Com base na literatura e no movimento, a iniciativa estimula a expressão, autonomia e a interação social dos participantes, transformando vidas pela arte
Desde março, todas as sextas-feiras, o auditório da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Bento Gonçalves se transforma em um espaço de criação, movimento e descoberta. É quando acontece o Projeto Dança Inclusiva, uma iniciativa que recebe apoio do Fundo Municipal de Cultura, por meio do edital “Cultura: Direito e Transformação”, e que busca garantir que a arte seja um direito acessível a todos.
O projeto nasceu do desejo de “tornar a dança acessível a todos, especialmente àqueles que, por limitações físicas, cognitivas ou sociais, muitas vezes não encontram espaço nas atividades artísticas convencionais ou com Necessidades Específicas”, explica Veranice Martins, do setor Financeiro da APAE. Ela ressalta que a inclusão se torna efetiva “quando temos pessoas com e sem deficiência em cena, por isso o termo ‘Dança Inclusiva’”, explica.
Metodologia e processo criativo
Inspirado no livro Um Pé de Vento, de André Neves, o espetáculo final do projeto é fruto de um trabalho coletivo e sensível. “A partir das imagens do livro, um menino, o vento, o desejo de voar, os alunos foram convidados a criar movimentos que traduzem suas emoções e vivências. A dança, assim, se tornou uma extensão da literatura”, relata Veranice.

As oficinas seguem metodologias de Dança Inclusiva, como DanceAbility e Contact Improvisation, que partem do princípio de que todo corpo é dançante. “Não há passos prontos ou coreografias engessadas. Em vez disso, os alunos são instigados a descobrir e expandir seus próprios movimentos”, acrescenta.
Resultados e superações
Os resultados são visíveis. “Alunos que começam tímidos passam a se expressar com liberdade e alegria. A autoconfiança aumenta, os vínculos se fortalecem, e a dança passa a fazer parte da rotina, não só como terapia”, relata Veranice.
Sinara conta que momentos marcantes acontecem com frequência. “É difícil escolher um só. Muitas vezes olhamos e achamos que ‘não vai dar certo’, mas com o envolvimento e interesse deles, sem esperar, as coisas acontecem.” Ela se emociona ao lembrar de alunos que voltam para as salas de aula após os ensaios querendo mostrar aos professores o que aprenderam.
Trabalho em equipe
A construção do projeto é coletiva. Sinara conduz as aulas com escuta ativa e intuição corporal. Cristian propõe caminhos criativos e respeitosos para a construção das coreografias. Já Rosane Marchetto, produtora cultural e assistente de oficina, organiza e apoia o funcionamento das atividades. “Essa sinergia garante que cada aluno encontre seu lugar no palco, e na vida”, destaca Veranice.
Famílias e continuidade
O contato formal com as famílias ocorrerá após a primeira apresentação, prevista para agosto. Mas, com base em experiências anteriores, a equipe antecipa que o retorno será positivo. “Muitos pais relatam que os filhos passam a se comunicar mais, se movimentar melhor e se relacionar com mais autonomia”, comenta Veranice.
A intenção é seguir com novas edições, ampliando a participação e fortalecendo parcerias. “O projeto complementa o trabalho pedagógico e terapêutico da APAE com uma abordagem inovadora, inclusiva e profundamente humanizada”, resume.
Celebração no palco
O espetáculo final é mais que uma apresentação: é a celebração de um percurso coletivo. Cada cena reflete descobertas, afetos e gestos que surgiram ao longo das oficinas. “Queremos que o público não apenas assista, mas se emocione e reconheça o poder da dança como arte e como possibilidade de inclusão e transformação”, afirma Veranice.
Cidadania cultural e protagonismo
A Dança Inclusiva foi introduzida em Bento Gonçalves em 2011 por Cristian Bernich, que segue atuando como professor, para ele, esse tipo de trabalho rompe barreiras e ressignifica papéis sociais, permitindo que o público veja a pessoa com deficiência como protagonista de sua própria narrativa artística. “Ao ocupar o palco e os espaços da cidade, os participantes conquistam visibilidade, pertencimento e voz”, conclui Veranice.