Advogada explica que isso acontece dentro dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe preocupação para os endividados. Isso porque foi autorizado que inadimplentes, ou seja, pessoas com dívidas em atraso, percam a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), além do passaporte.
A advogada Renata Prina da Silva confirmou a informação. “De fato, o STF definiu ser constitucional o 139, IV do Código de Processo Civil, validando a ação dos juízes em ‘determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.’ Logo, autoriza o juiz a determinar medidas executivas atípicas para garantir o cumprimento da ordem judicial. Por exemplo, a ordem ao pagamento de dívidas”, explica.
Além disso, profissional ressalta que dessa forma, o juiz poderá, a requerimento da parte interessada, em processos executivos, determinar medidas coercitivas que podem englobar vários fatores. “Quando se trata de obrigações de pagar: inscrição do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito, e até mesmo, conforme dispôs o plenário do STF: ‘medidas como a apreensão da CNH e passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso/licitação, são válidas, desde que não afetem direitos fundamentais dos devedores e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”, expõe.
Conforme Renata, isso ocorre porque também rege no ordenamento jurídico o princípio de que se deve resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. “Observando sempre a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicando-a do modo menos gravoso ao devedor/executado. Nesse sentido, a determinação judicial de medidas atípicas, como a apreensão de CNH e passaporte, caracteriza medidas drásticas, que somente terão cabimento em últimas hipóteses, quando já esgotados outros meios de se obter o pagamento da dívida”, destaca.
De acordo com a advogada, em processos executivos de obrigação de pagamento, primeiro se esgotam todas as demais alternativas legais para se localizar bens passíveis de penhora, como valores, títulos, móveis, semoventes, veículos e imóveis, observando-se a ordem prevista no artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC). “Somente depois esgotados todos os meios para se buscar o pagamento, é possível pleitear ao juízo outras a adoção de medidas mais drásticas, objetivando que o devedor seja compelido a pagar”, menciona.
Para ela, cada situação deve ser analisada com muita cautela. “Não se pode ultrapassar a proporcionalidade e razoabilidade, tampouco princípios constitucionais. Por isso, há e ainda haverá resistência por partes dos Juízes em deferi esses pedidos. Não há viabilidade, por exemplo, se apreender a CNH de um devedor cuja profissão é motorista e depende de tal documento para trabalhar e sobreviver. Isso, sem dúvidas, ultrapassaria o razoável e não impulsionaria o adimplemento. Pelo contrário, prejudicaria ainda mais o cidadão, que por não conseguir trabalhar, contrairia mais dívidas. E não é esse o objetivo”, enfatiza.
Da mesma forma, Renata exemplifica que de nada adiantará bloquear CNH de alguém que não tem recursos ou patrimônio para adimplir uma dívida. “Assim, essas medidas mais teriam claro cabimento nos casos de débito alimentar ou ainda, onde o devedor se esquiva maliciosamente do dever de pagamento. Esconde seu patrimônio em nome de terceiros, com o intuito de não honrar com o pagamento e ainda ostenta uma vida amplamente confortável, viajando, passeando, etc”, aponta.
É importante, segundo a advogada, mencionar que tal pedido deve partir da parte interessada, ou seja, o credor, em processo executivo em tramitação. “Até porque somente nessa fase cabem medidas de expropriação de bens”, reitera.
Portanto, para as pessoas que têm dívidas em abertos, não é preciso se desesperar, pois a profissional reitera que a medida não é automática e não se enxaixa em todos os casos. “Não é porque o inadimplente está com o nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito que terá confiscada sua CNH ou passaporte. É preciso seguir uma ordem processual, de penhoras e somente quando esgotadas todas as alternativas sem sucesso, se discute a viabilidade de serem adotadas medidas executivas atípicas, sempre se observando o caso concreto, se tais medidas não irão ultrapassar o princípio da proporcionalidade, razoabilidade e observância aos princípios constitucionais do cidadão”, assegura.
A possibilidade, como salienta Renata, já está em vigor. “Não é um novo entendimento, pois a adoção de medidas executivas atípicas já se encontra prevista em Lei desde 2015, de forma genérica, e o bloqueio de CNHs e passaportes já vem sendo objeto de pedidos judiciais há muito tempo. Mas agora, de forma mais clara, se tem a confirmação dessa possibilidade pelo STF, que definiu pela constitucionalidade do diploma legal”, sublinha.
Conforme Renata, essa possibilidade, agora validada, se mostra muito benéfica. “Sem dúvidas, culminará em vários novos pedidos no judiciário. Nos casos em que poderá ser deferida pelo juízo, com certeza estimulará acordos e adimplementos das obrigações pendentes”, finaliza.