Por três vezes frente à chefia geral da Embrapa Uva e Vinho, José Fernando da Silva Protas analisa a trajetória de quase 45 anos da unidade, elencando os principais feitos e os desafios no comando da instituição

A Embrapa Uva e Vinho é uma unidade descentralizada da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Atualmente, a chefia geral da unidade, criada em 26 de agosto de 1975, está a cargo do pesquisador José Fernando da Silva Protas, que está como gestor da unidade pela terceira vez. Gaúcho, vindo do extremo sul do estado, está em Bento Gonçalves há mais de três décadas. Em entrevista, Protas analisa a trajetória profissional e as conquistas da Embrapa Uva e Vinho, já que em agosto, a unidade completa 45 anos de atuação.

Qual é a sua origem e há quanto tempo está em Bento?

Nasci em São José do Norte, uma cidade perto de Rio Grande. Sou economista, formado na Universidade de Rio Grande. Cursei mestrado em Economia Rural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Desenvolvimento Rural na Universidade de Évora, em Portugal. Ingressei na Embrapa em 1980, atuando na Embrapa Suínos e Aves, em Concórdia, Santa Catarina. Estou em Bento Gonçalves há 34 anos, transferido daquela unidade. Minha área de formação se adapta facilmente a diferentes setores produtivos, pois se trabalha com números, análises e tudo que envolve este universo. Um detalhe importante é que o perfil do produtor e da produção, tanto de suínos e aves quanto de uva e vinho, é vinculada a agricultura familiar. Isso também foi um elemento que me atraiu e que facilitou a minha adaptação à região, pois já tinha uma noção da questão econômica e social neste tipo de produtor e de produção, já que são semelhantes.

Como estava a Embrapa e como está hoje?

Quando cheguei, nos anos 80, a Embrapa Uva e Vinho tinha uma equipe técnica bem menor. Eram 17 pesquisadores apenas e a programação de pesquisa estava exclusivamente voltada à vitivinicultura da Serra Gaúcha, com pequenas inserções na região da Campanha. A partir dos anos 90, já na chefia da unidade e tendo em vista o crescimento da viticultura em outras regiões do país, sobretudo no Vale do Rio São Francisco, a Embrapa estruturou um plano estratégico que resultou na expansão da programação da unidade, trabalhando em ações e projetos de pesquisa também para a região tropical.

Além disso, percebendo o crescimento da fruticultura na região da Serra, como o pêssego e a maçã, nesta mudança estratégica expandimos a missão da Embrapa Uva e Vinho e anexamos a nossa estrutura a Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado, instalada em Vacaria. Portanto, somos a Embrapa Uva e Vinho, mas trabalhamos também com maçã e pera; em parceria com a Embrapa Clima Temperado, unidade de Pelotas, também trabalhamos com pequenas frutas (amora, morango, mirtilo e framboesa) e pêssego, e criamos uma outra estação experimental no noroeste de São Paulo, em Jales, para trabalhar com viticultura tropical. Essa mudança foi grande, pois saímos de uma ação local e fomos expandindo. Tinha receio de ficar algo muito restrito, até por que o nome já era Centro Nacional de Pesquisa da Uva e Vinho. Ganhamos esta abrangência nacional alinhado a diretoria localizada em Brasília, e como consequência, recebemos mais recursos.

Hoje, nossa equipe conta com 43 pesquisadores, 29 analistas, 30 técnicos e 45 assistentes, totalizando 147 empregados nas três bases físicas. Nos últimos anos, vários colegas que atuam na área de apoio a pesquisa como laboratório e campos experimentais saíram da empresa, impondo um novo desafio que é melhorar a gestão e fazer cada vez mais com menos recursos. Este é o novo momento, tendo em vista o cenário que se vislumbra para os próximos anos de mais restrições de orçamento e recursos públicos.

Faltam recursos para a pesquisa e o desenvolvimento?

Instituições de pesquisa como a Embrapa, que é uma entidade pública, pela própria figura jurídica e cultura organizacional tem uma dependência muito grande de recursos do tesouro. Tanto diretamente do Ministério da Agricultura, a qual estamos diretamente vinculados, quanto de outras agências públicas de fomento à pesquisa como Finep e CNPq, além de outras instituições. No que diz respeito à gestão de um centro de pesquisa como o nosso, temos duas dimensões na questão financeira. Uma por termos uma grande área grande experimental, uma estrutura de laboratório e equipamentos, cuja manutenção é onerosa. Temos que manter tudo que é necessário para o funcionamento de um centro de pesquisa.

Além disso, temos o outro componente, que é a fonte de recursos para alocar em outros projetos de nossa programação, pois o que fazemos aqui é pesquisa. Para fazer esta, temos uma equipe e todos são importantes para o bom andamento das atividades. Se algum membro falhar, as coisas não andam. Cada vez mais estamos enfrentando dificuldades, tanto na questão dos recursos para a manutenção, quanto para o financiamento (custeio) dos projetos de pesquisa. Os recursos continuam sendo disponibilizados, mas, nos últimos anos, com dificuldades maiores na questão de manutenção. Para investimento, não tem tido. Então é uma situação delicada pois a estrutura vai depreciando e precisa de manutenção.

Como gestor, entendo que a escassez de recursos ainda não compromete de forma preocupante o nosso trabalho nesse momento. Em um cenário como este, analiso que o caminho mais correto e sensato é melhorar a gestão, ser mais cuidadoso, racional e esse tem sido nosso foco.

Qual é a programação de pesquisas e como está o andamento delas?

As equipes da Embrapa, assim como qualquer instituição de pesquisa, são multidisciplinares, abrangendo muitas áreas. Os projetos desenvolvidos são aqueles que têm como base referencial as demandas do setor produtivo nacional. Por isso, temos uma relação muito próxima com as lideranças setoriais, principalmente quando estava em operação o Ibravin, mas também com a Uvibra, a Fecovinho e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais, entre outras. Portanto, a programação da Embrapa é focada nas demandas prioritárias do setor produtivo.
O nosso compromisso é entregar a ele alternativas tecnológicas mais competitivas, que diminuam o custo e o impacto ambiental (demanda cada vez maior para todos os setores), que aumentem a produção, que sejam preferidas pelos mercados consumidores resultando na agregação de valor. A Empresa tem todo um ritual para avaliação/aprovação dos projetos: tudo que se faz aqui se avalia antes, assim como uma análise criteriosa para saber da real prioridade que aquela proposta de projeto encontra no segmento.

Melhoramento genético

Historicamente aqui na Serra Gaúcha, quando chega na época da safra, o produtor e as indústrias têm, no máximo, um mês e meio para colher e processar toda ela, por que as variedades tradicionais, falando especificamente de uvas para suco e vinhos de mesa, são produzidas neste período. Podemos, aqui, no momento em que o setor produtivo se apropriar das informações disponíveis, ampliar esse período ao invés de 30 ou 35 dias de safra, ter 70 dias de colheita, com algumas variedades que foram criadas ao longo do tempo.

Por exemplo, se pegarmos a Concord Clone 30 e plantarmos no Vale Aurora, você terá ela bem cedo, final de dezembro e início de janeiro, pois é precoce. Diferentes variedades podem ser plantadas em diversos locais da região, pois cada uma delas terá uma peculiaridade diferente, com características fisiológicas diferentes, que se adaptará às condições climáticas da região. Temos, hoje, todas as condições para uma vitivinicultura inteligente, onde ao invés de termos uma correria de trabalho no campo e filas enormes nas cantinas, distribuir a safra e o trabalho por alguns meses. Se eu colhi uma variedade no mês de janeiro, ainda tenho tempo para cuidar da outra que colherei mais para a frente. Esta inteligência está embutida na tecnologia. Ela, principalmente na nossa região mais tradicional, ainda não se expressou totalmente no sentido de uma mudança para uma viticultura ou vitivinicultura mais inteligente e racional. Podemos também, com manejo, ajustar o período de colheita para o mês de abril com o objetivo específico de criar atrativos visando atrair turistas para a vindima na região, gerando toda uma cadeia de valor para o município.

O que falta para isso?

Diversas coisas. Você modernizar uma atividade em regiões tradicionais, como é o caso da nossa, tem que ter realmente uma harmonização e articulação de todos os atores da cadeia para que isso ocorra. Se não tiver o entendimento e envolvimento da indústria que, ao perceber que pode fazer, induzir ou motivar os seus fornecedores a diferenciar variedades, em razão de suas questões ambientais, de maneira que ao invés de ficar concentrado somente em duas semanas no mês de janeiro, ele pode distribuir para outros meses, não vai adiantar. Se o comprador não se sensibilizar dessa importância, não há mecanismo que ajude a promover e implementar na prática.

Outro fator é que a videira é uma planta perene. Não posso induzir, nem pressionar e nem esperar que sem uma motivação maior, o produtor vai erradicar um parreiral de uma cultivar tradicional, para plantar outra e ficar dois ou três anos sem renda. A pessoa que tem um parreiral de Isabel e que está produzindo, não vai pura e simplesmente eliminar e plantar outra variedade por simpatia ou entusiasmo. Porém, vai chegar um momento em que vai ter que renovar ou se tiver área expandir. Hoje temos uma relação com algumas grandes empresas, que estão trabalhando especificamente nisso e validando novas cultivares. O processo de modernização competitivo, no nosso caso, está ocorrendo de uma forma gradual e tem o grande desafio que é o de quebrar o paradigma da tradição.

Mudança no perfil de mercado

Antigamente, muitas vinícolas de porão que produziam somente vinho a granel (de garrafão) acabaram saindo do mercado em meados de 2000. As grandes cooperativas que também tinham este mercado muito competitivo, foram perdendo. Grande parte deste vinho, sem valor agregado e sem preocupação com o produto final, começou a ser trabalhado pelas grandes cooperativas e empresas como vinho de qualidade. Hoje temos, no Rio Grande do Sul, um volume muito grande de vinho de mesa, antigamente em garrafão, sendo envasado em garrafas de 750 ml, com alto padrão de qualidade e valor agregado. Aconteceu esta mudança no perfil de mercado.

Saímos de um segmento da cadeia produtiva, produzindo grandes volumes, sem preocupação, e agora temos vinhos de mesa bem apresentados, elaborados, com boa qualidade, agregando valor ao produto. O fato é que ainda 80% do vinho produzido no Brasil é de uvas americanas e híbridas. É vinho de mesa e não fino. Nesse segmento, que tem a ver com o programa de melhoramento genético, o nosso objetivo é oferecer novas cultivares, com características diferenciadas entre si, mas que fundamentalmente tem alta qualidade, alta produtividade e absolutamente adaptada às condições ambientais que produzem este tipo de uva.

Indicações geográficas e importados

Outra abordagem são os vinhos finos. Este segmento do vinho fino aqui no Brasil, hoje, é extremamente pressionado pelos importados. Qual é a nossa bandeira estratégica: trabalhar com inteligência territorial, no sentido de desenvolver pesquisas que nos levem ao estabelecimento regionalizado de indicações geográficas, que nada mais é que uma propriedade coletiva. Por isso, começamos com este trabalho motivando os produtores a se organizarem em termos de associação.

E, a partir de então, trabalhamos em um projeto. Começamos a estudar e a entender, de forma detalhada, as características ambientais de solo, clima, precificação, temperatura, demarcar a região, estudar as condições e avançar no sentido de definir detalhes técnicos, como quais as variedades que vão compor os vinhos daquela região, a produtividade, entre outros aspectos. É uma discussão técnica, com base na pesquisa, mas também dos empresários com base nas condições que eles têm para produzir e colocar no mercado um produto que seja competitivo em qualidade e preço. Estas indicações, portanto, têm sido trabalhadas e estabelecidas com o foco na produção de vinhos finos, que são estes que recebem a pressão da concorrência com os importados.

Como avalia os quase 45 anos de atuação da Embrapa Uva e Vinho?

Sou um apaixonado pela empresa que atuo. Um dos grandes prêmios que a vida me deu, além de minhas filhas, é fazer parte da Embrapa. Nestes quase 45 anos, tempo em que a própria vitivinicultura gaúcha passou por muitas mudanças e desafios, a Embrapa conseguiu, juntamente com as instituições representativas do setor produtivo, de ensino e sindicatos dos trabalhadores rurais, promover e disponibilizar conhecimentos e alternativas que viabilizassem e sustentassem a atividade.

O grande desafio e a grande contribuição da Embrapa neste período foi perceber as oportunidades de avançar mesmo sem as demandas serem percebidas pelo setor. Foram avanços em busca de alternativas que, mais adiante, seriam demandadas e necessárias para dar sustentabilidade à atividade vitivinícola da região. É neste sentido que quando a expressão e importância do segmento suco de uva se fez presente, a Embrapa tinha para oferecer diversas cultivares adaptadas à diferentes condições ambientais.

Quando o segmento de vinhos finos começou a buscar uma consolidação e que se viu inviabilizado a partir de meados da década de 90, já estávamos preparados com estudos e organizando indicações geográficas, de forma a dar sustentabilidade e possibilitar uma reformatação da base tecnológica, possibilitando que avançássemos a passos rápidos em qualidade dos vinhos finos.
São exemplos de características de que a boa pesquisa deve trabalhar com foco e cenários alternativos. No momento em que o setor produtivo precisou, nós estivemos presente, viabilizando o acesso às novas alternativas, possibilitando a manutenção e a melhoria competitiva. Este é o tom que evidencia o trabalho da pesquisa: temos que trabalhar com cenários futuros.