Na semana do documentário brasileiro, o Semanário resgata a história de produções feitas na região; saiba quais são elas e o que retratam

A Serra Gaúcha, com suas paisagens deslumbrantes e rica cultura, tem atraído a atenção de cineastas e documentaristas em busca de um cenário autêntico e vibrante. Nos últimos anos, a região se consolidou como um destino de destaque para a produção de documentários, oferecendo uma combinação única de beleza natural, tradições preservadas e um modo de vida que cativa o olhar.

Recentemente, uma série de audiovisuais tem destacado os cenários da região, proporcionando aos espectadores uma visão mais profunda sobre a Serra Gaúcha. Por isso, o Semanário foi atrás de diversos representantes da cultura e do audiovisual das cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa para conhecer melhor a história por trás dessas produções.

Segundo a turismóloga e representante da Bento Film Commission, Denise Holleben, são diversos os documentários já produzidos em Bento Gonçalves. Entre todas as produções, ela destaca os documentários Linha de Ferro (2017); Na trilha da Imigração Italiana (2017); Carpinteiro (2012); Tcheco (2012); Eu sou mais Eu (2011); Un Bacio su Cristo, il Santo su Pozzo (2011); Desenhista (2013); Gigante de Ferro: A Ferrovia do Trigo (2010); Caminhos de Pedra: o Tempo e Memória na Linha Palmeiro (2008) e a mais recente produção, a série documental Legado Italiano (2020).

Além de ter sido gravada em Bento Gonçalves, a série Legado Italiano foi gravada em Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Monte Belo do Sul, Nova Pádua, Pinto Bandeira, São Sebastião do Caí e Vila Flores. O documentário revisita os 145 anos da imigração italia na no Rio Grande do Sul e os vários legados que hoje fazem parte da cultura gaúcha.

Segundo a diretora do documentário, Marcia Monteiro, que é carioca, o seu interesse pela produção do filme foi em decorrência de suas duas formações: Jornalismo e Guia de Turismo Internacional com especialização em Enoturismo. “Quando fiz o curso de sommelier profissional pela Associação Brasileira de Sommelier do Rio de Janeiro foi um complemento à minha formação como Guia de Turismo Internacional. As duas atividades aliadas ao trabalho com audiovisual me levaram a pensar na realização do filme”, afirma a diretora, que também atua como produtora de arte em novelas da TV Globo.
Ela conta que devido a um convite para visitar uma feira de vinhos brasileiros realizada pelo Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN) em 2012, que a fez descobrir o potencial da Serra Gaúcha como destino enoturístico. Naquele mesmo ano, ela seguiu para conhecer a Serra Gaúcha, degustar seus vinhos e descobrir que a história do vinho brasileiro está intrinsecamente ligada à imigração italiana no Brasil.

A produção documental em Garibaldi

Melina Casagrande, turismóloga do município de Garibaldi, destaca a importância dessas produções serem grava das na região: “Garibaldi, em muitas dessas produções, foi escolhida pelos cenários audiovisuais que enaltecem nossas belezas naturais e arquitetônicas. Os parreirais, extenso interior, centro histórico preservado e a estação férrea formam um complexo interessante para as produções”. Ela ressalta que a Garibaldi Film Commission procura dar assistência às equipes de filmagens, oferecendo diálogo e facilitando a logística das produções. “Por exemplo, auxiliamos com o fechamento de ruas para a gravação de cenas, fornecemos contatos de transporte, acesso a locações, serviço de catering, entre outras necessidades das produções”, relata a turismóloga.

Pouco orçamento e muitos obstáculos

Muitos dos documentários gravados nas cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa abordam a temática da imigração italiana, que retrata a história e a cultura dos imigrantes.
Em Carlos Barbosa, foram produzidos documentários com essa temática, nos quais se destaca a produção “145 Anos de Cultura Italiana”, que aborda todo o processo de imigração do povo vêneto.
Conforme Eliseu Demari, diretor-presidente da Proarte (Fundação de Cultura e Arte) de Carlos Barbosa, são poucas as produções com estrutura profissional. “A maioria é desenvolvida com baixo custo e pode-se dizer que o orçamento é o principal obstáculo para a área. Por mais que as novas mídias tenham facilitado o acesso a ferramentas de captação, edição e produção, o audiovisual ainda carece de maior fôlego financeiro para que possa ser desenvolvido a pleno, com uma equipe completa, com mais possibilidades de finalização, divulgação, entre outras necessidades”, destaca.

Os documentários Patoá e 145 Anos de Cultura Italiana foram custeados com edital municipal, através do Fundo Municipal de Cultura de Carlos Barbosa. “Oferecemos uma oportunidade, mas nem sempre condizente com os custos de uma produção profissional, demandando adequação ou o aporte de recursos de outras fontes. A Lei Paulo Gustavo oportunizou valores mais interessantes”, reitera.

A importância da Lei Paulo Gustavo

Bruno Mello, produtor cultural de Carlos Barbosa, reforça que foram dezenas de projetos contemplados nos editais da Lei Paulo Gustavo e através do Fundo Municipal de Carlos Barbosa. “Houveram projetos contemplados em ambos os editais e isso trouxe um excelente benefício para a cultura da cidade, movimentando e fomentando toda a cena artística do nosso município. Em Carlos Barbosa, temos há alguns anos, o Fundo Municipal de Cultura, que é um fundo abastecido com dinheiro do município e contempla projetos via edital de chamamento público”, destaca o documentarista. E continua: “O teto e a quantidade de projetos varia conforme o ano/gestão em vigência e abrange todas as áreas culturais do município como música, audiovisual, artesanato, patrimônio histórico, literatura , entre outros”, pondera.
Ele explica que assim como o incentivo da Lei Paulo Gustavo, o fundo do município possui uma tabela de pontuação, onde avalia a capacidade técnica do proponente, a originalidade da ideia e também o nível de contrapartida para com o município que aquele projeto trará. Quem avalia isso é uma comissão especial criada pela Proarte, que é a entidade que faz o papel de Secretaria da Cultura na cidade de Carlos Barbosa”, ressalta.

Bruno Mello destaca dois documentários recentes: “Atualmente, estão sendo lançados dois audiovisuais, que foram contemplados pelo edital da Lei Paulo Gustavo, que são ‘Dunas de Algodão, Ser ou não ser? Eis a Canção’ de Leandro Zen e o meu documentário que se chama ‘Tradições, Sabores e Vitórias: A Alma de Carlos Barbosa”, frisa.

O documentário do artista barbosense Leandro Zen foi lançado na quarta, 7 de agosto, estando disponível no Youtube do cantor. Já o documentário de Bruno Mello é uma produção baseada nos documentários do Discovery Channel, que traz a história do município de Carlos Barbosa, desde a imigração dos europeus para a região, o árduo começo das primeiras colônias, a chegada do trem e demais fatores históricos e culturais que levaram ao legado da cidade: a gastronomia, o esporte (ACBF) e a força e relevância das indústrias locais. O audiovisual vai ser lançado no dia 30 deste mês através do canal do YouTube “A Alma de Carlos Barbosa”, relata o idealizador.

Produções fora do padrão

Algumas produções também se destacam por não abordarem somente a cultura italiana e a história da imigração, como é o caso dos documentários de Boca Migotto, cineasta barbosense radicado em Porto Alegre. Alguns documentários do cineasta e escritor conversam diretamente com a temática da imigração e da preservação da cultura locais, como é o caso dos documentários “Pra ficar na história”, “Tcheco”, “Memórias em Sal de Prata”, “Às margens” e “Amábile”. No entanto, outros fogem dessa temática recorrente em muitos documentários da região, como é o caso de “Rio das Antas – Vale da Fé”, “O homem dos raios”, “Frente a frente” e “Eu sou mais eu”.

Migotto conta que nos últimos anos tem se dedicado a variar as temáticas de suas obras, mas que ao trabalhar com a memória da cultura italiana, ele sempre busca ter um cuidado especial em não fazer isso apenas sob o ponto de vista da exaltação dessa história mas, sim, a partir de reflexões necessárias sobre a importância de a preservarmos. “Muitos não percebem a destruição e apagamento da nossa memória ao longo das décadas. E muitas vezes, inclusive, incentivam a destruição da casa velha do “nonno” em nome de uma modernidade esquizofrênica, não valorizam o papel dos museus e defendem que o investimento público para esse setor seja ainda mais reduzido, ao pensar a cultura italiana apenas sob o ponto de vista gastronômico que é, sim, um aspecto cultural, mas longe de ser o único”, salienta o realizador.

Migotto conta que durante seu período como professor na Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves (CNEC), ele organizou, juntamente com o professor Felipe Gue Martini, dois cursos de documentários para incentivar jovens locais a realizarem os seus com o intuito de preservar a memória da região. “Nas duas edições do curso foram realizados “Gigante de ferro”, filmado em várias cidades da Serra, e “Eu sou mais eu”, filmado em Bento e Caxias. Desses cursos nasceu o Núcleo de Produção Audiovisual da CNEC, o qual ainda produziu “À sombra da videira” e “Consertam-se gaitas”, conclui.