Movimento criado em 2014, teve sua primeira edição em Bento no sábado, 27, reunindo a comunidade e profissionais da moda para dialogar sobre a importância da ética e da sustentabilidade no consumo e na produção de roupas
Quem faz as roupas que usamos? Esse é o questionamento e ponto de partida para os debates propostos pelo movimento global Fashion Revolution, que ocorreu em mais de 100 países, entre 22 e 29 de abril deste ano. Com rodas de conversa, palestras, workshops, entre outros, o evento, encabeçado, majoritariamente, por designers, professores e alunos de moda, busca conscientizar produtores e consumidores sobre a importância da responsabilidade, da ética e da transparência na cadeia produtiva da indústria têxtil. Em Bento Gonçalves, a Semana Fashion Revolution teve sua primeira edição no sábado, 27 de abril, na Faculdade Ftec.
A campanha surgiu no Reino Unido um ano após o desabamento do Rana Plaza, edifício em situações precárias que abrigava cinco confecções de grandes marcas, em Daca, capital de Bangladesh, ocorrido no dia 24 de abril de 2013. Mais que um saldo de 1.127 trabalhadores mortos e outros 2.500 feridos, o desastre trouxe à tona uma série de questionamentos acerca da indústria da moda, como as condições de trabalho de toda a cadeia de produção, desde os produtores de matéria-prima até os lojistas, a poluição ambiental e o esgotamento dos recursos naturais, a publicidade e o consumismo, entre outros. No Brasil, a Semana Fashion Revolution 2019 contou com a participação de mais de 80 faculdades, 51 cidades de 19 estados e o Distrito Federal.
Edição de Bento Gonçalves
O evento, que ocorreu pela primeira vez na Capital do Vinho, contou com uma programação de rodas de conversas, pautando assuntos que iam desde a responsabilidade e os desafios da marca até o papel do consumidor na busca de uma economia sustentável e mais consciente, além de oficinas de estamparia e de upcycling, também conhecido como “reutilização criativa”.
Segundo a designer de moda e organizadora do evento, Débora Bregolin, o principal objetivo foi trazer para perto do público a discussão sobre a moda sustentável, o conscientizando sobre como consumir de modo mais sustentável, além de se autoquestionar sobre a influência de suas escolhas na hora de consumir. “Tivemos uma participação muito legal da comunidade, dos alunos, palestrantes e marcas envolvidas. O que fica de principal, desse primeiro evento, é a necessidade de discutir a moda, de trocar ideias, levando a realidade da empresa ao ensino e também o que se estuda na academia à sociedade”, avalia.
Para a estudante de jornalismo e uma das criadoras do Lookflix (projeto que visa valorizar a sustentabilidade da moda, por meio do aluguel de peças de roupas), a participação no evento foi gratificante. “Acredito que nesse ultimo sábado, todos que estiveram presentes saíram de lá com grandes ideias e novos pensamentos sobre a indústria da moda. Nosso papel foi bastante focado no consumo excessivo, acredito que a mensagem foi entregue e trará ótimos resultados no futuro”, conta.
Luta contra a exploração laboral
Entre os escombros do Rana Plaza, as pessoas que auxiliavam na busca por corpos procuravam também, em meio a toneladas de cimento, tijolos e ferro retorcido, as etiquetas de roupas para identificar que marcas estavam ligadas às confecções que funcionavam no prédio. Em alguns casos, levou semanas para que as marcas deliberassem que forma de contrato mantinham com os fornecedores, sendo que algumas nem sabiam que suas peças estavam sendo produzidas no local.
O descaso e a precariedade das condições dos tecelões, no entanto, foi apenas o ponto de partida para as pessoas começarem a se questionar quem está por trás de cada peça de roupa que encontramos nas araras das lojas. Aproximadamente 75 milhões trabalham na confecção das roupas que usamos diariamente, em um processo que passa pelas mãos de produtores de algodão, costureiros, tintureiros, entre outros. Segundo Débora, os questionamentos sobre todo o intermédio da cadeia produtiva devem ser direcionados, sobremodo, as duas pontas desse processo: as marcas e os consumidores.
Às empresas, explica, cabe o papel de promover uma moda mais sustentável e humana, enquanto aos consumidores, é preciso que se conscientizem sobre os impactos ambientais e sociais, antes de irem às compras. “A indústria deve medir o sucesso além das vendas e lucros e valorizar igualmente o crescimento financeiro, o bem-estar humano e a sustentabilidade ambiental. É preciso, ainda, promover mudanças culturais para um consumo mais consciente e que as pessoas reconheçam seus próprios impactos ambientais e atuem para mudar a cultura da moda”, resume.
“Se usamos uma roupa por uma temporada e depois descartamos o que isso diz sobre nós? Toda consciência sobre a utilização de recursos naturais é extremamente necessária nos dias atuais” (Liliane Stallivieri)
Para a designer de moda e uma das painelistas do evento de Bento, Liliane Stallivieri, a situação de exploração que originou a tragédia do Rana Plaza e, consequentemente, o movimento Fashion Revolution, não é caso isolado, mas a conscientização popular tem gerado frutos. “Infelizmente a indústria da moda tem um histórico muito grande quando falamos da exploração do trabalho humano, condições muito ruins de trabalho e com situações análogas à escravidão. Mas isso está mais perto do que imaginamos, infelizmente. Grandes empresas brasileiras, inclusive grifes, estão sendo desmascaradas e acusadas de exploração”, pontua.
Luta pela sustentabilidade
Segundo dados da World Resources Institute, um instituto de pesquisas sem fins lucrativos, a indústria da moda produz 20 peças de roupa por pessoa por ano. O que significa que, todos os dias, 383 milhões de peças são produzidas, na velocidade de 4,4 mil peças por segundo. Na chamada fast fashion, as indústrias lançam entre 50 e 100 coleções anuais, barateando o preço final da peça, já que o volume produtivo é maior, encurtando, porém, o ciclo de uso, promovendo o consumismo e o descarte. Deste modo, quanto maior a produção, maior desperdício em todo o ciclo.
Para a estudante de Relações públicas e parceira de projeto de Ângela, Natalia Borba, a revolução proposta pelo Fashion Revolution é, justamente, no sentido de propor um consumo consciente, fazendo com que todo o ciclo produtivo se torne também mais sustentável. “O maior problema é que a maioria das pessoas não tem ideia de quão prejudicial essa indústria é. Quanto maior a empresa, mais água ela desperdiça, mais resíduos ela descarta, mais ela utiliza de trabalho escravo. Se essas informações chegassem à massa, ao consumidor final de forma mais generalizada, acredito que o consumo se revolucionaria mais rapidamente”, opina.
“A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo. Se todas as máquinas de costura parassem agora, teríamos roupas para três gerações. O excesso causa danos para os recursos do planeta. A revolução é justamente fazer o movimento contrário; amamos as roupas e acreditamos que o que vestimos é história” (Natalia Borba)