Curta “O menino da Terra do Sol” é baseado no livro homônimo de Flávio Luis Ferrarini, obra autobiográfica que fala sobre a infância e juventude do autor no interior de Nova Pádua
No parágrafo final de “O menino da Terra do Sol” — sua última obra em vida —, livro de contos poéticos onde narra sua infância e juventude em Travessão Paredes, no interior de Nova Pádua, o poeta, cronista e contista, Flávio Luis Ferrarini conclui: “Você tanto pediu que contei a história da minha vida. […] É claro que não é uma história incrível que daria um filme”. Cinco anos após a publicação dessas linhas, como resposta do destino, a história contada em livro está prestes a estrear também nas telonas no 47º Festival de Gramado, que ocorre entre os dias 16 e 24 de agosto.
O filme homônimo da produtora bento-gonçalvense de Michel Marchetti, diretor, e Dandy Marchetti da Rosa, diretor de fotografia, foi uma das duas produções da Serra Gaúcha selecionadas para a competição de curtas gaúchos do festival — a outra foi “O carnaval de Gregor” do caxiense Kiwi Bertola. Além de disputar o prêmio de “Melhor curta-metragem” no certame gaúcho, a obra concorre ainda na categoria “Melhor Ator”, pela atuação de Eduardo Giovanella de Almeida, aluno do teatro da “Casa das Artes”, que interpretou Nini, o personagem principal.
Livremente inspirado na obra de Ferrarini, o curta conta a história de Nini, um menino tímido do inteiro que vive a solidão e aventuras da infância, enquanto sonha em ser escritor. “Nini lia Camões quando criança, lá no interior, e ficava de olho na máquina de escrever do pai. Um dia ele escreve um texto para a escola sobre uma menina que gostava, pensando que ia conquistá-la. Não conseguiu, mas despertou uma paixão ainda maior: a paixão pela literatura”, conta Dandy.
Com uma “produção de cinema”, como comenta Dandy, a obra contou com uma equipe de 24 profissionais, além de 40 figurantes. As cenas foram gravadas ao longo de dez dias, em maio deste ano, no interior de Flores da Cunha e Nova Pádua, recriando o cenário rural dessas cidades nas décadas de 1960 e 1970.
Uma obra, uma indicação
Apesar de já terem desenvolvido dois documentários, “Memórias do Vale dos Vinhedos” (2015), e “Talian: la nostra vera lengua madre” (2015), obra que lhes rendeu os prêmios de melhor documentário e edição no 4º Cineserra, “O menino da Terra do Sol” é o primeiro filme oficial da produtora.
Não é de estranhar, portanto, a surpresa com que foi recebida a ligação que informou a seleção da obra entre os 20 curtas gaúchos selecionados para o festival. “Eu estava fotografando no estúdio para outro vídeo, o Michel na rua, quando nossa assistente de direção recebeu um telefonema dizendo que fomos selecionados. Então, quando ela nos avisou, fomos pegos de surpresa. Foi um projeto grande, com ótimos profissionais, e queríamos muito ser selecionados. A gente ficou muito feliz mesmo, sendo o primeiro filme que fizemos e já estar dentro é muito gratificante”, exclama Dandy.
Apesar de ter sido gravado em maio de 2018, a ideia da obra surgiu ainda em 2016, quando Raquel de Marco, esposa de Dandy, ganhou o livro de Ferrarini de um amigo. Após se encantar com a escrita e a poética da coletânea de pequenos contos do autor, recomendou a obra a Dandy e este a apresentou a Michel. A ideia de adaptar a obra para o audiovisual foi instantânea. Cerca de seis meses após o trágico acidente de trânsito que tirou a vida do escritor, a obra em que recordava sua infância era roteirizada e inscrita no Fundo Municipal da Cultura. “Inscrevemos o projeto e fomos falar com a família (de Ferrarini) para pedir a autorização. Apresentamos o roteiro e nosso trabalho, e eles gostaram muito. Ele faleceu só alguns meses antes de estarmos ali com a família. Foi um lapso de tempo muito curto, ele poderia estar nos acompanhando”, lamenta Dandy, emocionado.
Por termos técnicos e por ultrapassar os valores máximos da produção, no entanto, o filme não foi contemplado pelo fundo. A captação de recursos feita junto a empresas privadas, os testes de elenco e todo serviço de produção levaram mais dois anos. Foram, ao fim, cinco anos de esforços para que as aventuras do menino Nini, que sonhava em ser escritor, enquanto se divertia levantando poeira com seu carrinho de lomba ou contemplava as labaredas dançando no velho fogão a lenha, em uma época onde a televisão era objeto de luxo, fossem contados em um filme.
Além do Festival de Gramado, a produção deve prosseguir em execução em outros festivais por aproximadamente um ano. Com a expectativa de ser reconhecidos por meio desses eventos, a produtora já tem ideia para mais um par de filmes. O objetivo, adianta Dandy, é poder se dedicar cada vez mais a paixão de fazer cinema. “Uma coisa que estamos trabalhando devagar é transformar histórias de vida em arte. Gostaríamos de trabalhar menos com publicidade, deixá-la um pouco para trás para trazer essa parte artística, que temos desde antes da produtora, para primeiro plano”, projeta.