A batalha contra a diferenciação de gêneros e outros tantos preconceitos estabelecidos pela sociedade ao longo das gerações segue conquistando vitórias e novos espaços. Na árdua trajetória, as mulheres conseguiram se firmar através de seu esforço, deixando de lado o título imposto de “sexo frágil”. No entanto, seguem sendo vítimas de discriminações. Apesar de todos os direitos conquistados, na área política, apenas 10% de mulheres compõem o parlamento brasileiro. Em Bento Gonçalves, na atual legislatura, nenhuma representante do sexo feminino conseguiu êxito na eleição de 2016. Reflexo da falta de apoio, não só para a política, mas para o surgimento de lideranças na comunidade. É o que apontam ex-vereadoras que estão prestes a receber uma ala destinada a elas na Câmara Municipal.
Segundo o sociólogo e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Dr. César Goes, a participação da mulher no campo político é pequena por motivos culturais e não somente ao comportamento feminino propriamente dito. Ele acredita que a cultura machista da sociedade é a grande responsável pela atual situação. “É importante ressaltar que o machismo é arraigado no comportamento social, porque é um processo de dominação milenar, muito anterior à sociedade contemporânea. Cada vez que virmos uma mulher na política, podemos ter certeza que ela superou muitas barreiras para chegar naquele lugar, indiferente da ideologia política que ela defenda. É comum, inclusive, no campo da política, ver que há mulheres que enfrentaram a pauta machista, mas que no jogo de poder acabam por defender o machismo que antes enfrentaram”, explica.
Conforme relatório divulgado pelo Tribunal Regional Eleitoral – TRE-RS, dos 13 partidos existentes no município, apenas um tem como presidente uma mulher. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) é comandado por Jandira Arnot Kaezala. Eleita neste ano para dirigir a sigla, ela acredita que o espaço destinado às mulheres é muito pequeno.
Jandira justifica que a forma como o tema é conduzido e a falta de incentivo são os principais entraves para maior participação em pleitos eleitorais. “Há uma questão histórica. Durante longa data, o homem era considerado como maior liderança e de grande habilidade de gestão. Hoje, o sexo feminino está mais capacitado em várias áreas. Não é o gênero que vai limitar quem é capaz. A mulher precisa de mais espaço na política. É ela quem vai dar um ponto de equilíbrio, uma análise mais cautelosa”, ressalta.
Indagada sobre o último pleito em Bento, na qual foi candidata a uma cadeira no Legislativo, Jandira afirma que foi uma decepção não terem sido eleitas mulheres. “Haviam ótimos nomes, mas, infelizmente, nenhuma conseguiu êxito. As mulheres precisam participar mais, se impor, para quem sabe, estimular outras a buscar vagas na Câmara de Bento. Como presidente do PSDB, a intenção do meu mandato é preparar lideranças femininas para disputarem uma eleição no futuro”, afirma.
Prova da resistência em garantir a participação das mulheres no espaço político pode ser vista pelo pequeno número de vereadoras eleitas ou suplentes ao longo da história de Bento. De 1964 até hoje, apenas 11 conseguiram exercer a função. Dessas, apenas nove receberam votos suficientes para legislar, outras duas ficaram na suplência e assumiram o mandato por um curto período.
Em 1964, pela primeira vez, aos 27 anos, Mafalda Maria Michelon Neis, 81, conquistava uma vaga no Poder Legislativo de Bento Gonçalves. Ela foi eleita pelo Partido da União Popular (PUB). Segundo a octagenária, naquele tempo as campanhas eram mais simples e feitas por pessoas da comunidade. Mafalda lembra que a grande maioria dos votos conquistados veio do bairro Maria Goretti, onde era diretora de um grupo escolar. “Nunca pensei em entrar para a política, mas fui convidada, pois as pessoas achavam que eu era uma liderança da comunidade. Foi um período muito bom. Graças ao senhor Claimar Gazzoni consegui me eleger. Aprendi muito. Batalhei pelo calçamento e construção da escola lá no Maria Goretti. No entanto, não consegui muita coisa. Tudo porque eu era do partido de oposição ao prefeito”, lembra.
Mafalda disse que saiu da política porque não se via mais como vereadora. “Durante toda a minha vida exerci funções de gestora e não de criadora de leis. Como vereadora, era quase impossível conseguir algum benefício para a comunidade, por ser oposição à administração”. Ela garante que nunca foi convidada para concorrer à prefeitura de Bento, mas acredita que seria uma boa gestora. “Nunca tive a oportunidade, mas se fosse eleita prefeita, acho que faria um bom trabalho por Bento Gonçalves”. Indagada se não estaria na hora de uma mulher assumir o cargo, ela acredita que sim. “Hoje Bento Gonçalves tem muitas mulheres capazes, às vezes, mais preparadas do que os homens para serem lideranças políticas. Acho que está na hora de uma mulher ser prefeita de Bento. Não custa tentar. A mulher precisa ter mais incentivo”, afirma. Depois dela, outras lideranças conseguiram êxito no processo eleitoral. Destaque para Mercedes Cavalet, primeira a conseguir se reeleger (1977-1983 / 1983-1988), pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) que depois passou a ser chamado de Partido Democrático Social (PDS).
Além de Mafalda e Mercedes, Volida Dalla Coletta (PTB), Selma Schiedeck (PT), Angela Regiona Ozelame Bassotto (PMDB), Vitória Conceição Salton Ligori (PPB, hoje PP), Eneiva Teresinha Sassi Cristofoli (PP), Elisabeth Luci Toso Stefenon (PMDB), Marlen Lucilene Pelicioli Ballotin (PPS), Neilene Lunelli (PT) e Alzira Sanches Rossini (PT), ocuparam uma cadeira no legislativo bento-gonçalvense.
Potencial para conquistar novos cargos e espaços
Segundo o Projeto Nacional Mulheres Inspiradoras (PMI), cerca de 40% das mulheres são chefes de família no país e isso propicia o potencial para elevar a participação feminina no sistema político. Na avaliação de Goes, o apoio partidário é importante, porém, só com o passar dos anos é que mudanças significativas poderão ser percebidas. “No futuro veremos mais e mais mulheres no comando da economia e da política. Mas se olharmos na cultura recente, o massacre ao qual a presidente Dilma foi submetida, em muito pela sua condição de mulher, não deixa margem de dúvidas, quanto ao árduo caminho que teremos pela frente para construir esta equidade”, pontua.
Conforme a ex-vereadora Neilene Lunelli, eleita por dois mandatos consecutivos e no último pleito, candidata a prefeita de Bento, as principais dificuldades encontradas foram o respeito e a falta de diálogo com a mulher. Ela acredita que ainda se vive numa sociedade machista e que restringe a participação feminina nas decisões da comunidade. “Quando assumi uma cadeira na Câmara, pude sentir na pele a indiferença e a falta de espaço. Por Bento ter ficado muitos anos sem uma representante no Legislativo, sofri muitos enfrentamentos, as minhas ideias nunca eram bem vistas. Aos poucos, fui mudando essa visão lá dentro. Nós, mulheres, podemos acrescentar muito na política”, frisa.
Neilene acredita que é preciso dar mais espaço as mulheres na política bento-gonçalvense. Ela lembra o último pleito, quando foi indicada pela coligação a concorrer ao cargo de prefeita, em virtude do trágico falecimento de seu irmão, Roberto Lunelli, ex-prefeito. “Senti certo machismo quando fui candidata à majoritária. Mesmo em um curto período de campanha, devido à situação que vivemos, foi muito difícil mostrar para a comunidade que a mulher pode fazer diferente na política. Eu perdi a eleição, mas aprendi muito mais com tudo o que vivi. O preconceito com o gênero precisa ser extinguido”, acredita.
Lideranças comunitárias
Além da política, o número de mulheres encabeçando Organizações Não Governamentais (ONGs) e associações comunitárias é pequeno, se comparado a quantidade de entidades existentes em Bento. Segundo Goes, o machismo segue como o principal motivo. No entanto, ele afirma que nas entidades sociais, o número de líderes femininas é muito maior, se comparado ao campo político. “Em espaços de ONGs e organizações mais alternativas, o número de mulheres é visivelmente maior, uma vez que ali as regras são mais explícitas e pautadas por horizontes mais equilibrados. Claro que muitas destas organizações não se diferenciam muito das outras organizações sociais, mas é um campo de maior militância e confrontos políticos mais abertos, com pautas mais claras. Assim, o poder feminino pode resultar em maior eficácia, pois muitos dos obstáculos estão mais visíveis para serem enfrentados”, enfatiza.
Falta de oportunidade pode ser principal fator para exclusão social
Em todos os grupos, quando o assunto é discriminação, seja ela por sexo ou raça, o quesito beleza também ganha destaque. Nos últimos dois anos, duas negras, Raissa Santana (2016) e Monalysa Alcântara (2017), conquistaram o título de Miss Brasil, feito considerado inédito, mesmo o país sendo composto, em sua maioria, por negros (cerca de 54%), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, as redes sociais presenciaram cenas e comentários de puro preconceito, em relação a raça das candidatas. Ofensas e questionamentos sociais foram feitos nos perfis das vencedoras e na página do concurso.
De acordo com Goes, o preconceito social ainda aparece de forma trágica na sociedade, principalmente nas redes sociais, uma vez que parte das pessoas ainda não sabem como regular este espaço, por exemplo, punindo as manifestações 02de ódio e preconceito. O sociólogo afirma que isso acontece também fora das redes. “Imaginem o que acontece quando o preconceito de gênero soma-se ao preconceito de cor. Não me surpreenderia se no depoimento de nossas duas misses, tivéssemos diversas narrativas deste tipo de preconceito que, dada à vitória que obtiveram, souberam superá-los”. Ele afirma que concursos de beleza são muito complicados, uma vez que sinaliza à sociedade um padrão desejável, como se fosse possível pensar que este padrão existiria. “No entanto posso pensar que mulheres negras conseguindo chegar nestes espaços, antes só de brancos, é uma coisa boa na sociedade”, salienta.
Buscando conhecer a realidade local, desde a primeira até a última escolha das soberanas da Fenavinho, nenhuma das eleitas era negra. Goes acredita que o motivo em si não significa que a comunidade italiana é mais ou menos racista que as outras regiões étnicas no Brasil, mas sim, pela questão econômica-social, algo que é visto no país inteiro. “Muitos podem achar que isso seria naturalmente aceito e nisso reside o problema. Naturalizamos a hierarquização por critérios parciais. Prefiro pensar que ainda não tivemos uma rainha negra para a Fenavinho porque a maioria dos negros no Brasil, pelo alto grau de exclusão social, são pobres. Nossa escala social também guarda um tanto de racismo porque ainda somos uma sociedade com cabeça de escravocrata. Não tenho dúvidas que um dia saudaremos o entronamento de uma rainha negra. Tudo é questão de tempo também e espero sinceramente que seja logo”, acredita.