Herói de quilômetros pisados em todos os cantos do mundo, aquele sapado já tinha as marcas do uso na sola gasta. Mas era um excelente sapato, companheiro do cotidiano.
Tinha que substituí-lo, pois começava a dar mostras de que escapava do pé. Não sei bem se é a gente que encolhe com o tempo ou se é o couro do sapato que espicha. Melhor pensar que reduzindo o “trago” o pé desincha. Tô nessa!
Pois comprei o sapato novo e já coloquei o velho pisante na caixa com o propósito de doá-lo ao primeiro necessitado que encontrasse. E foi prá já, ali mesmo no SHOPING L´AMÉRICA!
Vi três haitianos indo para a casa de câmbio e um deles tinha todos os dedos sobrando numa sandália sobrevivente do terremoto. Discretamente calculei o tamanho do pé e fui ao encontro dele.
Com um francês macarrônico cumprimentei, tirei da sacola a caixa de sapato e fiz a oferta. Com certeza ele nada entendeu e me achou com cara de vendedor ambulante. Felizmente o outro haitiano que estava junto entendeu, agarrou a caixa e agradeceu.
Daí então os dois começaram a falar na língua deles e observei que o sapato ficou com aquele que estava com as sandálias. Ótimo!
Feliz, fui sentar com a família para acompanhá-los num cafezinho e dê-lhe cruzar os pés, sacudi-los, bater nos sapatos novos e ninguém para comentar: – “E aí! De sapato novo, hem!”.
Tem mulher que reclama se ninguém repara no penteado novo, na roupa nova e tudo aquilo que está diferente. A indiferença dói!
No caso do meu sapato, ninguém dava bola. Tudo bem!
Ficarei feliz se os dedões do pé daquele haitiano se sentirem confortáveis no sapato velho que ganhou.
Enquanto isto vou continuar pisando por aí, sem qualquer notoriedade para o FERRACINI, amaciando os pés de viajante até que ele gaste a sola.
Se virem por aí um haitiano feliz, calçando um sapato preto com fivela no lado e o bico meio curvado para cima, é ele: aquele velho sapato, companheiro de andanças que por muitos anos foi o protetor de meus pés. Que Deus o proteja de terremotos. Amém!