Promulgada como uma das medidas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para desafogar o sistema carcerário, as Audiências de Custódia, em vigor em Bento Gonçalves, desde o inicio desde ano, não devem alterar os números de apenados na cidade de forma significante, mas segundo a juíza criminal Fernanda Ghiringhelli, são uma forma eficiente de coibir arbitrariedades policiais
O levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, estimava, em 2016, que havia 726,7 mil detentos no Brasil. Já o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), afirmou, no mesmo ano, que 40% dos presos provisórios no País poderiam estar cumprindo medidas cautelares. Diante deste panorama, diminuir a população prisional tornou-se um dos objetivos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli. Para isso, entre as medidas que defende, destaca-se o fortalecimento das audiências de custódia, que permitem aos juízes, mais uma possibilidade de estabelecer se o preso autuado em flagrante deve responder em liberdade ou em regime fechado.
Instituídas pelo CNJ em 2015, as audiências de custódia obrigam o Estado a apresentar à autoridade judicial todo cidadão preso em até 24 horas após a prisão. Segundo a juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, a norma, que passou a valer em Bento somente neste ano, serve para que se constate a existência ou não de arbitrariedades na abordagem policial. “Ao ter esse contato direto com o preso num curto espaço de tempo entre a prisão e a realização da audiência, a norma é uma oportunidade de o juiz ter mais elementos para decidir se mantém a prisão ou não”, pontua.
Para evitar abusos policias
Como explana Fernanda, as audiências de custódia consistem na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante ou de cumprimento de mandado de prisão, com o objetivo de que o juiz avalie se a prisão ocorreu dentro da legalidade, sem o uso de tortura ou maus-tratos por parte dos policias. “O objetivo é verificar se houve agressão ou abuso de autoridade, se foram respeitados todos os direitos da pessoa no momento da prisão e também na Delegacia de Polícia, no momento da lavratura do auto da prisão em flagrante”, destaca. Ao verificar alguma forma de abuso, o juiz tem que encaminhar o caso ao Comandante da Brigada Militar ou ao Corregedor da Polícia Civil, dependendo de qual o órgão denunciado pelo preso, para que sejam tomadas as medidas disciplinares cabíveis.
“Existe uma situação que não é muito divulgada, de pessoas que respondem ao processo presas e, ao final, são absolvidas. Quem paga pelo que essas pessoas passaram? Seja um dia ou um mês que a pessoa passe presa injustamente, não há como reparar”
Embora seja imprescindível que o preso seja apresentado à audiência de custódia em um prazo curto, para que eventuais sinais de agressões ainda estejam aparentes, o prazo de 24 horas instituído pelo CNJ para essa apresentação dificilmente pode ser respeitado em Bento, sendo esse o principal empecilho, neste momento, para a aplicação do regramento. “Eu havia designado duas audiências de custódia para hoje e, em ambas, a Susepe não trouxe os presos, pois estava escoltando outros presos em audiência em Garibaldi. Não é má vontade, o efetivo é baixo e não dá conta de todas as atribuições, ainda mais em um presidio com mais de 300 presos, que precisam de escolta para audiências regulares, atendimento médico, sem falar na segurança da casa prisional e nas atividades administrativas”, sublinha. Ela destaca que uma solução futura seria a realização de audiências de custódia por videoconferência, quando a nova casa prisional de Bento Gonçalves for inaugurada e receber os equipamentos necessários.
Fernanda sublinha, ainda, que a normativa não gera impunidade e que, de modo geral, as pessoas têm direito a responder ao processo em liberdade, até que haja uma decisão condenatória. “Impunidade seria alguém, condenado, que não cumprisse a pena imposta. Se o indivíduo está respondendo ao processo é porque ainda não há certeza sobre a autoria ou materialidade”, destaca.
Os números de Bento
Embora as audiências de custódia sirvam para definir se o preso responderá em liberdade ou em prisão provisória, a norma não deve alterar significantemente os números de presos em Bento. “Quando homologam o auto de prisão em flagrante, os juízes já avaliam se é caso de manter a prisão ou não. Em razão disso, creio que a audiência de custódia não vai trazer novidades nos índices de soltura em Bento Gonçalves. A menos que surja um fato novo e inesperado, que faça o juiz que já convertera a prisão em flagrante em prisão preventiva alterar tal decisão”, opina Fernanda.Segundo dados da 1ª Vara Criminal, já foram realizados 21 audiências de custódia em Bento Gonçalves, não tendo havido concessão de liberdade provisória em nenhuma delas.
A 1ª Vara informou, ainda, que houveram relatos de agressões praticadas por policiais em algumas das audiências, tendo sido expedidos ofícios para apuração pelos órgãos competentes.