Quem circula pelo interior de Bento Gonçalves, encontra um colorido diferente de outras épocas. São os tons de roxo das uvas, lembrando que é tempo de safra. Todos os anos, cria-se uma expectativa quanto ao volume, mas sobretudo, sobre a qualidade dos sucos, vinhos e espumantes que serão produzidos a partir da fruta. Por isso, a reportagem do Jornal Semanário conversou com pessoas ligadas ao setor, para descobrir qual a perspectiva para a safra 2021/2022.
Na Linha Buratti, onde tem propriedade, o agricultor Adelino Conci, 60 anos, dedica os doze meses do ano ao cultivo e preparo de uvas precoces. Na segunda-feira, 10, chegou a vez de iniciar uma nova e importante etapa do processo: a colheita e entrega das uvas. “Comecei colhendo a variedade Bordô”, conta.
A partir de agora, a rotina de Conci se divide entre estar embaixo das parreiras fazendo a colheita e, posteriormente, deslocando-se até a Cooperativa Vinícola Aurora, onde entrega o produto até duas vezes por dia. Como trabalha apenas com as precoces, a estimativa é que esse processo seja finalizado em até três semanas.
O agricultor acredita que a produção vai render cerca de cem toneladas da fruta. Em comparação com o ano anterior, por exemplo, o volume é inferior. “Ano passado colhemos 142 toneladas. Nem se compara. Perguntei para muitas pessoas e nunca foi visto uma safra como aquela. Foi excepcional. A gente colocava bins (caixa onde a uva é inserida após a colheita) embaixo das parreiras e não precisávamos andar muito, porque logo já ficava carregada”, compara.
A redução é atribuída à estiagem, enfrentada em todo Rio Grande do Sul. “Estamos sentindo os efeitos. Diminuiu a produção e o peso da fruta. Uma uva mais preta pode ter 15 graus, enquanto aquela murcha fica em 12 ou 13 graus, não tem açúcar, é azeda. Muda bastante”, explica.
Entretanto, com relação à qualidade, Conci está otimista. “Na minha propriedade, em termos de maturação, está muito boa, nosso técnico também disse isso. A cor também está boa, bonita e madura. A Isabel precoce (variedade) é uma uva especial para suco, vai dar sucos bons”, finaliza.
Sob o olhar das vinícolas
A Cooperativa Vinícola Garibaldi começou a movimentação de receber as primeiras variedades, mais precoces, para suco de uva e espumante, ainda na semana passada. Desde o dia 5 de janeiro, 230 mil quilos já foram entregues pelos produtores associados. De acordo com o presidente, Oscar Ló, essa semana a safra começa a se intensificar um pouco mais.
Na avaliação de Ló, os efeitos da estiagem devem reduzir o volume. “Ano passado recebemos quase 31 milhões de quilos. Esse ano, nossa expectativa era de receber em torno de 28 milhões, já tínhamos previsão de safra menor, porque ano passado foi grande. Agora, com a estiagem, provavelmente vai ser ainda menor. Estamos estimando receber em torno de 25 milhões de quilos”, projeta.
Contudo, a situação não é encarada como um problema. “Geralmente, trabalhamos com um pouco de estoque de um ano para outro. Então, essa redução não deve afetar os volumes que estão programados para serem comercializados”, garante.
Já a perspectiva dos produtos que os consumidores vão encontrar, é positiva. “Com relação a qualidade da uva, por enquanto, muito boa. Os anos mais secos, principalmente para vinhos tintos, dão as melhores safras. Então, existe expectativa de safra com excelente qualidade. É cedo ainda, esse cenário pode mudar, mas é o que temos até o momento”, afirma.
O gerente executivo da Vinícola Cainelli, Roberto Cainelli Junior, também prevê uma redução na quantidade de uva, mas acredita que a safra será de qualidade. “Acredito que é cedo para avaliar o cenário total. Sei que somos um setor especialista em adaptação, somos muito parecidos com a videira, no seu momento mais difícil, produzimos nossos melhores frutos. Com isso, finalizo dizendo que sim, temos uma queda de produção prevista pela frente, mas ao mesmo tempo, mais uma safra de grande qualidade”, afirma.
O que diz o sindicato
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Cedenir Postal, afirma que a expectativa é de apreensão, devido à falta de água enfrentada na Serra Gaúcha. “Estamos em período muito longo de estiagem, mesmo que tenha ocorrido chuvas na semana passada, em alguns lugares não foi suficiente. Esperamos que tenhamos chuva e que não venha em excesso, porque as vezes, para a uva, em uma semana está faltando (água) e na seguinte tem demais”, afirma.
Em relação ao volume da safra atual, Postal estima que, em comparação com o ano passado, a safra deve ser 40% menor. “Em relação a qualidade, só no decorrer dos próximos dias para sabermos. A gente sempre espera que saia um produto bom. Dependemos muito do clima, mas acredito que vá sair produtos de qualidade sim”, finaliza.