O primeiro contato prático que tive com os sinais de pontuação, mais precisamente com o ponto final, ocorreu no meu primeiro emprego, em dezembro de 1969, na Isabela velha, comandada pelo senhor Moysés Michelon (difícil dizer “falecido”), homem reto que impunha respeito só pela presença.
Ao meu ver, o Seu Moysés não era dado a reticências. Talvez, no íntimo, as tivesse. Afinal, dúvidas existenciais visitam a todos em algum momento. E também porque, em algum momento, todos ponderam o dito e o não dito, todos fazem escolhas difíceis, todos alimentam inseguranças… Profissionalmente, ele era objetivo, claro e conciso, embora falando baixo, coisa que me atormentava. Meu ouvido nunca foi lá aquelas coisas.
Então, estava eu, uma guria recém saída do Técnico de Contabilidade, curso equivalente ao ensino médio, sendo recebida no escritório e apresentada a uma Remington enorme, que cobria a mesinha marrom de rodinhas nos pés. Como ia trabalhar numa mesona, também marrom, ao lado do cofre, vi que precisava alinhar as coisas. Aí, com a força que Deus me deu, puxei a tal mesinha para o meu lado, que deslizou feito uma bailarina. No arranque, a máquina de datilografia ganhou asas e voou longe, indo aterrissar no corredor. Três peças danificadas! No meu primeiro dia de trabalho! Pode? Só vivi outro fato semelhante quarenta anos depois, num ônibus, quando o motorista fez uma manobra igual, e eu, que nem a máquina, fui arremessada pelos ares, indo cair de costas no assento de ferro. Coincidentemente, três costelas quebradas.
Pois é! Mas, o chefe não usou ponto de interrogação, tipo “Como isso aconteceu?”; não usou ponto de exclamação, “Que banana essa menina!”, nem reticências, “Depois a gente vê como fica…”. Não. Seu Moysés, dirigindo-se ao responsável do escritório, usou um ponto final, que calou até as gargalhadas: “Providencia outra máquina para a Denise e manda esta pro conserto.” E jamais me cobrou.
Não demorou eu aprender a força desse sinal de pontuação – e nem foi na faculdade de Letras, que comecei em seguida. O aprendizado aconteceu lá, na Isabela. No final de cada correspondência que a gente datilografava no formato de carta comercial, as chefias ditavam: PT Saudações.
O leitor mais jovem deve estar se perguntando: o PT de Lula? Nem pensar. Este foi criado décadas depois. Além do mais, estávamos em plena ditadura militar, embora a maioria de nós nem percebesse – na época, as notícias demoravam pra chegar e, quando chegavam, já estavam maquiadas.
“PT Saudações” significava “ponto”. Fim de papo. Final da correspondência. E aquilo foi se transformando numa metáfora. Quando era tomada uma atitude que não admitia contestação, encerrava-se com a expressão “…e PT Saudações.”
No decorrer desta caminhada que se chama “vida”, os sinais de pontuação vêm demarcando meu tempo. O fazer cotidiano, pausado pelas vírgulas; o imponderável, impenetrável, incompreensível, sinalizado pelas interrogações; dores e amores, banalizados pelas exclamações, e incertezas, reveladas pelas reticências… especialmente em relação ao ponto final. Porque ninguém fica pra semente.
“Imortal”, só o Tricolor gaúcho…