Desde o dia 11 de julho, iniciou-se um debate acerca da infraestrutura de alguns pontos de Bento Gonçalves, em localidades específicas. Nessa data, foi protocolado pelo Poder Executivo o Projeto de Lei Complementar nº 10 de 2022, que segundo texto do ofício, busca alterar e incluir dispositivos no Plano Diretor, que por sua vez, foi aprovado em 2018.
Um dos bairros que pode ser afetado com mudanças é o Santo Antão, que das ruas Humberto Luigi Giacomello até a Alexandre Castelli, poderá ter seu zoneamento substituído de Zona Especial Residencial (ZR) para Zona de Ocupação Intensiva 1 (ZOI1). Com isso, prédios de até 16 andares poderiam ser construídos na região, buscando aumentar a densidade demográfica.
Moradores do Santo Antão discordam da mudança e já manifestaram sua contrariedade através de textos enviados à Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves e ao prefeito, Diogo Segabinazzi Siqueira. O assunto ainda segue em discussão antes de ser votado pelo Poder Legislativo. Até o fim do mês, 31, os parlamentares estarão aceitando projetos de emenda. Depois, em setembro, haverá Audiências Públicas para debater as alterações propostas.
Manifesto dos moradores
Nos dias 10 e 12 de agosto, aqueles que residem no bairro Santo Antão encaminharam para os poderes públicos de Bento um manifesto justificando o porquê das mudanças não serem válidas para a região. De acordo com o texto, há diversos pontos que embasam a opinião contrária, como o pouco tempo desde a aprovação do Plano Diretor até as alterações, impactos urbanísticos e ambientais e a modificação da vocação da região, que se estrutura a partir de casas.
O advogado e residente do bairro, Diego Dinon Buffon, foi um dos seis que assinaram o documento. Segundo ele, a reunião do Conselho Municipal de Planejamento (COMPLAN), que definiu essa mudança para o Santo Antão, em setembro de 2019, não contou com a presença de representantes da região. “Isso inviabilizou qualquer demonstração prévia, pelos moradores, da inadequação da proposta de alteração”, afirma.
Os motivos contra a mudança
Com o recente manifesto, eles puderam organizar, em um só documento, suas justificativas. Para os habitantes do local, é errado modificar as características de uma zona há muito tempo consolidada, sem estudos profundos acerca das implicações que prédios, por exemplo, poderiam trazer. “As pessoas procuram e permanecem no bairro em razão da baixa densidade populacional, pela predominância de moradias unifamiliares (casas) e também – e principalmente – pela cobertura verde ainda existente no local” argumenta o advogado.
Outro ponto de destaque é o tempo curto, de um ano e três meses, entre a aprovação do Plano Diretor e as sugestões do COMPLAN. “Tamanha celeridade reforça a suspeita dos moradores de que a proposta de alteração tem origem no setor privado, possuindo tão somente pretexto comercial. Do contrário, uma lei que passou por exaustivo tempo de estudo, não estaria sendo tão precocemente atacada por tentativas de emendas”, explica.
A questão ambiental também é muito defendida pelos residentes do bairro, pois segundo o manifesto: “zonas com alta densidade populacional são, por excelência, agravantes do problema da poluição”. Eles também concordam que um aumento exponencial na quantidade de moradores iria reduzir a cobertura de área verde na região, afetando a fauna e a flora local, que conta com Mata Atlântica e espécies de animais ameaçados de extinção.
Ações da comunidade
Para reforçar os pedidos da comunidade, um abaixo assinado também foi elaborado. Na manhã de ontem, 483 pessoas já haviam deixado suas assinaturas, a favor dos moradores e contra as mudanças.
Quanto a recepção dos argumentos, o advogado Buffon esclarece que tanto o legislativo quanto o executivo têm se mostrado abertos a ouvi-los. De acordo com ele, já houve conversas com alguns parlamentares, reforçando as razões expostas no manifesto. “Temos a expectativa de nos reunirmos em audiência com o prefeito Diogo na próxima semana, que prontamente aceitou nos receber. Temos convicção de que tanto os vereadores, como o chefe do Executivo, serão sensíveis às razões expostas e concluirão pela inadequação da proposta de alteração”, projeta.
O que é o Plano Diretor?
A Lei Complementar (LC) nº 200, de 27 de julho de 2018, busca agenciar a ordenação do território de Bento Gonçalves, delimitando e definindo como certos pontos da cidade devem ser construídos e expandidos. Esse conjunto de regras é o Plano Diretor, que deve ditar, dali para frente, como será estruturado o município. A LC conta com 185 artigos, detalhados em centenas de incisos, que ditam, em detalhes, como os poderes públicos devem proceder em quaisquer casos envolvendo a infraestrutura de casas, prédios, ruas, avenidas e bairros.
Reunião do COMPLAN e voto da AEARV
Todo o debate recente tem sido feito por conta de uma reunião no COMPLAN, que aconteceu em 14 de setembro de 2019. Nesse encontro, 18 representantes, de diversas associações do planejamento urbano, estiveram presentes para debater sugestões de mudanças no Plano Diretor de Bento Gonçalves. O zoneamento de parte do Santo Antão foi debatido no segundo tópico e aprovado, com exceção de dois votos contrários, da Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Região dos Vinhedos (AEARV) e da Faculdade de Arquitetura de Caxias do Sul (UCS).
O representante da AEARV no COMPLAN, o engenheiro Matheus Cenci Vanni, explica ao Semanário que votou contrário a sugestão de troca de zoneamento por tecnicamente não haver argumentos para tal mudança. “A área é consolidada, com predominância de moradias unifamiliares, faz parte de um bairro concebido para ser residencial e que carrega essa característica”, explica. Ainda segundo ele, não há estrutura viária que comporte o fluxo de veículos bairro-centro, principalmente no cruzamento próximo ao Moinho Isabela e Rua Fortaleza.
Questionado se esse voto contrário se mantém atualmente, o engenheiro afirma que as características técnicas mencionadas acerca de 2019 se mantém exatamente as mesmas. “Acredito que uma nova apreciação da matéria no COMPLAN, com maior número de conselheiros do que a reunião à época da votação que teve um baixo quórum, este projeto não seria novamente aprovado”, afirma.