No último sábado, 22 de outubro, foi comemorado o Dia do Enólogo, profissional que é um genuíno especialista no universo dos vinhos. Para abrilhantar essa data, João Valduga, Flávio Zílio e Firmino Splendor contam sobre suas caminhadas como enólogos excepcionais, além de comentar sobre o cenário atual da bebida mais apreciada da região.
O diretor do Grupo Famiglia Valduga, Eduardo Valduga, 39 anos, teve sua infância inteira vivida com vinhedos magníficos como plano de fundo. “A maior diversão era a vindima, as agitações para receber as uvas em casa e a boa ‘correria’ me faz sentir saudades daquele tempo”, recorda. O enólogo decidiu pela profissão por conta da grande admiração aos profissionais dessa área e pelo quão gratificante são os resultados do trabalho e aperfeiçoamento eterno das técnicas usadas pelos enólogos. “Passei por várias empresas até o momento, que achei oportuno voltar e implementar meus estudos e esforços para me realizar e retribuir a gratidão que tenho por minha família”, revela.
Para ele, o cenário atual dos vinhos está no melhor momento da história. “Logo vamos estar vendo outras regiões brasileiras se destacando pelos atributos de suas uvas, levando o Brasil no patamar merecido. Hoje, o mercado faz o consumidor gostar e aprender cada dia mais a apreciar o infinito de virtudes e oportunidades que esse produto proporciona. Não mais comparando e sim enaltecendo as características próprias de terroir e cultura. Atualmente, o que os enólogos e vinícolas devem repassar é o melhor de suas técnicas, para assegurar vinhos genuínos e de alta qualidade, focando na inovação de experiências”, menciona.
Valduga destaca que o profissional da área está sempre sendo testado pelas forças da natureza e diante de telas em branco, com cores diferentes. Aos futuros enólogos, ele indica a resiliência eterna. “Não somos mais só alquimistas das vinhas, quem atua na área deve ser responsável pela sustentabilidade do projeto para que não só os vinhedos cresçam, mas também haja uma equipe comprometida a fazer mais que vinho, mas legados”, conclui.
Um futuro transformado
Com larga experiência na área, Flávio Zílio, 58 anos, é enólogo desde 1988 e gerencia a área técnica da Vinícola Aurora, onde atua há 20 anos. Fez estágio no Chile e aprofundou conhecimentos em países como Argentina, Itália, Portugal, França e Espanha. Sua história dentro da enologia começou em Muçum, cidade onde nasceu e alguns fatores o levaram à escolha da profissão. “Sempre elaborei vinhos com minha família, no modo manual de pisa. Fiquei seis anos realizando esse trabalho e conheço todas as culturas da uva que, naquela época, não eram mecanizadas. Após meu irmão formar-se em Agricultura, meu pai me chamou para conversar e perguntou o que eu achava de cursar Enologia, lhe respondi que era realmente isso que queria”, relata.
O enólogo se formou na Escola Técnica Federal, que atualmente é o Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). “Fiquei três anos no internato, onde o estudo era no vespertino, o dia todo e algumas aulas a noite. Após concluir o técnico em Enologia, fui trabalhar na Polo Norte, no Paraná, depois fui para a Vinícola Tamandaré, em Garibaldi e por fim fui convidado pela enóloga Maria Regina Ferretto Flores, que era enóloga da Aurora na época, a vir trabalhar na vinícola, em 1993. De lá para cá tive uma carreira que considero de sucesso, a cooperativa teve seu período de dificuldade na década de 1990, entrei exatamente no momento um pouco turbulento, mas aos poucos foi se amenizando, junto com todas as pessoas que encontrei aqui, como Antônio Zandomai, Carlos Zanotto, Nauro Morbini, Jaime Milan, entre outros excelentes profissionais”, conta.
Ele ressalta que a profissão requer grandes desafios, mas são todos prazerosos. “Elaboramos, não fabricamos. Isso é algo especial, pois a microbiologia, que nada mais que é a natureza, é nossa grande parceira e nós a transformamos. No caso do vinho, mudamos os açúcares, glicose e frutose em álcool, gás carbônico, um pouco de água e energia em forma de calor”, informa. Em sucos, há somente extração e não tem produção de álcool, mas também tem um certo cuidado no momento de criação. “Se por um lado, no caso de vinhos, a gente tem a elaboração de transformação, no suco temos que evitá-la. Então, são dois processos bastante desafiadores”, diz.
De acordo com Zílio, ele é realizado no local onde trabalha, tendo um respeito muito grande pela empresa e pelo setor da vitivinícola. “Através do mundo do vinho sou conhecido na cidade e fiz muitas amizades, não tenho dúvida que a grande alavanca foi a Aurora. Quando iniciei, havia bastante divulgação de produtos e então, conheci quase todo o Rio Grande do Sul, muitos estados do Brasil e vários países, sempre ancorado primeiro pela profissão de enólogo, mas depois pela cooperativa. Foi uma escolha minha, junto a meu pai e felizmente deu certo”, realça. Além disso, uma de suas conquistas é o reconhecimento nacional, diante do prêmio “Enólogo do Ano 2016”. “Algo que para mim também tem muito valor, não é dizer que fiz melhor que os outros, mas que consegui evoluir os produtos da Aurora. Vejo como a grande realização da minha vida”, vislumbra.
Sobre seu gosto pessoal, ele revela que é um amante de vinhos brancos, principalmente Chardonnay, tanto tranquilo, quanto espumante. Sua harmonização preferida é dessa variedade junto a frutos do mar. “Profissionalmente, gosto de todos os tipos de vinho e degusto variados rótulos. Sempre com o mesmo carinho e olhando para o terroir, que nada mais é que o solo, o clima e o homem que elabora”, afirma.
Zílio recorda que na década de 1990 as pessoas gostavam mais de vinhos brancos e tinto de mesa. Com o passar dos anos, tudo foi mudando. “Em 2000, a mídia destacava os vinhos tintos, então houve uma migração de um tipo para o outro, de forma muito significava. Não tenho um dado preciso, mas se tirar os espumantes, estamos vendendo 70% tinto e 30% branco, a diferença é gigantesca”, calcula. Conforme o enólogo, uma fase diferente começa, entrando no rosado. “Fico feliz pelo crescimento desse dos roses, pois são muito bons. Há o frescor do vinho branco e a característica de complexidade que um tinto apresenta”, fala.
O profissional diz que não basta estudar, tem que entender a enologia e a empresa que vai trabalhar. “Não adianta eu vir trabalhar amanhã do mesmo jeito que penso hoje, claro que não se muda tudo de um dia para o outro, mas se transforma muita coisa em um ano, dois anos. Tem que ter criatividade, paciência, observação e o sucesso virá”, sublinha. Para os jovens que querem seguir na profissão, ele deixa um recado. “Fiquem atentos ao local que estarão, pode parecer o mais insignificante possível, mas não tenha dúvida de que alguém está vendo. Em algum momento, se seu trabalho for bom, ele será reconhecido”, encerra.
Palavras que ajudam outros profissionais
O escritor e enólogo, Firmino Splendor, de 81 anos, é referência quando o assunto é uvas e vinhos. Nasceu na Linha Graciema, em Bento Gonçalves, onde passou a frequentar a Escola de Viticultura e Enologia. Após alguns anos de sua formação, tornou-se o primeiro presidente e sócio fundador da Associação Brasileira de Técnicos em Viticultura e Enologia. Como escritor, lançou diversos livros técnicos e algumas obras sobre histórias de famílias, além de inúmeras publicações com o tema “uva e vinho”.
Destacou-se, em 2019, ao publicar o livro “A Epopeia da Uva Isabel no Rio Grande do Sul”, primeira obra literária no Brasil em torno deste assunto. Além disso, foi o escritor homenageado da 37ª Feira do Livro de Bento Gonçalves, entre outras honrarias e medalhas durante as atividades profissional enológicas, nos três campos: agroindústria privada, a atuação pública federal no magistério e a produção particular. “O primeiro foi na área privada, onde a experiência profissional é o fato mais importante na vida de qualquer pessoa. O segundo é a experiência do magistério por um quarto de século, que foi extremamente uma vivência significativa. Graças ao domínio de idiomas, foi possível continuar a aquisição de literatura técnica de Enologia da Itália, França, Espanha, Portugal, e no idioma inglês. A terceira experiência foi na área da elaboração de Licores naturais com 22 sabores naturais”, revela.
De acordo com Splendor, ao longo de sua caminhada aconteceram muitas mudanças. “O consumidor está buscando vinhos de uvas Vitis vinífera tintas, pois, foi anunciado em mídia, alternadamente enaltecendo as propriedades que o mesmo aporta ao organismo. E, ao mesmo tempo em que a Avaliação Nacional de Vinhos pela Associação Brasileira de Enologia (ABE) acontecia, boa parte da população começou a ter confiança na produção do país e cresceu o número de agroindústrias de pequeno e médio porte na obtenção de vinho com conhecimento da elaboração”, informa.
Para o escritor, a obra que mais lhe agrada, dentre as tantas em seu portfólio, é “Vinhos: Degustação e Serviço, Saúde, Enoturismo – Licores”, o primeiro de sua criação. “Me agrada muito como profissional, mas despertou em mim a área da degustação. Pois, quando fiz minha habilitação em Enologia, os consumidores sabiam quatro vocábulos, Gostei, não gostei, Bom e ruim. Para quebrar esse episódio, coloquei a degustação como parte integrante da Enologia”, reitera.
Splendor enfatiza que a viticultura é antiga e ocupa uma posição de destaque na Agricultura. “O cultivo da vinha tem seu valor patrimonial, sendo o papel representativo dessa atividade humana. Também há o valor social, que é a contribuição desse cultivo que gera núcleos habitacionais, com ações de sustentabilidade para muitas pessoas, além da fixação do elemento humano na área vitícola”, declara.
Firmino ressalta, também, que o vinho é um ser vivo e como tal ele terá resposta positiva, igual a um filho no colo. “Vinho com atenção, resposta excelente. Criança com carinho, estará equilibrada na sociedade, a sem amor, será o sem destino na rua”, finaliza.
Fotos: Cláudia Debona