Reflexo da chamada Era Digital, em 2017, o número de smartphones ativos no Brasil passou o de habitantes, ao passo que mais de 65% dos brasileiros, com mais de 10 anos, estão no Facebook; dados como esses têm feito com que profissionais da área da Saúde alertem para os riscos dos excessos e do afeto da população pela tecnologia, sobretudo, entre os adolescentes, geração que já nasceu conectada
De acordo com o instituto Reuters, se você está lendo esta reportagem no jornal, neste momento, está fazendo parte de um grupo seleto de 9% dos brasileiros que preferem consumir o conteúdo nas “mídias tradicionais”. Se pelo contrário, você faz parte do grupo majoritário que está consumindo este conteúdo pela internet, as possibilidades de que tenha chegado até ele pelos links de nossas redes sociais ou pela indicação de algum amigo no WhatsApp, por exemplo, são de 72%. Do mesmo modo, as chances de que tenha interagido de alguma forma, comentando, compartilhando ou reacionado as nossas redes são de 90%. Agora, a probabilidade, caso seja um leitor com menos de 18 anos, de que tenha reagido em nosso Facebook e Twitter, mas que não tenha chegado até aqui, no fim deste parágrafo, são bastante altas, haja vista que, segundo uma pesquisa da DNPontoCom, 70% dos jovens da geração Z (aqueles nascidos no fim da década de 1990 até 2010) leem apenas os títulos das notícias.
Mais que dados sobre as novas formas de consumir informação, os levantamentos acima revelam um entre os muitos reflexos da chamada “Era Digital” que, muito além de mudar a forma com que lemos e reagimos a notícias, também tem transformado nosso comportamento no que diz respeito à socialização, exposição, entre outros. Por isso, a compreensão das influências do uso excessivo de celulares e redes sociais entre os jovens que já nasceram nesta nova era tem sido uma preocupação cada vez mais comum para pesquisadores de todo o mundo, sobretudo, na área da Saúde mental.
Para traçar um panorama de como as redes sociais e o uso dos celulares têm moldado o comportamento dos jovens em Bento Gonçalves, a reportagem do Semanário conversou com profissionais da Saúde, professores e diretores, além de alunos da rede pública e privada, sublinhando os malefícios e benefícios que têm acompanhado o uso e a expansão das tecnologias digitais, dentro e fora dos muros das escolas.
A formação psíquica em tempos digitais
Entre os estudos mais recentes sobre o assunto, está o da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, divulgado no Periódico de Vícios Comportamentais, o qual mostra relações entre o uso de redes sociais e o comportamento de pessoas viciadas, no que diz respeito às dificuldades de julgamento no momento de fazer escolhas. Na mesma linha, a pesquisa realizada pela Pew Research Center aponta que 54% dos adolescentes consideram passar muito tempo com o celular. Já dados da Royal Society for Public Health (RSPH), organização britânica dedicada a melhorar o bem-estar e saúde pública, revelam que metade das pessoas entre 14 e 24 anos relacionou o uso do Instagram e do Facebook à sensação de ansiedade, enquanto sete em cada 10 afirmam que o Instagram faz com que se sintam mal quanto a aparência pessoal.
Os problemas psíquicos assinalados pelas pesquisas supracitadas são reforçados pelas falas da psicóloga Mônica Vagliati. Para ela, o uso excessivo das redes sociais podem ser relacionados diretamente a distúrbios emocionais e transtornos mentais, como depressão e ansiedade. “O excesso de tecnologia causa estresse, pois tira muito tempo de outras tarefas e acaba nos sobrecarregando. As notificações de WhatsApp são um exemplo claro de exigência de disponibilidade, não respeitando nossos momentos de lazer e prazer no mundo físico. Desse modo, esses aplicativos de troca de mensagem potencializam sensações de ansiedade”, explica.
Estudos indicam que o excesso de tecnologia pode afetar a saúde mental dos jovens. O mesmo mecanismo capaz de tornar uma pessoa dependente em drogas, também pode causar dependência em tecnologia
Ainda segundo Mônica, essa “exigência de disponibilidade” que faz com que as pessoas se abstenham, cada vez mais, de seus momentos de descanso e lazer fora das telas, fazem com que os hábitos saudáveis sejam deixados de lado, influenciando em uma queda na qualidade de vida, agravando sintomas depressivos.
O levantamento da TIC Kids Online Brasil 2017, por exemplo, apontou que 93% das crianças e adolescentes brasileiros acessaram a internet via mobile em 2017, um crescimento bastante significativo, se comparado a 2012, quando 21% disseram ter esse contato. Outro estudo elucidativo foi feito pelo Phone Life Balance, projeto da Motorola que incentiva o uso inteligente e equilibrado do smartphone, onde 49% dos usuários brasileiros da geração Z concordaram com a sentença de que o aparelho era “seu melhor amigo”. Além disso, 36% dos jovens entrevistados afirmaram que priorizam o celular a passar mais tempo com amigos e familiares.
Se somados, esse apego pelas redes sociais e pela tecnologia e as estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) que destacam o Brasil como o país com a maior taxa de transtorno de ansiedade do mundo, as relações entre o uso exacerbado das tecnologias e o desenvolvimento de distúrbios mentais citados por Mônica ganham contornos ainda mais nítidos. Segundo os dados da OMS, 9,3% dos brasileiros têm algum transtorno de ansiedade, enquanto 5,8% da população sofre de depressão.
Desconexão com a realidade
A exposição imagética promovida por redes como o Instagram também é assinalada como mecanismo potencializador da infelicidade, na medida em que cria ideais de mundos perfeitos que, muitas vezes, não são possíveis de serem alcançados ou compartilhados por aqueles que os acessam pelas telas dos celulares.
Segundo a psiquiatra Verônica Lazzari, a ilusão de realidades perfeitas estampadas nas fotografias compartilhadas nas redes, somado ao imediatismo com que os jovens estão acostumados faz com que eles acabem se frustrando. “O mundo virtual gera falsas crenças de felicidade, dinheiro, uma vida que muitas vezes não existe para quem assiste pelo celular. Quando não se compreende que isso não é por acaso, que tudo tem seu tempo certo para acontecer, acaba-se gerando frustração, e quem não sabe lidar com esse sentimento, comumente, se machuca. A pessoa pode ficar ansiosa, triste, perder a autoestima, se irritar, se automutilar, entre outros”, explana.
O imediatismo das tecnologias nos torna intolerantes. Pensamos que tudo tem que ser para este exato momento. Isso gera estresse, ansiedade, irritabilidade, baixa tolerância à frustração e também problemas nos relacionamentos.
Verônica explica, ainda, que a preferência pelo mundo virtual em detrimento de atividades no mundo físico, como a prática de esportes ou mesmo um encontro com amigos, pode ocasionar problemas de sociabilização para os jovens que, em tese, estariam na fase em que essa formação social e laços deveriam ser fortalecidos. “A partir do momento em que me distancio das pessoas que são importantes para meu aprendizado emocional, perco a possibilidade de criar vínculos e de assim aprender a compreender que as pessoas têm seus gostos, jeitos e, então entender qual é o meu real espaço e o quanto afeta positiva, ou negativamente minha relação com aquela pessoa”, explica. Ela acrescenta, ainda, que a empatia também acaba prejudicada pelos ambientes tóxicos comuns nas redes sociais. “A internet permitiu que todos pudessem falar o que quisessem, acreditando que não haveriam problemas, resultando assim em dificuldades de empatia. Quando não me coloco no lugar do outro, não consigo enxergar as consequências dos meus atos”, finaliza.
Os problemas psíquicos relacionados ao uso das redes sociais e a forma com que a popularidade e a aceitação passaram a serem medidas por elas fez, inclusive, com que programadores de grandes empresas de mídias, como Instagram e Twitter, começassem a questionar os malefícios dessa pressão virtual. Recentemente, Jane Wong, especialista em fazer a engenharia reversa de redes sociais com a finalidade de descobrir ferramentas não-lançadas, publicou em seu perfil pessoal no Twitter três fotos que mostram como o Instagram ficaria sem a contagem de likes públicos (eles ficariam visíveis só para quem postou a foto, impedindo assim comparativos). Wong chegou a comentar que o aplicativo “quer que seus seguidores foquem no que você compartilha e não em quantos likes você recebe”. No mesmo sentido, Ev Williams, co-fundador do Twitter, disse em 2018, que mostrar o número de seguidores de usuário foi um erro da empresa. “Deixa claro que o jogo é de popularidade”, sublinhou. Embora nenhuma das empresas tenha declarado possibilidades de mudança, a necessidade de repensar os prejuízos emocionais ocasionados pelas redes sociais parece ganhar força.
Celulares em discussão na comunidade escolar
A relação entre a Geração Z, faixa etária que engloba os alunos do Ensino Médio, e o uso de smartphones é quase simbiótica. Deste modo, enquanto os educadores ainda avaliam o uso das tecnologias no ambiente escolar — uns enumerando as facilidades e maravilhas da era digital; outros apontando as relações conflituosas e distúrbios na formação educacional relacionados aos aparelhos eletrônicos —, as escolas e as metodologias de ensino avançam, na tentativa de se adaptar à realidade dos alunos.
Um exemplo claro disso é que a universalização da banda larga nas escolas de rede pública é, segundo o Plano Nacional de Educação (PNE), uma das estratégias oficiais do Brasil para qualificar a educação básica. Nesse sentido, o Rio Grande do Sul se destaca como um dos estados com a maior oferta de internet rápida aos alunos, realidade que se repete também aqui, em Bento Gonçalves. Por outro lado, segundo a Lei Estadual Nº 12.884, de 2008, o uso dos celulares é proibido em sala de aula. Entre os motivos do projeto de lei que deu origem as normas estão: a desatenção, conflitos que podem ser gerados entre professores e alunos e alunos entre si e influências no rendimento escolar.
O maior empecilho entre as escolas, portanto, ainda é encontrar formas de assinalar os limites entre o uso dos aparelhos de modo “saudável”, de modo a incluí-los como ferramenta pedagógica e evitar, por exemplo, a distração, a desinformação e os distúrbios psíquicos que podem resultar do abuso nessa utilização. Entre os educadores e alunos de Bento Gonçalves, as visões divergem, mas todos pontuam o uso das tecnologias como sintoma inevitável de nossos tempos. Da mesma forma, a utilização de redes sociais, que também é praticamente intrínseca à realidade dos jovens e de como eles se relacionam com as tecnologias, também é tema conflitante na comunidade escolar.
“As redes sociais são a institucionalização da ignorância”
Há 19 anos trabalhando no Colégio Estadual Dona Isabel, Silvania Luiza Chiarello, atualmente diretora da escola, tem acompanhado diretamente as evoluções tecnológicas e as influências delas na formação dos alunos em diferentes épocas. Segundo ela, não é complicado enumerar diferenças nos modos de agir e pensar entre os jovens dos anos 2000, “época do quadro e do giz” em suas palavras, onde estavam em alta redes como o MSN e a chamada “blogosfera”, e hoje, onde vivemos a popularização de redes sociais como WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram, e outros.
Para Silvania, as tecnologias digitais permitem o acesso ao conhecimento e à informação de um modo nunca visto, porém, essa potencialidade é desperdiçada pela forma com que elas são utilizadas. “Acredito que a internet e os celulares são ferramentas que, bem usadas, seriam extremamente úteis, mas o que observo, entre 2000 e 2019, é uma queda no interesse dos alunos pela leitura, por exemplo. As pessoas dizem que é mais fácil para os jovens acessarem o conhecimento hoje, mas que tipo de informação eles têm acessado?”, indaga.
As redes sociais não acrescentaram em termo de conhecimento, até porque o conhecimento que se tem na internet é discutível. Essa é a institucionalização da ignorância, pois hoje qualquer opinião é considerada uma fonte, não há embasamento teórico
Fatos como a filmagem de professores, incentivada recentemente até mesmo pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que defendeu o ato como um “direito do aluno” — contrariando, inclusive, as leis que proíbem o uso de celulares em sala de aula — e as discussões acerca do polêmico programa Escola sem Partido, que busca limitar as formas com que os professores ministram suas aulas, também vão ao encontro de outro problema frisado pela diretora: a desqualificação do que é ensinado pelo professor em detrimento de informações pouco confiáveis.
De acordo com Silvania, não são raras as discussões entre alunos e professores sobre fatos históricos e sociais apresentados em aula, por exemplo. “Há discussões nesse sentido, mas quando perguntamos de onde vem o que eles afirmam e como podem provar a veracidade disso, eles não conseguem. Tudo é volúvel e superficial, os jovens são bombardeados por tanta informação que não conseguem reter nada e nem formar um senso crítico”, opina.
Ana Alice Morallato Basso, psicopedagoga do colégio, também corrobora com esse pensamento. Segundo ela, os adolescentes ainda têm dificuldade em assimilar que informações são falsas ou não. “Eu trabalho com a inclusão, pois vejo a tecnologia como oportuna para o ensino. Porém, há determinadas informações nas redes que só prejudicam. É preciso fazer uma seleção, e o jovem, de modo geral, não está preparado para isso. Já tive contato com alunos que falam que a escola faz lavagem cerebral porque viram isso na internet”, respalda. Além da desinformação, ela pontua ainda as frustrações oriundas das redes sociais, onde é preciso “ter 1000 amigos e muitas curtidas para se sentir aceito”.
Apesar das críticas, Silvania destaca que os professores e a escola têm, dentro do possível, investido na utilização dos dispositivos móveis e das tecnologias. Além da cobertura total de internet, destaca ainda projetos já realizados como um festival de curtas onde os celulares foram utilizados, bem como o desenvolvimento de um blog feito pelos alunos para comemorar os 50 anos da escola, que ocorrerá em breve.
“É preciso colocar na balança para se ter um bom uso das tecnologias”
Há 20 anos trabalhando no Colégio Marista Aparecida, Gisele Mânica Pradella, atualmente coordenadora pedagógica dos Anos Finais e Ensino Médio, destaca que, para além das pesquisas que pontuam distúrbios emocionais apontados por pesquisadores da área da Saúde, o uso de smartphones precisa ser analisado também como sintoma positivo e indispensável nos dias de hoje. Nesse sentido, destaca que não havendo como fugir do digital, o papel da escola é se adaptar às novas tecnologias, orientando os alunos em seu uso consciente e pedagógico.
O uso de celulares é proibido durante as classes, exceto quando solicitados pelos professores para alguma aula que tenham planejado. Além de wifi em todas as dependências do Marista, as salas de aula contam com computadores com acesso à internet, além de um “laboratório móvel”, que pode ser utilizado por alunos que optem em não trazer seus próprios aparelhos. Além disso, todos têm acesso a uma plataforma virtual, onde professores disponibilizam livros e materiais, além de solicitar trabalhos.
De acordo com Gisele, os maiores desafios são no sentido de capacitar os professores no uso dessas tecnologias para que possam proporcionar aos estudantes uma forma de ensino que dialogue melhor com eles e seu estilo de se informar e aprender. “Tudo que é novo nos desestabiliza, por isso trabalhamos direto com os educadores. Creio que tudo que venha a somar para a aprendizagem é positivo e, hoje, sabemos que o meio de despertar o interesse é pela tecnologia”, enaltece.
A gente ainda costuma diferenciar o mundo analógico do digital, mas para os jovens não existe ‘mundo digital’, eles já nasceram nesse tempo, essa é a realidade deles, a tecnologia está no seu dia a dia
Apesar de defender a utilização dos dispositivos e adaptação dos educadores, um problema que pontua em decorrência do uso das tecnologias é a distração. Nesse sentido, a orientação e a cobrança são os caminhos para elucidar o que é bem-vindo em classe ou não. “Creio na educação tecnológica e no uso dos dispositivos que temos em prol da educação. Porém, temos que ficar sempre em cima para ver o que os alunos estão postando e acessando em aula, mas nada que prejudique. É preciso colocar na balança para que se faça um bom uso”, frisa.
Quanto aos problemas que podem prejudicar o aprendizado escolar, como o déficit de atenção e a dificuldade de distinguir informações embasadas de teses falsas, citados por outros profissionais da Educação, Gisele acredita que não podem ser estritamente ligados ao uso dos smartphones, e que, de modo geral, são questões que, em menor ou maior escala, atingem todo mundo. “São sintomas da nossa sociedade atual, não dos adolescentes”, resume.
“Queremos colocar a escola no Século XXI”
Geração X com mentalidade de geração Y. Assim se define o diretor do Colégio Visconde de Bom Retiro, Alexandre Misturini, entusiasta do uso das tecnologias como ferramentas educativas. Para ele, integrar o conteúdo didático aos dispositivos digitais é um dos caminhos para aprimorar a qualidade na educação.
Dessa forma, não causa estranheza as iniciativas e ferramentas inovadoras utilizadas no educandário, na tentativa de transformá-lo em um “colégio tecnológico e conectado”, como ele mesmo bem define. Muito além de uma potente internet de fibra ótica, a escola conta com um ambiente virtual, aplicativos de ensino desenvolvidos para usar em aula, projetor de mídias em todas as salas, tablets disponíveis para pesquisas, entre outros. Além disso, como explica Alexandre, o colégio segue investindo em tecnologia. No futuro, os planos vão desde a aquisição de uma impressora 3d para criação de prismas para aulas de matemática e peças para oficina de robótica, até a compra de um drone para georreferenciamento.
Entre os projetos que começam a ganhar forma, ainda neste ano, sublinha a retomada de uma webradio. “Vou comprar um kit com mesa de um canal, o suficiente para chamadas ao vivo e gravações de programas. Inclusive, em breve, vamos ter uma viagem de estudo ao Uruguai, onde os alunos entrarão com transmissões ao vivo para a rádio”, adianta.
Para além da oferta de dispositivos tecnológicos, a metodologia de ensino também é adaptada para que as ferramentas sejam usadas do modo mais eficiente possível. Entre os métodos utilizados, Misturini destaca, por exemplo, as “aulas guiadas”. “O objetivo nesse tipo de pesquisa é criar uma situação-problema, onde o aluno é incentivado a buscar formas de elucidá-la sem usar os comandos Ctrl+C e Ctrl+V. Um exemplo simples de desafio é estipular uma quantia de dinheiro para que cada aluno organize uma viagem de 15 dias para o Canadá. Ele vai buscar, analisar, comparar e, de modo interativo, trabalhará disciplinas de matemática, ou geografia,” exemplifica. Segundo ele, na prática, o resultado positivo se percebe em um maior interesse por parte dos alunos, que acabam também por participar de forma mais ativa da própria aprendizagem.
Não basta ter um projetor e plugar o cabo HDMI, mas seguir a mesma metodologia de antes. É preciso mudar o método de ensino utilizando as ferramentas digitais. Fazer o aluno deixar de ser um agente passivo, para se tornar, junto ao professor, um protagonista da sua própria aprendizagem
Embora seja um defensor do uso da tecnologia, Misturini acredita que ainda falta no país aquilo que chama de “educação digital”, ou seja, uma forma de auxiliar os jovens a utilizarem as redes sociais e a internet de modo correto e sem prejuízos. “A internet é território livre, onde se tem acesso a muita informação falsa e perigosa, além de se presenciar a disseminação de preconceitos. Por isso, a falta de equilíbrio entre o virtual e o real é algo perigoso”, assinala. Entre outros problemas observados, destaca ainda, o imediatismo que gera impaciência, o cyberbulling e constantes erros na escrita, quando o aluno, sem perceber, acaba utilizando abreviações e o “internetês”, no lugar da norma culta.
A visão dos adolescentes sobre as redes sociais
Assim que soa o sinal do intervalo do período da manhã, no Colégio Dona Isabel, os alunos, enquanto saem das salas de aula rumo ao pátio, em movimentos que parecem quase automáticos, vasculham o bolso em busca dos smartphones para visualizar as notificações que podem ter chegado enquanto os aparelhos estavam desligados.
Grupos de jovens mexendo em seus celulares vão se formando por todos os cantos. Não é raro, inclusive, ver alguns entre eles equilibrando o prato com a refeição com uma mão, enquanto com a outra digitam. “É um vício, fazer o que?” comenta rindo, Isadora Maisa, 16, aluna do 1º ano. Ela compartilha o fone de ouvido com o colega Gabriel Martins, 16, também do 1º ano, que segura o celular em mãos e balança a cabeça em concordância. “Para mim também é viciante, não dá para parar”, afirma.
Segundo eles, o que mais utilizam é o WhatsApp e o Instagram. Os motivos e as expectativas de ambos também são semelhantes. “O Whats é para conversa mesmo, o Instagram é para postar aquelas fotos que achei que ficaram boas”, comenta Isadora. Quando as fotos não são bem recebidas, no entanto, o modo de agir é bem claro. “Se ninguém comenta, corro apagar e não uso mais aquela foto, mas não me sinto mal”, diz. Martins, por sua vez, afirma que não lida tão bem quando não alcança o que esperava. “Eu sim, me sinto mal. Quando posto, quero curtida, mas comentário é bom também”, complementa rindo.
Entre os alunos do Colégio Marista, os relatos também se repetem. Ana Carolina Barcelos Benedetti, 15, do 1º ano, por exemplo, comenta que está com o celular sempre por perto. “No recreio, antes de começar a aula e assim que ela acaba, e em casa também. Está comigo todo o tempo”, assume. Na contramão dos demais alunos, porém, sua rede social é o Twitter. “Além de descontraída, é uma rede que oferece informações de modo dinâmico e eu fico sabendo de tudo que está acontecendo no mundo por lá”, explica.
Para ela, o mais complicado é conseguir se concentrar e evitar distrações. “Às vezes, sento para fazer tema, mas o celular está ali e chama mais atenção, aí deixo tudo de lado. Penso que só vou olhar a notificação por cinco minutinhos, mas quando percebo, já estou rolando a linha do tempo por horas”, diz. Mesmo acreditando que isso não seja saudável, destaca, com ressalvas, a facilidade de conexão com pessoas distantes como um fator positivo e importante. “É uma forma eficiente de se conectar com parentes que moram longe, ou falar com um colega quando precisamos de algo. Eu tenho parentes de Porto Alegre, o celular é um modo de me aproximar deles. Mas, tem que cuidar, pois da mesma forma, ele também me afasta de quem está perto. Tem momentos que estou falando com minha mãe, por exemplo, chega uma notificação e deixo de prestar atenção no que ela está falando”, observa.
Outro que pontua elementos positivos e negativos do uso do smartphone é Vitor Nepomuceno, 17, aluno do 3º ano. Entre as redes que mais utiliza estão o WhatsApp, com o qual se comunica com os colegas, e o Facebook, onde busca informações, sobretudo, em páginas de jornais. Para ele, o uso do celular é viciante ao ponto de sentir estranheza, quando o aparelho não está por perto. “É difícil me desligar. Sei que está errado, mas quando percebo estou com ele na mão. Isso atrapalha um pouco a rotina, pois como estou prestando atenção na tela, me desligo do que passa ao redor nos lugares em que estou”, reconhece.
Depois que percebi que virou um vício, tento deixar de lado, mas o celular está sempre no meu bolso, ou no mesmo cômodo. Se fica longe, eu estranho
Apesar disso, assim como Ana, Nepomuceno acredita que os benefícios proporcionados pelo aparelho são maiores do que os problemas comportamentais que ele possa gerar. “Apesar dessa distração, que é controlável, vejo mais pelo lado positivo, pois estamos sempre atualizados. Temos acesso às notícias de modo instantâneo e na hora em que elas estão acontecendo”, ressalta.
Para além da saúde mental
Além de distúrbios psíquicos e emocionais que podem resultar do uso excessivo de redes sociais, o abuso do uso de smartphones também é relacionado, por profissionais da saúde, a problemas físicos.
Um dos efeitos do uso excessivo dos dispositivos móveis diz respeito aos problemas de coluna resultantes da postura que, normalmente, mantemos quando estamos digitando, lendo ou vendo algo no celular. Um vício postural tão comum que já tem até nome: text neck, em tradução livre, “pescoço de texto”.
Segundo o ortopedista Paulo Nery, o problema é cada vez mais comum, sobretudo, em crianças e adolescentes. Comenta que em todas as semanas atende, em seu consultório, pelo menos um jovem que apresenta o problema. “Alguns anos atrás, eu não tinha queixas de postura de pessoas nessa faixa etária, agora, é muito frequente. São muitas horas gastas em uma posição ruim mexendo no celular, o que está causando alterações na postura em uma fase em que o corpo ainda está em formação”, salienta.
A exposição constante a luz emitida pelas telas e o esforço a que nos submetemos quando nos concentramos desmedidamente nos celulares, conforme explica o oftalmologista Marcelo Piletti, também têm afetado negativamente os olhos. “Como é uma atividade em que nos centramos muito, a frequência do piscar é reduzida em até 10 vezes, resultando em menor troca lacrimal e, consequente, ressecamento ocular, gerando sintomas como ardência, vermelhidão e lacrimejamento. Além disso, o alongamento gradual do globo ocular visando uma melhor focalização da tela também começa a ser relacionado ao aumento de graus de miopia”, argumenta.
Outro distúrbio causado pelo uso dos dispositivos eletrônicos, como celulares e tablets, são problemas de sono. A luz azul-violeta emitida pelos dispositivos prejudica a produção de melatonina, hormônio fundamental para o sono. “Em longo prazo, essa luz também pode ser nociva a diversas estruturas no olho humano, como córnea, retina e cristalino. Por esse motivo, há recomendações cada vez maiores de limitação do uso diário para os diversos dispositivos eletrônicos”, alerta.
Fotos: Guilherme Kalsing e Fábio Becker