Pesquisa mostra um salto de 7,7% para 14,8% de jovens de 18 a 24 anos com a doença após a pandemia. Psiquiatra avalia que cenário se dá por conta das expectativas frustradas dessa geração
Crise financeira não foi o único resultado negativo da pandemia. O abalo da saúde mental também tem sido um fator crescente desde então. Uma pesquisa conjunta entre a Vital Strategies e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), chamada Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel), apontou que houve um aumento de 41% nos casos de depressão no Brasil, entre antes da covid-19 e o primeiro trimestre deste ano.
A Covitel constatou que para os jovens de 18 a 24 anos, a depressão foi de 7,7% para 14,8% nos dados mais atuais. Esse foi o maior aumento entre as outras faixas etárias. Adultos até 40 anos também estão nas estatísticas, entre os mais atingidos pela doença.
O psiquiatra Rodrigo Tramontini acredita que a pandemia e a crise financeira que a acompanhou abalaram as expectativas dos jovens até 24 anos, pois é nessa fase que estão começando a vida adulta e entrando no mercado de trabalho. “O cenário mais pessimista agravou o estresse que normalmente já sofremos nessa etapa, já que o futuro se tornou mais incerto e inseguro. Foi uma grande desilusão para uma geração que cresceu acreditando que tudo é possível”, explica.
Além disso, o médico destaca que o desamparo sentido pela perda de familiares, pelo isolamento e pela ameaça à própria vida também contribuiu significativamente para tais resultados. “Por último, a cultura dominante nessa faixa etária dificulta a resolução desses problemas, já que estimula o entretenimento acima de qualquer tentativa de pensar e refletir sobre o que nos angustia”, revela.
Os motivos desencadeadores podem ser vários, de acordo com a história de vida de cada um. “Além dos fatores pós-pandêmicos, situações de humilhação, abuso e rejeição e de isolamento social são especialmente comuns como desencadeantes nessa idade”, indica.
Quais são os sintomas da depressão e como identificá-los?
Conforme Tramontini, os sintomas variam muito. “Incluem falta de energia, perda de interesse por atividades que normalmente costumavam ser prazerosas, tristeza excessiva, dificuldade de concentração e memória, excesso ou falta de sono, alterações de apetite e pensamentos negativos sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o futuro”, exemplifica.
Ademais, o psiquiatra frisa que é comum que a pessoa se ache pior do que os outros e se isole, que sinta remorso exagerado por erros do passado ou que ache que viver não vale a pena. “Alguns se sentem mais cansados e sonolentos, mas outros podem se sentir muito ansiosos, agitados e irritados. A pessoa também fica mais propensa a comportamentos compulsivos para tentar se aliviar dos sintomas, abusando de álcool e drogas ou trabalhando em excesso, por exemplo. O funcionamento do indivíduo nos estudos, trabalho ou relacionamentos fica invariavelmente prejudicado em casos de depressão clínica”, esclarece.
Como ajudar?
Para prestar solidariedade e auxiliar quem está enfrentando esse problema, o médico aconselha que o primeiro passo é não julgar. “É comum que a pessoa que esteja passando por um quadro depressivo seja rotulada negativamente pela falta de motivação ou pelo desejo de se isolar, por exemplo. Querer dizer o que ela deve fazer para melhorar ou comparar ela com outras também não costuma ajudar em nada. O melhor a fazer é escutá-la e demonstrar que você a está apoiando incondicionalmente. Gestos de afeto são muito mais importantes que palavras. Orientar a buscar ajuda profissional também é essencial quando o quadro for persistente”, sugere.
De acordo com Tramontini, ter uma rede de apoio nesses momentos é fundamental. “O ser humano é sociável por natureza e o amparo de outras pessoas é primordial para a recuperação de um quadro depressivo e para a manutenção de uma boa saúde mental”, menciona.
Como prevenir a depressão?
Segundo o psiquiatra, existem muitas formas de prevenir a depressão, desde intervenções individuais até sociais mais amplas. “Falamos pouco sobre elas e muito mais sobre como a depressão se manifesta, mas é na prevenção, e não no tratamento, que está a chave para que possamos melhorar a saúde mental dos nossos jovens. A atenção à primeira infância é essencial, por exemplo, pois a relação com os adultos cuidadores nos primeiros anos de vida é a base da nossa regulação emocional. Educar nossas crianças a se expressar emocionalmente e a tolerar sofrimentos e frustrações normais também é importantíssimo”, recomenda.
Por fim, o médico recomenda manter boa saúde, incluindo alimentação adequada e atividades físicas, fortalecimento de vínculos familiares e sociais, redução de desigualdades e uma educação mais voltada para a busca de propósitos de vida. “Nossa sociedade também precisa abandonar estigmas sobre saúde mental para que possamos prevenir mais e melhor. Não podemos nos aprofundar no assunto e encontrar soluções se ele permanecer um tabu”, finaliza.
Manutenção da saúde mental
Na Universidade de Caxias do Sul (UCS), uma opção para acompanhamento psicológico é oferecida para a população. O Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) é o Serviço-Escola do curso de Psicologia da instituição. O espaço oferece a possibilidade de realização do estágio obrigatório na área de psicologia clínica, atendendo gratuitamente às demandas da comunidade.
A coordenadora do curso de Psicologia e do Sepa, Anni Breitenbach, explica que o serviço conta com uma psicóloga responsável pelo setor e por acompanhar os atendimentos prestados. “Zelando pelo cumprimento das disposições legais e éticas no desempenho das funções relacionadas ao estágio em Psicologia e com isso, garantir a gestão do serviço e possibilitar a comunicação entre Serviço-Escola e o curso de Psicologia”, descreve.
De acordo com a docente, qualquer pessoa que precisar de auxílio psicológico pode se inscrever. Ela também evidencia a importância do cuidado com a saúde mental. “Fundamental nos dias atuais ter um momento para cuidar de si e das próprias emoções. A saúde mental define o nosso bem-estar emocional, psicológico e social. Afeta a maneira como pensamos, sentimos e agimos quando enfrentamos a vida. Também ajuda a determinar como lidamos com o estresse, nos relacionamos, com os outros e na tomada de decisões”, argumenta.
Para Anni, é preciso buscar ajuda no momento em que se percebe que coisas fáceis e simples já não são vistas mais da mesma forma. “Quando precisar dividir sentimentos, bater aquela tristeza sem motivo, uma desmotivação constante, aquela dificuldade de lidar com situações do cotidiano ou outro motivo que você não consegue entender”, conclui.
Órgãos municipais valorizam a vida
Conforme a Assessoria de Comunicação da prefeitura, a rede de saúde mental no município é constituída por atenção básica: Unidades de Saúde e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para emergências e os três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): infantil, AD (álcool e drogas) e adulto.
Ainda conforme informações passadas pelo Executivo, o paciente pode procurar uma unidade de saúde. Se o médico identificar a necessidade de encaminhamento a um psicólogo, é transferido para o NASF e encaminhada para o atendimento de um profissional.
Além da UCS, Faculdade Cenecista (CNEC), Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) e Faculdade de Tecnologia (FTEC) também têm serviço de psicoterapia nas clínicas-escolas em parceria com a prefeitura. No Setembro Amarelo, as unidades e Estratégia Saúde da Família (ESFs) realizam capacitações e programações.
Centro de Valorização da Vida
O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, pelo número 188, e-mail e chat 24 horas todos os dias.