Reconhecida pelo catolicismo popular, Bento Gonçalves já possui 17 denominações religiosas. Em cinco anos, o número de igrejas mais que dobrou. As congregações evangélicas e pentecostais lideram essa lista. O número pode ser ainda maior, conforme dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que aponta cadastros realizados com nomes de associações e que não se enquadram ao caráter religioso, porém realizam atividades voltadas aos cultos e celebrações. No contexto social, na medida em que a população cresce, proporcionalmente surgem templos das mais diferentes devoções. Para religiosos, a procura por palavras de conforto e ajuda para suprir carências pessoais são os impulsionadores para a abertura de novas denominações.
De acordo com o doutor em Sociologia e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul, Cesar Goes, há uma corrente em todo o país que mostra o crescimento de outras denominações cristãs, principalmente as pentecostais e neopentecostais. A linguagem popular, o acolhimento às pessoas e a hierarquia menos rígida são os principais aspectos que direcionam este crescimento. “É uma dinâmica de militância e de agregação. A mensagem pentecostal é mais apelativa, principalmente para os grupos mais empobrecidos. A igreja serve como comunidade de acolhimento, ou seja, há um grupo que pensa como o fiel, que passa por situações semelhantes a dele e que descobriu, em torno da ideia de comunidade religiosa, algumas possibilidades de superação do seu problema”, explica.
Procurados pelo Semanário, apenas um representante de um dos principais templos evangélicos de Bento, que pediu para não ser identificado, afirmou que as pessoas buscam a igreja para superar traumas familiares, que vão desde divórcios até problemas financeiros e de saúde. Ele acredita que o crescimento está atrelado à aproximação com a linguagem do povo. “Vamos direto ao ponto. O fiel precisa entender a mensagem. Através da palavra de Deus, mostramos alternativas para melhorar de vida e vencer as tribulações”, explica.
Multiplicação de templos e fieis
O avanço de cristãos evangélicos é propulsor da multiplicação de templos. Em Bento Gonçalves é visível a proliferação de igrejas, sejam em áreas centrais ou bairros mais afastados.
O professor Goes, observa que, muitas vezes, o trabalho começa a ser realizado na cidade de maneira informal, às vezes em uma garagem de casa, com um grupo de pessoas que já se consideram uma determinada igreja e querem começar um novo projeto pastoral que vai definir o futuro da denominação cristã. “Como o pentecostalismo está muito ligado às comunidades mais humildes, é natural que ele continue a crescer e que seus protagonistas encontrem um espaço muito adequado para exercitar suas capacidades de lideranças e empreendedorismo. Não vejo como algo negativo ou positivo. É uma necessidade que a sociedade precisa. Depois a experiência religiosa é que definirá se essa igreja estará vinculada aos interesses do fiel ou dos interesses da sua organização”, pontua.
Definições
De acordo com o relatório divulgado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, em Bento Gonçalves, nos últimos cinco anos, predominam as igrejas com orientação pentecostal e neopentecostal. São elas: Igreja Mundial do Poder de Deus, Associação Brasileira Igreja Jesus Cristo Santos Últimos Dias, Igreja Local Nova Aliança de Bento Gonçalves, Igreja Internacional da Graça de Deus, Associação Bíblica e Cultural do Novo Mundo, Igreja Batista Nacional Agape, Igreja Batista Independente de Bento Gonçalves, Primeira Igreja Batista em Bento Gonçalves, Igreja Evangélica Internacional Catedral dos Milagres, Ministério Vinho Novo, Igreja Pentecostal Só Jesus Salva, Igreja do Evangelho Pentecostal Jesus para as Nações, Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Bento Gonçalves Cristo é o Senhor, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Pentecostal Profetizando as Nações no Poder de Deus e Igreja Evangélica Jesus é o Senhor dos Milagres.
Para Goes, o atual momento das igrejas pentecostais e neopentecostais não podem ser considerados positivos ou negativos. “Se há um sentido onde o fiel não vai reproduzir um interesse que vá contra a sua sobrevivência e dos seus bens materiais, além de permitir o seu progresso individual, eu acredito que seja positivo. O ponto negativo é quando a igreja transforma a necessidade do povo numa alavanca para o seu crescimento. E, muitas vezes, o interesse do fiel fica subordinado ao espetáculo. E isso há também na igreja católica, com padres cantores, por exemplo”, finaliza.
Entrevista com o doutor em Sociologia, Cesar Goes:
Semanário: De um modo geral, como o senhor vê o crescimento das igrejas, sem elas, Católica, evangélicas, entre outras?
Goes: O que nós podemos ver, é que na medida em que a população aumenta, as cidades se expandem e, proporcionalmente, vão surgindo templos das mais diferentes devoções. Isso está atrelado, principalmente, ao fenômeno que é o pentecostalismo, que é uma ideia mais autônoma de profissão religiosa. Qualquer indivíduo formado na ideia do pastorado, de liderança religiosa é normal que ele possa reunir recursos e, a partir disso, abrir a sua igreja. É muito comum que no início, esses templos estejam instalados em garagens, pequenos galpões e, lentamente, de acordo com o carisma do seu pastor, vai reunindo mais religiosos até ganhar afeição. Isso é da natureza do pentecostalismo. É muito diferente das igrejas tradicionais, onde a abertura de um templo é mais demorada, vinculada às ordens missionárias. Isso é uma tradição que já vem de parte do protestantismo americano.
Semanário: Quais os principais fatores que levam as pessoas a frequentarem essas novas igrejas?
Goes: É muito mais comum a conversão de pessoas para as igrejas pentecostais ao do que para a igreja Católica ou pra igrejas protestantes tradicionais. A forma de adesão é diferente: as tradicionais há um crescimento pela própria tradição, que vem de berço. Os indivíduos nascem nestas famílias tradicionalmente religiosas, são batizados e se não houver um motivo de ruptura, ele não sairá dessa igreja. No pentecostalismo, é uma dinâmica de militância e de agregação.
A mensagem pentecostal é mais apelativa, principalmente para os grupos mais empobrecidos, que passam por muitas dificuldades. Não é que vão buscar a igreja como o último lugar, o último apelo. A igreja serve como comunidade de acolhimento, ou seja, há um grupo que pensa como ele, que passa por situações semelhantes e que descobriu, em torno da ideia de comunidade religiosa, algumas possibilidades de superação do seu problema. Nesse sentido, eles deixam de se sentir abandonados pelo mundo, os problemas e os dilemas são compartilhados. É esse o principal motor do crescimento das igrejas, uma forte capacidade de agregação comunitária, aliado a uma estrutura e dinâmica de formação de agentes religiosos. Acolhimento, boa organização e um forte carisma são elementos que criam esse processo de atração, principalmente das populações mais carentes para as igrejas pentecostais e neopentecostais.
Semanário: A linguagem fácil, a humanização do pastor aos fieis, podem ser importantes fatores para este crescimento?
Goes: As religiões nascem dessa prática de acolhida ao seu fiel. Com o crescimento das igrejas pentecostais, as tradicionais se viram obrigadas a voltar aos seus princípios fundadores, com a prática de maior acolhimento, um pouco tarde para a igreja Católica, vindas após o Concílio Vaticano II. Essa explosão ajudou os católicos a modificarem algumas posturas. A regularização das igrejas também pode ser considerada fator importante para o seu crescimento.
Semanário: Na sua opinião, o que pode ocorrer com esse aumento no número de igrejas? É positivo ou negativo?
Goes: Se a comunidade for constituída de um sentido onde fiel não vai reproduzir um interesse que vá contra a sobrevivência desse indivíduo e dos seus bens materiais, além de permitir o seu progresso individual, eu acredito que seja positivo. O ponto negativo é quando a igreja transforma a necessidade do fiel numa alavanca para crescimento. E, muitas vezes, o interesse do povo fica subordinado ao espetáculo. E isso há também na igreja católica, com padres cantores, por exemplo. Como o pentecostalismo está muito ligado às comunidades mais humildes, isso fora do Brasil, em diversos continentes, é natural que o pentecostalismo e o neopentecostalismo continuem a crescer e que seus protagonistas encontrem um espaço muito adequado para exercitar suas capacidades de lideranças e empreendedorismo. Não vejo como algo negativo ou positivo. Vejo como uma necessidade que a sociedade precisa. Depois, a experiência religiosa é que definirá se essa igreja estará vinculada aos interesses do fiel ou dos interesses da sua organização.