Uma resolução do Banco Central do Brasil, publicada em junho, tem preocupado o setor vitivinícola. Ela estabelece que os bancos são desobrigados de financiar a comercialização da uva por meio das linhas de crédito de Empréstimo do Governo Federal (EGF). De acordo com lideranças, a medida bagunça o setor e faz com que preço mínimo não seja mais cumprido.
Antes da resolução, as instituições bancárias eram obrigadas a destinar recursos do Governo Federal para financiar empresas e cooperativas na compra da uva, com juros abaixo dos praticados pelo mercado. Para ter acesso ao dinheiro público, a indústria era obrigada a pagar o preço mínimo, estabelecido pela legislação, para os produtores. Mas com a mudança, a lei perde validade.
De acordo com o diretor executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Paviani, a questão é vista como algo muito negativo para o setor vitivinícola. “Toda política de manutenção do preço mínimo está baseada no crédito de comercialização. E quando o governo tira isso, quer dizer que só vai ser utilizado o preço de mercado”, explica.
Paviani acredita que as vinícolas ou cooperativas que precisarem de crédito terão que negociar diretamente com o produtor. “Antes, para conseguir, tinha que obrigatoriamente pagar o preço mínimo”, ressalta.
Ele argumenta que a resolução deve prejudicar tanto as empresas, que estarão sujeitas às oscilações de preço, como os produtores, que podem ter a renda comprometida. “A vinícola e o produtor acabam perdendo. Pode ser que as empresas paguem preços diferentes para a uva e isso interfere na igualdade de condições de investir no mesmo mercado. Desiquilibra as bases de concorrência”, argumenta.
Busca por soluções
Para tentar reverter a situação, o Ibravin esteve reunido, nesta semana, com o técnico responsável do Ministério da Agricultura, João Fagundes Salomão. Segundo Paviani, o objetivo da entidade é levar as demandas até as autoridades competentes, em Brasília. “É necessário continuar financiando com recursos controlados. A resolução poderia ser modificada pelo próprio Banco Central”, considera.
Na opinião do diretor executivo, até o próximo ano deve haver resultados concretos. “É possível que demore, talvez até maio, mas vamos conseguir reverter”, prevê.
Pagamento demorado
O diretor executivo da Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi), Darci Dani, entende que as empresas estão utilizando pouco os EGFs, uma vez que o juro se aproxima do preço de mercado e não é lucrativo como a alguns anos atrás. “Nós temos a impressão que as vinícolas não estavam mais usando. Elas estão fazendo acerto com o produtor ou pagam com recurso próprio. Por isso, achamos que não vai afetar muito”, aponta.
Ele ressalta que o índice de juros dos EGFs subiu muito nos últimos anos, de 6% para aproximadamente 9%. Isso fez com que as empresas tivessem que aderir a outras formas de pagamento ao produtor rural. “Não era mais uma taxa interessante”, comenta.
Por outro lado, Dani ressalta que as vinícolas podem demorar mais do que o habitual para pagar os produtores, em alguns casos. “Algumas empresas, que não tem muito capital de giro, não conseguem fazer o pagamento total. Isso vai passar a ser mais frequente na comercialização da uva”, prevê.
Além disso, ele observa que as vinícolas ainda não estão informadas sobre a portaria, visto que os empréstimos para a comercialização da uva já foram concedidos nesse ano. “Poderá acontecer situações em que as vinícolas não se sintam obrigadas a pagar o preço mínimo. Talvez isso acabe sendo agravado”, aponta.
“A situação está ruim e tende a piorar”, afirma presidente do Sindicato
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira, Santa Tereza e Monte Belo do Sul, Cedenir Postal, com a retirada da obrigação dos bancos em financiar as empresas por meio de Empréstimos do Governo Federal (EGFs), a tendência é que o agricultor receba menos. Ele ainda lamenta que as empresas demorem a pagar a uva para os produtores rurais.
Na opinião do presidente, a medida do Banco Central deve prejudicar bastante o setor, uma vez que as vinícolas possuem suas próprias políticas de mercado. “Por exemplo, se elas precisam de determinada uva, pagam acima do valor de mercado. Se não, criam empecilhos para pagar o mínimo possível”, comenta.
Segundo lideranças do setor, o texto desobriga os bancos a financiar a comercialização da uva com dinheiro do Governo e impede a regulação do setor, uma vez que a prática deixa de ser financiada com recursos públicos. Para o Governo Federal, a medida melhora as contas públicas e traz mais sustentabilidade financeira a programas como o Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
De acordo com o presidente, algumas empresas do setor fazem o que bem entendem com os produtores rurais. Ele aponta que tem recebido relatos de alguns que ainda não receberam o pagamento pela comercialização da uva, da safra de 2016. “Às vezes os agricultores ficam na mão deles, agora vai ficar ainda pior”, reitera.
Para Postal, é necessário que haja regulamentação, tendo em vista garantir, como direito, o preço mínimo da uva. “Acho que a situação do agricultor está ruim e tende a piorar, porque tudo era condicionado pelas EGFs”, ressalta.
Segundo o presidente, é necessário que os sindicatos e entidades representativas do setor se mobilizem para garantir um piso, mesmo não tendo a linha de crédito que financia o pagamento da produção.”Nós, junto com a Comissão da Uva, temos que pressionar. Precisamos lutar para que o agricultor não tenha ainda mais perdas”, ressalta.
Para diretor da Fecovinho, resolução bagunça todo o setor
O diretor executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), Hélio Marchioro, afirma que a resolução bagunça todo o setor, uma vez que desmonta com as políticas públicas aplicadas à comercialização da uva, como o preço mínimo. Ele ainda coloca que o documento ameaça outros cultivos, já que o incentivo ao escoamento, por exemplo, também está ancorado no financiamento com recursos federais.
Segundo Marchioro, resoluções assim é que contribuem para que a indústria nacional de vinhos não seja competitiva. “Se somar tributos e custos, o vinho brasileiro é mais caro do que o importado. Temos que considerar, inclusive, que os importados têm uma base de tributação menor, na origem”, explica.
Marchioro salienta que o juro com preço de mercado, sem incentivo governamental, inviabiliza o negócio vitivinícola. Como solução, ele sugere que as cooperativas de crédito adotem estratégias para baixar a taxa dos financiamento em relação ao mercado. “Enquanto a Serra Gaúcha empresta dinheiro para todo o Brasil, o Sicredi só pode investir na sua área de atuação. Assim ele consegue reduzir um pouco o percentual”, afirma. Ele observa ainda que os bancos não vão decidir ganhar menos, quando podem livremente aplicar o juro de mercado.
Impacto político
O principal problema levantado por Marchioro é o desmonte das políticas públicas na comercialização de produtos do meio rural. Segundo ele, o preço mínimo e o escoamento perdem validade. “Alguns estão achando interessante porque pensam que a lei do mercado é melhor, mas não faz sentido”, argumenta.
Como exemplo, ele cita um caso hipotético onde é necessário escoar o estoque excedente de uva. “Sem uma política pública, não tem escoamento. Bagunça todo o setor”, afirma.
Em relação ao preço mínimo, o diretor executivo observa que o produtor rural ficará desassistido, uma vez que não há garantia de comercialização. “Por exemplo, se eu não usar o recurso convencional, de crédito, eu estou desobrigado a pagar o preço mínimo. Se eu não pagar o preço mínimo, a relação será de preço de mercado. E no momento em que não tem preço mínimo, você deixa o produtor rural, da agricultura familiar, descoberto”, afirma.