Em pouco mais de uma semana, quatro homicídios foram registrados em Bento Gonçalves. Crimes estariam diretamente ligados ao tráfico
Há alguns anos, a pacata cidade de Bento Gonçalves configura entre as mais violentas do Estado, considerando-se o número de homicídios para cada 100 mil habitantes. Na contramão deste dado, nos indicativos da segurança, divulgados mensalmente pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, a maior parte dos demais índices, como furtos, furtos de veículos, roubos, delitos relacionados a armas e munições e estelionatos, por exemplo, vêm diminuindo a cada ano que passa. Em janeiro de 2020, no comparativo com janeiro de 2019, novamente foi apontada a diminuição de todos os rankings, com exceção da posse de entorpecentes, que passou de cinco para 15, do tráfico de entorpecentes, que aumentou de quatro para 13, e do roubo de veículo, que também cresceu, passando de três para cinco. Já em fevereiro, após 45 dias sem ocorrências de homicídios, foram registrados quatro em pouco mais de uma semana.
Na visão do psiquiatra Rodrigo Salton, os crimes que vem ocorrendo em Bento Gonçalves nos últimos anos estão relacionados ao tráfico, a disputa por pontos de droga e à violência entre estes rivais. “Não há uma motivação passional, psiquiátrica, ou seja, os crimes não estão diretamente ligados a problemas mentais. Nos chama a atenção, inclusive, que alguns mortos nem usuários são, nem dependentes, são apenas traficantes”, enfatiza.
O delegado titular da 2ª Delegacia de Polícia, Álvaro Luiz Pacheco Becker, afirma que os criminosos que impõem a sensação de insegurança na cidade têm um perfil de usuário de drogas. “Temos visto que a maior parte daqueles que são presos ou mortos estão relacionados com o tráfico, com a dívida com drogas, briga por pontos. Tudo isso faz com que sejam pessoas desequilibradas, totalmente fora da realidade, porque no momento em que entram nesse mundo, só têm dois caminhos: cemitério ou cadeia. Então temos a certeza de que esses indivíduos têm muito pouco a perder e, por isso, por qualquer coisa, puxam o gatilho e fazem essas atrocidades que estão fazendo”, comenta o delegado, que complementa: “São pessoas dissimuladas, falsas, egoístas, egocêntricas, que só pensam em si. Os demais são somente objetos de sua saciedade na busca do poder e, quem sabe, simplesmente de algum valor para comprar droga. Estão assaltando, furtando. Para conseguirmos perceber que estão envolvidos nessa guerra, temos que observar muito. Podem estar do nosso lado, sentados numa poltrona, conversando conosco, acharmos que é uma pessoa de bem, mas é um assaltante, um assassino em potencial”.
Conforme ele, os jovens entram para o crime porque são abandonados pelos seus pais. “Neste momento, sempre vai ter um traficante para adotá-los e fazê-los parte de sua gang. Portanto, temos que pensar que o traficante fica sempre em busca de novos viciados, de novas vítimas que vão poder sustentar a sua vida marginal, dando-lhe poder, dinheiro, armas. Isso vemos seguido, jovens que entram para o mundo do crime pela porta mais fácil, usando bebidas, fumando, ingressando para uma droga mais leve, a maconha, até chegar na mais pesada. Quando vê, não tem mais como sair e está totalmente dependente desses indivíduos”, frisa.
Segundo o delegado, está havendo um crescimento do tráfico no Município. “O consumo é muito grande. Os jovens estão simplesmente se deixando levar por essa ilusão de momento, de êxtase, de estar num mundo alheio. E por que isso? Porque eles não sabem distinguir o mundo das drogas do mundo familiar e social. Para eles é tudo a mesma coisa, porque não tiveram uma orientação em casa, nas escolas que estão degradadas, não pelos professores, mas pelos próprios alunos que não dão mais valor àquilo que é colocado para eles aprenderem”, diz.
A solução para o problema, segundo Becker, passa por uma “lavagem cerebral” nos jovens. “Eles precisam entrar no rumo. Caso contrário, não consigo ver, no futuro, um Brasil entregue a esse tipo de gente. Temos que pensar que nós somos muito maiores do que esses traficantes e marginais. Basta cuidarmos da nossa família, dos nossos filhos. Não é porque o dinheiro é fácil no tráfico que os jovens devem busca-lo nesse tipo de ‘trabalho’”, ressalta.
Ele diz ainda que não vê a situação como descaso das autoridades. “Embora haja uma certa falência no sistema judicial, onde peças da engrenagem não funcionam direito, se peca em alguns momentos, abandonando os jovens que poderiam ser ressocializados e, por falta de alguma instituição, se deixam cada vez mais entrar no mundo da droga, algo que nós temos que analisar. Para mim, o erro todo está no descaso, tanto do Estado, quanto da família e da sociedade. Temos que arrumar um jeito de tira-los da rua, gastarem suas energias de forma mais saudável, para termos, no futuro, cidadãos e não indigentes perambulando pelas ruas”, finaliza.
Como se forma uma mente criminosa
Conforme Salton, os pacientes que apresentam transtorno antissocial são as chamadas “mentes criminosas”, casos muito mais difíceis de serem resolvidos. “Não existe uma cura, não há um remédio. Somente um limite mais rígido, no caso, a prisão, detém esses criminosos. Eles cometem crimes continuados, desde pequenos, como enganar as pessoas, até matar. Já os usuários de drogas, que chamamos de pacientes com transtorno por uso de substâncias, comentem crimes devido à necessidade do uso da droga. O dependente químico ligado ao crime, se conseguirmos curar do vício, não comete mais crimes”, diz.
Para ele, o que preocupa mesmo é o tráfico. “Esses são os verdadeiros bandidos. Geralmente os chefes das facções nem usam drogas, ou são usuários recreacionais. Estas sim, são pessoas que necessitam de presídios de segurança máxima. Não teriam uma cura. Em outros países se fala em prisão perpétua ou pena de morte. Esses são os mais perigosos. Se discute a questão de deixá-los incomunicáveis ou com grandes restrições, pois conseguem comandar o tráfico mesmo de dentro das prisões”, encerra.
Famílias recebem atendimento
De acordo com o secretário municipal de Esportes e Desenvolvimento Social (SEDES), Eduardo Viríssimo, o Município desenvolve um trabalho preventivo e protetivo, orientando, encaminhando e atendendo as famílias em situação de vulnerabilidade e risco social. “As famílias identificadas com questões relacionadas à drogadição são atendidas de forma articulada com as secretarias de Saúde, Educação e Segurança”, pontua.
Segundo ele, nos serviços de assistência social, o trabalho preventivo é realizado nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV (antigos Ceacris). “Os CRAS realizam o acompanhamento das famílias visando à autonomia, empoderamento e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, com vistas à superação das situações de vulnerabilidade e risco social. Nestes serviços também são ofertadas ações de inserção ao mercado de trabalho, bem como de qualificação profissional, por meio do Programa ACESSUAS Trabalho. São concedidos benefícios eventuais a fim de suprir necessidades emergenciais às famílias atendidas”, diz o Secretário.
Ainda conforme o titular da pasta, complementando o trabalho com as famílias, os CRAS realizam encaminhamentos de crianças e adolescentes aos SCFV, que têm por objetivo fortalecer as relações familiares e comunitárias, promovendo a integração e a troca de experiências, construindo projetos de vida saudáveis. “Os SCFV atendem crianças e adolescentes dos quatro aos 17 anos, no turno inverso da escola, onde são ofertadas oficinas culturais, esportivas e de danças. A fim de ampliar o trabalho preventivo realizado nos SCFV, a SEDES está trabalhando no aumento de parcerias para desenvolvimento de novas oficinas”, diz.
Viríssimo ressalta, também, que a SEDES realiza trabalho protetivo, por meio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS e de Serviços de Acolhimento. “As ações referem-se à oferta de apoio, orientações e acompanhamento às famílias em situação de ameaças e risco pessoal e social por violações de direitos. Ainda em se tratando do trabalho protetivo, a SEDES possui o Serviço de Acolhimento Institucional, oferecendo este trabalho provisório para crianças e adolescentes afastadas do convívio familiar, em função de abandono, ou cujas famílias ou responsáveis encontram-se temporariamente impossibilitados de cumprir suas funções de cuidado e proteção. Além disso, temos a casa de passagem, que realiza acolhimento noturno para pessoas adultas em situação de rua. Neste local, podem tomar banho, dormir e, por meio da articulação com demais secretarias, serem inseridos nas políticas públicas, para que haja uma reinserção à sociedade e à reconquista de direitos básicos”, conclui.
Fotos: Arquivo