Com mais um pleito municipal se aproximando, o cenário político de Bento Gonçalves começa a reverberar aspectos que marcaram as eleições passadas. Figuras já conhecidas voltam à cena, enquanto novos rostos surgem na disputa. O que aconteceu em disputas anteriores ainda tem muito para dizer a respeito da situação atual. Relembre quem foram os candidatos que estiveram nas últimas corridas pela prefeitura de Bento Gonçalves, quem venceu, quais foram as porcentagem de votos, e como o contexto político de cada época influenciou nesses resultados.

Desde 2008, a quantidade de candidatos nas eleições à prefeitura de Bento Gonçalves variou de dois a nove concorrentes. O cientista político da Universidade de Caxias do Sul (UCS), João Ignacio Pires Lucas detalha aspectos que levam à baixa quantidade de candidaturas nas eleições à nível municipal, especialmente em cidades com menos de 200 mil habitantes, onde não há segundo turno. “Do ponto de vista da ciência política, em eleições majoritárias, como são as municipais, a chapa vencedora leva tudo, mesmo que vença por um voto. Para o eleitor, o voto não deve ser disperso. Isso gera a possibilidade de no máximo três candidaturas: uma que tem chance de ganhar, outra com uma perspectiva ideológica diferente e, por fim, uma terceira, que é difícil devido à polarização política”, comenta. Pires também aborda como o eleitor tende a se comportar nesse tipo de situação. “Tendem a optar pelo “voto útil”, favorecendo as chapas com mais chances. Assim, sistemas totalmente majoritários, como os dos Estados Unidos e Inglaterra, resultam em um bipartidarismo, enquanto na França, com um segundo turno, há uma configuração um pouco mais multipartidária,” destaca.

Eleição de 2008

A disputa pelo pleito de Bento Gonçalves em 2008 foi a última, até então, a proporcionar uma disputa direta entre dois candidatos, sem coadjuvantes ou uma terceira via. De um lado, o advogado e então prefeito Alcindo Gabrielli (PMDB); Do outro, o professor universitário e ex-vereador Roberto Lunelli (PT), que nesta eleição adotou o nome de campanha “Professor Lunelli”, como consta no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Gabrielli, advogado de formação, iniciou sua trajetória política em 1992, quando foi eleito vereador em Bento Gonçalves, sendo reeleito em 1996. Em 2000, após dois mandatos no Legislativo, migrou para o Executivo, ocupando o cargo de vice-prefeito em parte da gestão de Darcy Pozza. Em 2004, Gabrielli foi eleito prefeito da cidade. Lunelli, por sua vez, professor graduado em Matemática, começou sua carreira política em 2000, ao ser eleito vereador em Bento Gonçalves. Mais tarde, concorreu a vice-prefeito em 2004, ao lado de Maria Tereza Rizzardo (PDT) e a deputado estadual em 2006, porém, não obteve sucesso em nenhuma dessas tentativas.

Nas urnas, Roberto Lunelli conquistou uma vitória expressiva, recebendo 38.148 votos, o equivalente a 62,5% dos votos válidos, tornando-se o primeiro petista a assumir o cargo de prefeito de Bento Gonçalves. Gabrielli obteve 22.877 votos, totalizando 37,5%, encerrando seu mandato iniciado em 2005. A soma de votos nulos, brancos e abstenções, que não são contabilizados como válidos, atingiu 15.192, representando cerca de 20% dos eleitores aptos a votar.

João Ignacio Pires Lucas explica como o cenário político nacional da época influenciou diretamente as eleições em Bento Gonçalves. “Estávamos no segundo governo Lula, e tanto no plano nacional quanto estadual havia uma polarização pró-PT e anti-PT. Esse cenário influenciou as eleições municipais, que, apesar de terem dinâmica própria, coincidiram com outras cidades da região, como Caxias, onde também houve apenas duas candidaturas”, ressalta.

Pires destaca que era um momento favorável para coligações. “Vivíamos uma polarização, mas não havia a tentativa de criminalização das forças políticas. Em Bento, uma candidatura com apenas três partidos coligados derrotou outra com dez. A ausência de segundo turno praticamente obriga os partidos a formar coligações”, pontua, evidenciando como o cenário polarizado no segundo governo Lula, acabou favorecendo candidaturas com menos concorrentes, mas sustentadas por coligações amplas, moldando o resultado nas urnas.

O matemático Roberto Lunelli, prefeito eleito em 2008 e o segundo candidato mais votado na eleição de 2012 (Imagem: Jefferson Botega / Agência RBS)

Eleição de 2012

Desta vez, apesar de haver cinco candidatos concorrendo, a disputa principal ficou entre dois nomes: de um lado, o prefeito Roberto Lunelli (PT), que buscava a reeleição; Do outro Guilherme Pasin (PP), formado em Direito, iniciou sua trajetória política cedo, filiando-se ao PP em 2001, aos 18 anos. Já havia concorrido a vereador em 2008, porém, ficou apenas na suplência e não chegou a exercer o cargo no Legislativo de Bento Gonçalves.

Além dos dois protagonistas, outros três candidatos participaram da disputa: Juarez Piva (PDT), Adroaldo Dal Mass (DEM) e Elmar Cainelli, conhecido como ‘Cainellinho’ (PSC).

Lunelli contava com o apoio do Governo Federal vigente e com a experiência de seus quatro anos à frente da prefeitura. Já Pasin obteve o respaldo de importantes figuras políticas locais, como o ex-prefeito e ex-deputado federal Darcy Pozza, e a escolha de Mário Gabardo (PMDB) para compor a chapa como vice-prefeito.

A eleição foi marcada por uma disputa extremamente equilibrada, com Pasin vencendo por uma diferença de apenas 383 votos. Ele obteve 29.395 votos, representando 44,8% dos votos válidos, tornando-se o prefeito mais jovem a assumir o Executivo em Bento Gonçalves, aos 29 anos. Lunelli, por sua vez, recebeu 29.012 votos, equivalentes a 44,21%. Juarez Piva conquistou cerca de 8,48%, Dal Mass somou 2,25% e Cainellinho teve 0,26%. O total de votos nulos, brancos e abstenções chegou a 15.273, totalizando 18,9% do eleitorado apto a votar.

Pires aborda fatores que culminaram na derrota de Lunelli. “As eleições, quando há possibilidade de reeleição, acabam sendo uma espécie de plebiscito para a aprovação ou reprovação da gestão vigente. Em 2012 estávamos no início do primeiro governo Dilma, em um ponto onde o PT estava começando a se desgastar, não só no cenário nacional, mas também a nível estadual, com o governo Tarso Genro. Ou seja, havia uma superexposição do partido, que acabou sendo crucial para que Roberto Lunelli não fosse reeleito”, destaca o cientista político. Pires também aponta outros fatores que colaboraram para a derrota do Partido dos Trabalhadores em Bento Gonçalves. “Houve uma grande mobilização da oposição para tirar o PT do poder. Novamente refletindo aspectos vistos na eleição anterior, especialmente com coligações. Mesmo assim, Pasin derrotou Lunelli por uma diferença muito pequena de votos. Em resumo, a estrutura da eleição de 2008 acabou de certa forma se repetindo, porém, eventualmente com uma disputa mais acirrada”,  explicando que, apesar de haver cinco candidatos, a disputa principal ficou concentrada em duas candidaturas.

Mário Gabardo (vice) e Guilherme Pasin (prefeito), vencedores da eleição mais acirrada da história recente de Bento Gonçalves, em 2012 (Imagem: Emanuele Nicola / ASCOM Prefeitura de Bento Gonçalves)

Eleição de 2016

O rumo da eleição de 2016 em Bento Gonçalves começou a ser traçado meses antes da disputa. O PMDB já havia anunciado que lançaria um candidato, e em 23 de junho, Mário Gabardo, expoente do partido e vice-prefeito de Pasin, renunciou ao cargo. Ele alegou falta de diálogo constante com o prefeito e pouca participação nas decisões da prefeitura, além de divergências políticas. Com a saída do PMDB, o PP perdeu o apoio do partido que foi o seu principal aliado na eleição anterior.

Como já era esperado, o Progressistas lançou a candidatura à reeleição do prefeito Guilherme Pasin, desta vez, o escolhido para compor a chapa como vice foi o ex-prefeito Aido Bertuol (PP). A perda do apoio do PMDB foi compensada por uma coligação ainda mais robusta, que incluiu a aliança com o PSDB, parceria que se mantém até os dias atuais. Nas eleições de 2012, o PSDB havia apoiado a candidatura de Adroaldo Dal Mass (DEM). O PMDB, por sua vez, escolheu César Gabardo, advogado e então presidente do partido em Bento Gonçalves, para concorrer contra Pasin. César é filho de Mário Gabardo, o ex-vice-prefeito. O PT, inicialmente, lançou a candidatura do ex-prefeito Roberto Lunelli, porém, em 20 de agosto de 2016, Lunelli faleceu em um acidente automobilístico enquanto voltava de um ato político realizado em uma localidade em Tuiuty, gerando grande comoção na comunidade local, devido à sua trajetória política e ao papel relevante que desempenhou no município. Para substituí-lo, sua irmã Neilene Lunelli foi escolhida para representar o Partido dos Trabalhadores na disputa. Evandro Speranza (PDT), que havia sido candidato a vice-prefeito na chapa de Juarez Piva em 2012, também entrou na corrida pela prefeitura.

Na votação, Guilherme Pasin foi reeleito com uma vitória expressiva: 44.129 votos, o equivalente a 65,62% dos votos válidos. Esta foi a maior disparidade eleitoral vista nos últimos anos em Bento Gonçalves, com uma diferença de 32.505 votos (48,32%) em relação ao segundo colocado, César Gabardo, que obteve 11.624 votos (17,29%). Neilene Lunelli somou 12,29% dos votos, enquanto Evandro Speranza ficou com 4,80%. Votos brancos, nulos e abstenções totalizaram 19.978, representando cerca de 23% dos eleitores aptos a votar.

Eleição de 2020

Pires relembra que a eleição de 2020 proporcionou um cenário diferente do habitual. “Tivemos algumas características novas, justamente pela situação da política a nível nacional. Desde a ascensão do Bolsonaro em 2018, o impeachment da Dilma em 2016 e a crise do PT e de outros grandes partidos, que estavam cada vez mais desgastados devido a todos os escândalos que estiveram envolvidos e até mesmo pela própria conjuntura deles, a população estava enjoada da ‘política tradicional’. Esse cenário vai afetar diretamente a política a nível municipal”, destaca.

Em 2020, por causa da pandemia de Covid-19, as eleições não ocorreram em outubro como de costume, mas sim em 15 de novembro. Pires aborda os impactos que a Covid teve na realização do pleito. “A pandemia não impactou diretamente o número de partidos nas coligações, mas a vedação das conjunturas proporcionais e a introdução das federações trouxeram mudanças significativas. O Fundo Especial de Campanha permitiu a distribuição livre de recursos públicos para campanhas, sem grandes restrições. As chapas proporcionais, sem a possibilidade de coligação, passaram a ter interesse em lançar candidatos próprios à prefeitura para unir recursos e campanhas no Legislativo e Executivo, aumentando as candidaturas majoritárias”, finaliza.

No pleito municipal de Bento Gonçalves, nove candidatos disputaram a prefeitura. Entre os principais nomes estavam: Diogo Siqueira (PSDB), então secretário de Saúde de Bento Gonçalves e ex-prefeito de Santa Tereza, que recebeu o apoio do prefeito Guilherme Pasin; o empresário Paulo Caleffi (PSD), que trazia consigo a experiência na administração de empresas privadas; Alcindo Gabrielli (MDB), ex-prefeito de Bento Gonçalves; e o vereador Moacir Camerini (PSB). Além desses, Volnei Tesser (Cidadania), Álvaro Becker (DEM), Volmar Giordani (PRTB), Márcio Possan (PT) e Carlos Pozza (PSC) também participaram da corrida eleitoral, embora Pozza tenha tido sua candidatura indeferida por falta de registros exigidos.

A disputa seguiu acirrada, mas Diogo Siqueira (PSDB) venceu por uma margem de 3.454 votos, totalizando 19.105 votos, ou 30,54% do total. Paulo Caleffi ficou em segundo lugar com 25,02%, seguido por Alcindo Gabrielli com 21,6% e Moacir Camerini, em quarto, com 11,58%. Os demais candidatos não superaram a marca de 5% dos votos válidos. O pleito de 2020 também registrou um recorde de votos brancos, nulos e abstenções, que somaram 26.940, representando 30,1% do eleitorado apto.

No dia 26 de novembro, após as eleições, a Justiça Eleitoral cassou a candidatura de Diogo Siqueira e Amarildo Lucatelli, eleitos para os cargos de prefeito e vice, respectivamente. A acusação apontava o uso de canais oficiais da prefeitura para a divulgação de obras durante o período eleitoral, prática considerada ilegal. A ação foi movida pela chapa de Alcindo Gabrielli ainda antes do pleito.

Entretanto, em 14 de dezembro, a defesa de Diogo Siqueira recorreu, conseguindo suspender a cassação. No dia 17 de dezembro, ele foi diplomado, e em 1° de janeiro de 2021, assumiu o cargo no Executivo.

No domingo, 6, mais uma vez a população irá às urnas. Para que haja uma eleição segura, é fundamental que haja transparência, consciência e aceitação do resultado. Tanto por parte dos candidatos eleitos, candidatos derrotados e do eleitor.

Os candidatos desta eleição estiveram diretamente envolvidos na disputa pelo pleito em 2020. Diogo Siqueira e Paulo Caleffi concorreram ao cargo máximo no Executivo, e foram os dois candidatos mais votados. Já Jorge de Oliveira concorreu ao cargo de vice-prefeito na chapa de Márcio Possan (Imagens: Augusto Arcari)

Diferença de votos do candidato vencedor para o segundo colocado

Votos nulos e brancos / abstenções

É valido ressaltar que o nome dos partidos e a filiação partidária dos candidatos são referentes à época que eles estão sendo citados e não aos dias atuais.

Imagem da capa e artes: Augusto Arcari