É uma condição cultural o fato de que só procuramos auxílio profissional da medicina quando há, por exemplo, uma dor nas costas, um problema em um órgão vital ou algum sintoma visualmente aparente. Apesar disso, o tabu acerca dos problemas psicológicos, aos poucos, perde a sua força e entra cada vez mais nos debates populares. O alcance conquistado pela campanha Setembro Amarelo, que busca a conscientização sobre a prevenção do suicídio, mostra a importância de que se discuta as mazelas das relações humanas, as angústias por elas geradas e o impacto de tudo isso sobre a saúde mental na sociedade.
Setembro é o mês em que a primavera retorna e, com ela, as cores que surgem nas paisagens das cidades. Porém, neste mês, o tom amarelado destaca-se por conta de uma importante campanha. O Setembro Amarelo, surgido em 2014, destaca o mal, quase sempre silencioso, que é o suicídio – que está no topo da pirâmide de uma conjuntura de fatores e sintomas dos problemas psicológicos e psíquicos sentidos pela sociedade atual.
O movimento foi criado por diversas entidades. Uma delas, uma das mais atuantes na prevenção ao suicídio, é o Centro de Valorização da Vida (CVV). De acordo com a divulgadora da organização em Porto Alegre, Liziane Eberle, o surgimento da campanha foi fruto de uma necessidade em níveis mundiais. “Os índices de suicídio são globalmente alarmantes. Isso foi percebido e notou-se que era muito importante a divulgação e conscientização sobre o tema”, explica.
As ações no período de informação sobre o problema acontecem de diferentes formas. Há o valor simbólico ao iluminar pontos turísticos e importantes das cidades com a tonalidade amarela – é o caso da Câmara Municipal de Bento Gonçalves. “O amarelo foi escolhido porque significa atenção. É disso que precisamos para essa situação delicada”, comenta Liziane. Além dessa forma de chamar atenção, durante o mês acontecem palestras e seminários sobre o tema suicídio nas cidades do Brasil.
Importar-se é fundamental
Segundo pesquisas teóricas sobre o assunto, para cada tentativa de suicídio atendida em Pronto Socorro, existiram outras três que não foram notadas e outras cinco pessoas chegaram a elaborar um plano para isso. Nem sempre a busca por ajuda partirá de quem sofre de um mal. É fundamental que haja empatia e atenção dos familiares e amigos de quem já indicou algum problema psicológico.
De acordo com a psicóloga Andressa Migliavacca, o suicídio é um problema quase imperceptível na sociedade atual. “Observamos esse tema como algo muito silencioso. É muito importante que as pessoas estejam atentas a possíveis problemas de quem vive ao seu redor”, afirma. Ainda segundo ela, “as saídas dos padrões comportamentais pode indicar alguma situação de risco”.
Por conta disso, é fundamental também que haja diálogos acerca de problemas mentais na rotina diária. “Na correria do dia a dia, as pessoas esquecem de averiguar como está o seu familiar ou amigo próximo. Mostrar o interesse pode auxiliar na exposição de um sofrimento até então imperceptível”, pondera Andressa.
Ajuda na Rede Pública
Bento Gonçalves conta com psicólogos dispostos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) – assim como outras cidades em território brasileiro. Os profissionais espalhados nos postos possuem capacidade para diagnosticar os casos que envolvem problemas psicológicos e, na sequência, fazer os encaminhamentos necessários.
Um dos caminhos possíveis, são os Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) – são três em Bento Gonçalves. Segundo a coordenadora do Caps II da cidade, Adriana Pavão, a sede oferece o tratamento para os pacientes com alguma espécie de transtorno psicológico. “O Caps é um serviço voltado para as mais diversas possibilidades de problemas, dentre elas o suicídio. O serviço da Rede Pública de Saúde vai entender o que é necessário e encaminha para o setor ideal, que pode ser aqui”, explica.
O Caps trabalha com equipe multidisciplinar. São assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e enfermeiros. “Atendemos uma demanda muito grande do município com relação à saúde mental, sobretudo com agravamento de sofrimentos psíquicos”, afirma Adriana.
Uma das psicólogas que fazem o trabalho de acompanhamento no Caps II, Karina Paggi, acredita que o trabalho em rede é fundamental para que seja feito um tratamento adequado. “Desde os transtornos mais simples ou até sofrimentos psíquicos graves devem ser tratados de forma ampla e completa. No Caps há um cuidado especial. Os pacientes passam o dia todo quando estão em situação de crise. Almoçam, tomam medicação, fazem diversas atividades ao dia. E é isso que previne o suicídio”, observa.
O tabu a ser quebrado
Embora muito estigmatizado, os profissionais acreditam que o assunto deve ser amplamente debatido, ao contrário do que acontecia há pouco tempo. “Se não falarmos sobre o tema, podemos deixar as pessoas com algum tipo de problema mais isoladas e com vergonha de procurar ajuda”, afirma Karina. A psicóloga também acredita que o suicídio é apenas a consequência de um problema muito maior. “Precisamos falar sobre doenças mentais de forma mais ampla. Somos seres humanos, vivemos em uma sociedade que produz sofrimentos através do nosso modo de vida”.
A coordenadora do Caps II de Bento Gonçalves alerta para que haja sensibilidade com a dor dos outros. “São sofrimentos legítimos que cada um tem, na sua intensidade de sentimentos. O ciclo da vida, luto, situações profissionais são coisas que podem levar a quadros temporários em que precisem de apoio”, explica Adriana.
O Setembro Amarelo marca um período em que o debate sobre as doenças e patologias psíquicas e psicológicas ficam mais difundidos na sociedade, de forma mais série e ampla. O domingo, 10 de setembro, é o Dia Mundial de Combate ao Suicídio, que faz parte do processo de divulgação do tema.
Através do 188, CVV auxilia 24 horas por dia
O Centro de Valorização da Vida foi criado em 1962 e é mantido por voluntários que atuam durante o tempo todo. A linha é disponibilizada para pessoas em situação de angústia pessoal e tem o objetivo de diminuir as altas taxas de suicídio entre diversos grupos sociais.
Liziane Eberle, voluntária há 4 anos nos serviços do CVV, acredita que a cada dia o trabalho feito mostra-se fundamental para aqueles que precisam de auxílio. “Vivemos em um momento de muita individualização dos sentimentos. Por isso oferecemos o contato, já que é muito importante para que possibilitemos, àqueles que precisem, um canal para desabafar sobre algum problema”, explica.
Os voluntários que atendem aos chamados telefônicos estão preparados para os diálogos com pessoas em situações de risco. “Somos capacitados em cursos de média e longa durações para fazer este trabalho”.
O Centro de Valorização da Vida possui sedes em diversas cidades do Rio Grande do Sul. A Região da Serra é coberta pelo núcleo de Caxias do Sul. Mesmo que não haja espaço físico em Bento Gonçalves, por exemplo, o sistema telefônico recebe as ligações de qualquer lugar do estado e são totalmente gratuitas. O contato do CVV é pelo número 188.