Todos nós temos lá nossos medos. Grande parte deles nasce ainda quando somos crianças, alguns semeados pelo medo recíproco dos outros, encontrando na nossa inocência um terreno fértil para prosperar, senão por anos, pela vida inteira. Outros medos, então, são uma espécie de pequenas luzes, algumas “empoeiradas” e até mesmo esquecidas ou cicatrizadas pelo tempo; contudo, ao menor sinal de perigo, se acendem em nossa mente – uma espécie de raio de luz emanado pelo anjo que nos protege ou acordadas por aquele monstro que imaginávamos ter desaparecido, não se sabe onde, não se sabe quando…
Confesso, trago acalentado comigo um desses medos semeados pelos ventos fortes em dias de sombra… fobia de temporal, cujas lembranças rememoram paredes de madeira tremendo, telhado rangendo e o pior por vir; o escuro sob as luzes de velas chorando em pratinhos “pirex” de cor verde água.
Nestes últimos 30 dias, onde dois ciclones extratropicais não somente invadiram nossas praias, mas tomaram nosso Rio Grande de forma impetuosa e vitimaram nosso povo, poderão pensar que este medo se acerbou…Não, não tenho mais medo do escuro, como diria Renato Russo, mas deixo as luzes acesas agora…
Uma coisa é certa: quem nunca sentiu falta da luz que …acenda a primeira vela!!!
Aliás, dita ou não dita por Albert Einstein a filosófica frase “a escuridão é a ausência de luz”, provei da mesma quando, na última sexta-feira, subindo a serra de Carlos Barbosa, entremeio a um estrondoso temporal que abria passagem ao novo ciclone, as águas cegavam os faróis e a neblina servia de véu branco para a escuridão.
Naquele momento, enquanto meus olhos procuravam a tênue e desgastada linha amarela entremeio às duas pistas, linha esta que literalmente era o divisor de águas entre a vida (luz) e, talvez, a …, pensei no poder Divino, no início de tudo, lá no Genesis 1,3-4: “Faça-se a luz!”. Que satisfação seria encontrá-la no breu daquele asfalto encharcado, mesmo que incomparavelmente mais simples, em forma de tachões reflexivos – o que já seria uma benção – pois certamente estes poupariam os sinais de taquicardia vivenciados naqueles minutos eternos, ritmados por movimentos titubeantes na direção, os quais, ao final, se mostraram corretos…mas nem sempre é assim…
Talvez tal luz, mesmo que simples, porém necessária, custe caro aos olhos de quem é pago por nos assistir, talvez tal luz destes tachões, somente venha a refletir, de fato, no próximo ano, pelo “fio condutor” do pagamento do pedágio…enquanto isso, vidas se apagam nos caminhos da Serra Gaúcha e lágrimas correm pela escura ausência de quem amamos.
A propósito, neste final de semana, 08 pessoas deixaram a vida nas estradas da Serra Gaúcha. É preciso dar foco a este assunto, pois de nada adianta e tão pouco é inteligente e humano tangenciar esta realidade. Negar os riscos, não tratando de ao menos minimizar as suas causas, seria reverenciar cegamente a hipocrisia, colocando sempre o ora recém iniciado, já conhecido e velho inverno no banco dos réus em uma sala, enquanto o saudamos e brindamos sua chegada aos quatro ventos nas portas dos hotéis.
Imprescindível, portanto, colocar luz sobre este mar de asfalto.
“Espera-se” urgentemente, que surja uma centelha de luz, advinda da iniciativa e liderança desafiadora, mas não menos sincera e atuante, para tratar da segurança de nossas estradas na Serra Gaúcha.
Iniciativa esta que acreditamos, deva nascer da articulação conjunta dos representantes dos poderes constituídos de nossa região, começando pelos prefeitos, presidentes de câmaras de vereadores, ministério público, judiciário, deputados, entidades empresariais e de trabalhadores.
Vamos juntos, o melhor da viagem é a volta, pois alguém sempre nos espera em casa…com vida e em todas as estações.