Além dos cuidados físicos, os pequenos precisam receber afeto e atenção para um bom desenvolvimento da saúde psicológica
Uma descoberta, nove meses de espera e vidas mudam para sempre. Para os pais, a chegada de um filho significa transformação completa de rotina, novas preocupações e bastante esforço para educar, cuidar e guiar aquela pessoa. Para a criança, um horizonte cheio de possibilidades, um caminho todo para trilhar, aprendizados a cada novo dia e necessidade de alguém para dar o suporte necessário para a construção de um futuro com boas experiências.
Sem dúvidas, os primeiros anos são os mais importantes para a formação de caráter e personalidade de uma criança. É responsabilidades dos pais a alimentação, a higiene pessoal, vestimentas, estudo e também a saúde mental dos filhos.
Segundo a psicóloga Patricia Dotta, para cumprir seu dever, um casal deve pensar, em primeiro lugar, sobre o real desejo de ter filhos e qual a motivação para tal. “Claro que às vezes acontece e são coisas que não vêm planejadas. Mas é importante, na medida do possível, poder se organizar, porque as crianças precisam se sentir desejadas, amadas, e esse é o primeiro ponto para se pensar”, aconselha.
Um cuidado que se deve ter é em relação ao desenvolvimento dos pequenos em um lar sossegado e sem brigas. “O que afeta o emocional é quando não se tem um ambiente tranquilo, agradável, com rotina, onde existem gritos, discussões, desentendimentos, violência e negligência”, menciona.
Além de ter cuidado sobre como é o local onde a criança vive, outra cautela que os pais devem ter é em ouvir tudo aquilo que os filhos têm a dizer, o que não significa fazer tudo o que querem, mas considerar o que é dito. “A criança entende tudo. Poder escutar, proporcionar autonomia dentro do período que ela está, perguntar como ela tem se sentido, perceber se fica ansiosa e triste e perguntar o porquê, isso é muito importante”, destaca a psicóloga.
Além disso, Patricia ressalta que é preciso traduzir para a criança os sentimentos que ela tem, pois sua mente ainda não é capaz de ligar o estado emocional à causa. “Quando ela estiver sentindo raiva, irritada ou triste, falar ‘você ficou triste porque não te dei tal brinquedo, você está nervosa porque não está conseguindo dormir”, exemplifica.
Para a profissional da saúde mental, cuidar da questão operacional não descarta a necessidade de se envolver com o aspecto emocional. Ela cita, ainda, que a queixa de alguns responsáveis é que trabalham todos os dias e não têm tempo. “Mas se minha decisão foi ter um filho, preciso cuidar. São nas representações parentais positivas que as crianças entendem que os pais as amam. Elas vão interpretar determinado comportamento, por exemplo, o de ficar sempre no celular, como um sentimento de ‘ele não me ama, não gosta de mim’. Não necessariamente isso é real, mas é o que a criança sente”, garante.
O que acontece na infância reflete no futuro
Conforme Patricia, a forma como a família funciona vai determinar a estrutura de personalidade da criança. “O que acontece na nossa infância tem um papel muito importante na nossa vida adulta. O problema é quando os familiares vão produzindo pequenos traumas, ofendendo a criança, chamando ela de burra e dizendo que não vai ser ninguém”, alerta.
A psicóloga afirma que esse tipo de comentário é muito difícil de combater depois, porque a criança se enxerga da forma como é chamada. “Se falar que o trabalho dela é ruim, fica pensando que ela é ruim. Dessa forma, vai desenvolvendo uma estrutura de personalidade assim e se coloca em situações que vão repetindo esses traumas. Vai escolher um parceiro, por exemplo, que vai repetir o padrão do pai”, frisa.
Crianças em sofrimento mental
A psicóloga destaca que foi realizada uma pesquisa pela Unisinos e a Associação de psicólogos de Carlos Barbosa e Garibaldi (Ser-PSI) sobre a qualidade dos vínculos familiares e a saúde mental das crianças da Capital Nacional do Futsal. “Ela foi desenvolvida nas escolas com 80 alunos de seis a 12 anos”, explica.
Os profissionais queriam entender se o vínculo familiar impactava na saúde mental dos pequenos. “Essa pesquisa nos mostrou que uma a cada cinco crianças tem sofrimento psicológico. Apesar de ter um bom desempenho acadêmico, percebem os pais sem indicadores de afeto, proteção e ajuda”, sublinha.
Segundo Patricia, são filhos que têm uma representação parental negativa, frágil, distante, e por consequência são mais ansiosos e agressivos. “Isso é um dado importante, pois significa que 20% apresenta sofrimento mental, ou seja, deveria estar em psicoterapia. São crianças que vivem com os pais e eles têm dificuldade de se envolver afetivamente. Com certeza, esses traumas vão passando de geração em geração. Por isso é importante a questão da psicologia, trabalho com a escola, com a família, o resgate dos vínculos. Isso é muito importante para que a gente rompa esses ciclos disfuncionais”, realça.
Uma observação realizada foi que, quanto maior a fragilidade emocional, mais transtornos de déficit de atenção e hiperatividade a criança tem. “Ela fica ansiosa, esconde a solidão, o desamparo. Os pais não conseguem ser afetivos, olhar, prestar atenção na criança e acho que isso vem de uma geração que não acreditava na psicologia, um jeito muito difícil de ver a vida”, aponta.
Ajuda profissional é essencial
A profissional alerta que trabalhar com famílias requer técnica, conteúdo e formação na área familiar, chamada psicologia sistêmica. “Até a questão da constelação familiar não é indicado, não se tem uma cientificidade em relação às técnicas aplicadas. Muitas vezes quem aplica determinadas intervenções não tem uma formação específica para tal. Sempre é importante trabalhar com psicólogo clínico, que tem uma especialização em criança e adolescente”, recomenda.
Para os pais que querem oferecer aos filhos uma saúde mental de qualidade, Patricia deixa um recado. “Brinquem com a criança, em meia hora que for bem aproveitada ela vai ficar com essa representação de cuidado, de afeto”, conclui.
Estilos parentais, segundo Patricia Dotta:
1 – Autoritário: não tem diálogo, a criança pode desenvolver questões de ansiedade, de baixa autoestima, de menos valia;
2 – Negligente: não está ‘nem aí’, a criança não tem disciplina, mas tem o afeto. Ela fica agressiva, não tolera frustração, não sabe ouvir a palavra ‘não’;
3 – Autoritativo: nem autoritário, nem negligente. Vai contemplar a autoridade, expansividade e o afeto. Existe o diálogo em que a criança ou o adolescente possa desenvolver o senso de si, que os pais possibilitem que os filhos consigam ser eles mesmos.