a 2021 em número de matriculados, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Em 2017, as matrículas dos cursos presenciais representavam 79% do total. Em 2021, último dado disponível, a participação dos cursos presenciais estava em 59%. As matrículas nos cursos presenciais nesse período caíram 20%, principalmente após a pandemia. As matrículas no EaD, por sua vez, cresceram 111%. Não há dúvida que esse mercado em crescimento foi encarado como oportunidade para muitos negócios, tanto que atuamos na região nessa modalidade com nossa marca através de parceria. A líder no mercado brasileiro, Cogna, detentora de marcas como Anhanguera, Pitágoras e Unopar, é um dos principais players de educação no mundo, com quase 900 mil alunos na graduação. A grande questão é que muitas dessas instituições que cresceram fortemente com o EaD enxergam o negócio a curto, no máximo a médio prazo, ou seja, não dando a devida atenção de como isso interferirá nos profissionais do futuro, e sem se interessar por fincar raízes em suas regiões de atuação.
Nós temos os pés na região, nossos professores e funcionários consomem aqui, fazem a economia girar. Nossas pesquisas são focadas na região. A comunidade sabe de quem cobrar e com quem conversar. Somos na universidade 750 professores e mais de 900 funcionários. No campus, atuam em torno de 200 professores e de 50 funcionários. É um grande desafio lidar com tudo isso, mas nós, como universidade comprometida com a região, temos clareza do nosso propósito e da nossa missão, a promoção da formação integral das pessoas, por meio da produção do conhecimento, para o desenvolvimento sustentável. Passa por isso a inovação nos currículos, a consideração a novos formatos de cursos e a ampliação de receitas em outras fontes, como pesquisa e tecnologia.
Atração de novos alunos
A UCS entende, reconhece e valoriza o papel estratégico do Carvi para Bento Gonçalves e região. Podemos ser considerados hub de ensino superior numa região que vai de Salvador do Sul a Nova Araçá, ou seja, uma distância de 123 km para uma população que ultrapassa os 300 mil habitantes. Atualmente, 54% dos nossos alunos residem em Bento Gonçalves. Esse percentual é de 46% quando consideramos a área dos cursos da saúde, 48% de humanidades e 51% das exatas e engenharias, cujos investimentos em laboratórios são maiores e há peculiaridades quanto aos campos de estágio. A atração de novos alunos se dará na intensificação na oferta de novos cursos, principalmente os associados à saúde e à tecnologia da informação e automação, assim como a atenção a novas configurações da relação ensino-aprendizagem, que contempla o hibridismo.
Novos cursos e doutorado
Hoje, no campus, temos em oferta não somente os atuais 25 cursos de graduação, em todas as áreas de conhecimento, incluindo os recém-lançados Enfermagem, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Engenharia de Computação, Gestão de Cooperativas e Gestão de Turismo. Para o próximo ano lançaremos Biomedicina, Engenharia de Software, Engenharia de Controle e Automação e Gestão da Produção Industrial. Estamos também pleiteando o curso de Medicina. Ampliamos as atividades do UCS Senior. Também intensificaremos a diversificação de ofertas na pós-graduação, tanto nas especializações/MBAs como nos mestrados e doutorados. Neste ano, por exemplo, iniciamos a primeira turma de Doutorado no campus, na área de Direito. Tudo isso é possível porque nossa universidade possui 18 mestrados, incluindo o de Computação Aplicada, recentemente aprovado, e 10 doutorados, em 18 programas de pós-graduação.
É essa nossa força que permite o avanço na pesquisa e na inovação, cujo exemplo mais emblemático é o grafeno. Nesse sentido, também serão intensificadas as ações de inovação no campus com o braço do TecnoUCS aqui, contribuindo com o fortalecimento do ecossistema de inovação de Bento Gonçalves, liderado pelo InovaBento, do qual fazemos parte do comitê gestor como ICT. Já tivemos neste ano 14 projetos inseridos no Programa Startucs, que tem como intuito fomentar novos negócios e inovações. Esse também será o mote para atrair mais alunos, a possibilidade de terminar um curso de graduação com um novo negócio, alicerçado a partir do suporte da universidade. Destaco também a parceria que temos com o município através das atividades da Escola de Turno Integral São Roque em nossas dependências.
A relação com a Fervi
Quando foi firmado o Comodato, em 1992, o objetivo da UCS e da Fervi era o fortalecimento da educação em Bento Gonçalves e região, o que vem sendo feito nesses últimos 30 anos, tanto nas gestões da Fervi quanto da FUCS. Temos intensificado e qualificado o relacionamento entre FUCS e Fervi, tanto que já iniciamos as tratativas para um novo comodato, já que o atual se encerra em 2027. O atual reitor, Gelson Leonardo Rech, veio a Bento Gonçalves diversas vezes desde sua posse em maio de 2022, manifestando o claro interesse na renovação do comodato, a importância regional de Bento Gonçalves e a história de destaque da Fervi. Recentemente, o presidente da FUCS, Dom José Gislon, esteve em reunião com a Fervi no campus, onde enalteceu a parceria de 31 anos FUCS e Fervi e ressaltou o interesse em renovar o comodato em prol do conhecimento como protagonista do desenvolvimento. Percebo uma reação muito positiva dos membros da Fervi em relação ao nosso propósito de renovação, visto o que foi feito e o que será feito pela região a partir dessa frutífera parceria. Só para citar o número de graduados, em 1993 a Fervi tinha diplomado pouco mais de dois mil profissionais. Com a UCS, até o momento foram incluídos a esse cômputo 10.800 diplomados, sem contar os mais de mil egressos em cursos de pós-graduação
Participação no Conselho Diretivo da UCS
A Fervi tem manifestado interesse em fazer parte desse Conselho. Eu entendo que faz todo o sentido termos, como município de referência da região, a Fervi ocupando uma cadeira no Conselho Diretivo da UCS. Tal opinião também é compartilhada por outros gestores da UCS, incluindo o nosso Reitor.
Cuidados com Bento Gonçalves
Os pilares da Universidade são o ensino, a pesquisa, a extensão e a inovação. Portanto, atuamos nessas frentes em prol do desenvolvimento da região, considerando as oportunidades e desafios futuros da educação, do mundo do trabalho e do conhecimento. Assim como a ampliação de oferta de cursos de graduação, pós-graduação e extensão no nosso planejamento, conforme comentado anteriormente, está prevista implantação de um braço do TecnoUCS em Bento para atender as demandas de desenvolvimento de tecnologia das empresas e servir de espaço principalmente para o avanço dos negócios dos nossos alunos e egressos. Também queremos qualificar e aproveitar melhor o espaço físico do nosso campus, tanto que até o final do ano estará disponível à população, a partir de parceria com a Prefeitura, uma academia ao ar livre.
Diálogo com a classe empresarial
A partir das orientações do Reitor, desde 2022, dando ênfase ao senso comunitário, uma das primeiras deliberações como sub-reitor foi de intensificar o relacionamento com a comunidade. Até o momento, tomei a iniciativa de visitar praticamente 100 organizações, entre prefeituras, secretarias municipais, colégios, meios de comunicação, empresas e sindicatos na região, não me restringindo a Bento Gonçalves. Essa jornada de fala, mas de também muita escuta, tem sido extremamente interessante, uma fonte de conexões, de muita aprendizagem e de identificação de muitas oportunidades, pelo volume de cursos, pesquisas e serviços que fornecemos e temos condições de fornecer como UCS.
Continuo fazendo essas visitas, pois entendo que é fundamental para fortalecer e ressaltar os laços da Universidade com a comunidade. Isso já resultou na oferta de alguns cursos e de serviços específicos às demandas das empresas, na identificação de melhorias que precisamos focar em nossos produtos e serviços, bem como na percepção da qualidade da nossa presença na região. Tenho também participação ativa no Bento+20 e procuro estar presente nos principais eventos e cerimônias da cidade. Afinal, representatividade não se faz somente em grupos de WhatsApp e em postagens em outras redes sociais.
Parceria com a Prefeitura no Ensino Fundamental – EMTI São Roque
Essa parceria tem deixado muito clara a relevância e o papel da aprendizagem para a toda a vida, o lifelong learning. Estar no espaço universitário não apenas em passeios ou com exercícios físicos no campus nos fins de semana, desde antes de cursar um ensino superior, permite uma noção e uma conscientização do que pode significar um projeto de vida alicerçado na universidade.
Da perspectiva da UCS, ter a EMTI São Roque no campus é permitir, em primeiro lugar, que sejam ocupados espaços de qualidade ociosos, não apenas salas de aula, principalmente a partir do crescimento de outras modalidades de ensino e da própria mudança da concepção dos espaços de formação do ensino superior, bem como da nossa tradicional ociosidade durante o dia. São laboratórios e a biblioteca que os alunos têm acesso, além do Espaço UCSMaker, projeto oriundo dessa parceria com o Município, onde os alunos colocam efetivamente a mão na massa. Em segundo lugar, de proporcionar uma aprendizagem mais rica aos nossos acadêmicos, principalmente os da área das humanidades e da vida, redundando em conhecimentos e experiências mais conectadas à prática e aos problemas da comunidade.
Valorização dos profissionais
Esse é um ponto que exige uma análise especial. A visão de que os profissionais graduados são menos valorizados na comparação com outros níveis de escolaridade não fecha com as estatísticas do trabalho em termos salariais. Cito inicialmente o mais recente estudo da OCDE, Education at a Glance, que informa que o ensino superior permite maior empregabilidade e maiores níveis de renda para os indivíduos, maior produtividade à economia, sem contar os outros benefícios à sociedade. Nos países da OCDE, a educação terciária está a ponto de se tornar o nível mais comum de instrução entre os adultos de 25 a 34 anos, com participação passando de 38% para 47% no período de 2011 a 2021. A título de exemplificação, nesse mesmo período Coreia do Sul passou de 64% para 69%, Japão de 59% para 65%, Estados Unidos de 43% para 51%, França de 43% para 50%, Portugal de 27% para 47%, Chile de 22% para 41%, Alemanha de 28% para 36%, Itália de 21% para 28%, México de 19% para 27% e Índia de 14% para 21%. Brasil passou de 13% para 23%. O estudo destaca que o mercado de trabalho continua absorvendo esse aumento, mesmo em países mais desenvolvidos. Por outro lado, existe a situação de graduados não estarem atuando em sua área de formação. Temos também que considerar o que será o trabalho do futuro e o profissional do futuro.
Há indícios claros que reforçam que o ensino superior garante na média maior salário e maior empregabilidade em relação a outros níveis de escolaridade, ainda que o indivíduo não esteja empregado na sua área de atuação e mesmo que ele não ganhe o que esperaria ganhar. Mesmo sabendo que há o desafio em proporcionar formações mais conectadas à realidade atual e futura do mundo do trabalho, bem como reconhecendo as disparidades em termos de qualidade do ensino quando consideramos determinadas modalidades e determinadas instituições, não podemos utilizar como referência para generalização casos de pessoas que não possuem ensino superior, mas que são claramente pontos muito fora da curva, como Steve Jobs.
Importância da graduação
Por ser administrador que também desempenha o papel de pesquisador em organizações e que compreende a importância da ciência e do conhecimento para o avanço do desenvolvimento em todas suas instâncias, tenho muita tranquilidade em dizer que não seguir uma graduação é escolher por um futuro de menor renda e de menor qualidade de vida, mesmo talvez não atuando na área que se escolheu inicialmente. Carreira não pode ser simplificada a uma escolha que efetuamos em um determinado momento de nossas vidas, não precisa se sentir culpado porque mudou de curso. Mesmo quem opta por um curso técnico pode em um segundo momento seguir uma carreira superior, o que garantirá maiores oportunidades.
O lifelong learning precisa estar associado ao lifewide learning, permitindo que as pessoas tenham amplitude em termos de aprendizagem e conhecimentos, ou seja, que começam a se desenvolver de forma ampla e adotam diversas experiências e perspectivas enquanto progridem, principalmente quando amparadas por instituições que se preocupam com a qualidade e com os desafios da educação.
Fotos: Barbara Salvatti / Exata Comunicação