À frente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Bento Gonçalves, presidente fala da sua história e dos desafios que a entidade impõe
Há mais de 30 anos, Orildes Maria Lottici dedica parte de sua vida ao trabalho no Sindicato dos Empregados no Comércio de Bento Gonçalves (SEC-BG). Uma mulher que tem uma incrível história, que saiu de casa ainda criança para trabalhar, que superou dores e desafios e que atua a cada dia por melhores condições para a categoria que defende, nos conta como é o cotidiano no Sindicato e sua visão sobre a desigualdade praticada contra as mulheres, mas também fala sobre as inúmeras conquistas e batalhas vencidas.
A vida no Sindicato
São mais de 30 anos de participação profissional. Foram muitas mudanças, crises, dificuldades, mas metade da minha vida dedico às causas dos trabalhadores da categoria comerciária. São muitas as lutas diárias e lágrimas derramadas, mas muita alegria a cada novo passo, a cada nova conquista, a cada dificuldade superada. Diversas pessoas passaram pelo nosso comércio, milhares, e foram muitas as que auxiliamos, seja com uma palavra de conforto, seja com ajuste de cálculos trabalhistas, seja com orientações acerca de direitos e de deveres. Este é nosso papel. Estarmos aqui, a postos, prontos para recebermos as demandas e ofertarmos o que sabemos fazer de melhor. Se nos foi conferida essa missão, precisamos ser fortes, acreditar e trabalhar arduamente em prol daqueles que são nossos protegidos, no nosso caso, os comerciários. Posso afirmar que não é fácil. Mas ninguém disse que seria. A cada ano surgem novas dificuldades, novos desafios. Alguém imaginou, um dia, que passaríamos por dois anos de uma pandemia intensa, trabalhando de portas fechadas, não podendo defender nosso ganha-pão? Jamais. Mas passamos. E sobrevivemos. Muitos não tiveram essa sorte, ou não tiveram a força, ou faltaram condições psicológicas, financeiras. Aos que ficaram, ainda haverá muito tempo para recuperação. As marcas serão eternas, as lembranças também. Lembranças das vidas que perdemos, e isso foi o que mais marcou e doeu. Lembranças dos empregos perdidos, das rendas perdidas, das portas que se fecharam para sempre, deixando na rua milhões de trabalhadores, sonhos de investidores que desabaram. Mas penso que não podemos desistir. Precisamos seguir e tentar reverter o sofrimento em conquistas, os problemas em novas oportunidades.
Imposto Sindical
Esse para mim, é um assunto passado. Sou totalmente a favor do fim do Imposto Sindical, no modelo que existia. Penso que não tem que retornar de forma obrigatória, porque em todos os setores temos os bons e os ruins. Aquele dirigente sindical que ficava esperando 30 de abril para entrar dinheiro no Sindicato tem que acabar. Temos que mostrar que existe, sim, muito serviço numa entidade sindical e que temos que sobreviver do nosso trabalho. A categoria precisa entender isso. Os trabalhadores precisam se dar conta de que se o Sindicato acabar, os direitos que eles têm hoje, também acabarão. E aqueles que pensam que o Sindicato não serve para nada, porque infelizmente existem os que pensam assim, deveriam se informar melhor. Somos nós que asseguramos, através dos Acordos e Convenções Coletivas, as melhores condições de trabalho e os reajustes salariais. Garantimos direitos que os patrões já teriam retirado há tempo se não fôssemos fortes, teimosos, e convictos do que fazemos. Os convênios e outros benefícios que oferecemos, que para alguns, é só o que o Sindicato faz, nós oferecemos porque queremos agregar, não porque seja a obrigação da entidade.
Acordo Coletivo de Trabalho
Nos últimos anos os Acordos Coletivos de Trabalho se sobrepuseram às Convenções. Isso não é bom, porque parte da categoria profissional é beneficiada e outra não. Apesar das dificuldades em chegarmos a um consenso, a Convenção facilita o regramento coletivo, porque tem uma abrangência de totalidade. Com as incertezas, com a demora e as dificuldades em negociar com o Sindicato Patronal, muitas empresas locais e algumas redes, nos procuram para fechar acordos individuais. E isso tem ocorrido de forma significativa, em vários municípios da base territorial do Sindicato. Na verdade, os próprios empresários cansam das indefinições do Sindicato que os defende e vem até nós para agilizar o processo e poder trabalhar com segurança, sem sofrer penalidades que podem ser impostas mediante ao trabalho sem um Acordo ou uma Convenção firmada.
Convenção Coletiva
Muitas pessoas não sabem a diferença entre o Acordo e a Convenção. O Acordo, conforme mencionado, é feito entre o Sindicato e uma empresa ou rede. Já a Convenção é feita de forma Coletiva, entre o Sindicato dos Empregados e o Patronal. Nossa data-base é 1º de março, ou seja, a Convenção vigora por um ano, e encerra sua validade sempre em 28 de fevereiro. A partir daí, há uma “desassistência”, ou seja, caso não haja uma nova Convenção já assinada e a empresa não tenha um documento firmado com o Sindicato dos Empregados, ela não pode abrir em nenhum feriado, por exemplo. E este é só um exemplo.
Neste ano, a Convenção foi assinada em 20 de julho, seis meses após o início das reuniões. Negociamos anualmente com 12 sindicatos patronais, alguns estaduais. Importante dizer que todas as empresas que assinaram o Acordo Coletivo direto conosco, este prevalece sobre a Convenção, que assim que assinada, terá validade apenas para aquelas empresas que não têm um Acordo firmado.
Igualdade salarial
Apesar das mudanças e processos democratizadores, a situação da mulher, no Brasil, continua sendo de discriminação. Modificações legais aos códigos civis e às leis trabalhistas buscaram, há cerca de 35 anos, desde a Constituição de 1988, fórmulas que eliminassem a discriminação da mulher, mas a aplicação é pouco sentida. Toda uma cultura machista ainda influencia em atitudes e comportamentos sociais, limita e coíbe o avanço da mulher em quase todos os aspectos. Infelizmente, esta é a nossa realidade. Fala-se tanto em igualdade, em oportunidades, mas a teoria é uma, a prática é outra. Temos, sim, muitas mulheres “no comando”, como costumamos dizer, mas somente isso não basta. Muitas delas estão ocupando espaços que até tempos atrás eram exclusivamente masculinos, como a construção civil, o transporte de cargas e passageiros, a medicina, a advocacia, os altos escalões de empresas, mas pouco se vê na política, por exemplo. Além disso, em todas as profissões, existe diferença salarial, diferença de tratamento, em prejuízo à mulher. E quando eu falo em diferença de tratamento, me refiro, principalmente, às questões relativas à maternidade. Muitas cabeças não entendem as necessidades de uma mãe perante os filhos e a família. E isso acaba sendo motivo de entraves e conflitos, e por consequência, gerando o ingresso na justiça para garantir os direitos que são assegurados por lei.
Assédio Moral
O tema está muito em alta, juridicamente falando. São inúmeras as ações, que temos conhecimento, tramitando na Justiça do Trabalho. E aqui, não são somente as mulheres as prejudicadas. São muitos trabalhadores, de forma geral. No caso do comércio, que funciona em média 8h diárias, mais o sábado e, muitas vezes, domingos e feriados, é inadmissível que não se ofereça um local digno para descanso, levando-se em consideração que a maior parte dos comerciários trabalha de pé. É inadmissível não ter um local digno para alimentação, para um simples lanche. Também não podemos aceitar, em pleno Século XXI, que as pessoas sejam discriminadas pela cor do seu cabelo, pelas roupas que vestem, pela cor das unhas, ou por muitas outras questões essencialmente pessoais. Por óbvio que as pessoas precisam ter noção, principalmente no que diz respeito às suas vestimentas, mas esse é um motivo pelo qual defendemos o uniforme nas empresas, mas estas, por sua vez, precisam oferecer aos funcionários sem custo e em quantidade suficiente para a troca diária. E estes são apenas alguns pontos perto de muitos absurdos dos quais já tomamos conhecimento.
Reforma Tributária
Eu não creio que a Reforma Tributária, que ainda tramita no Congresso Nacional, vá mudar a vida do brasileiro, transformar tudo. Eu não tenho essa opinião. Acho que a estrutura de Governo nos três níveis – Município, Estado e União – precisa resolver problemas que têm que ser resolvidos, que envolvam a sociedade como um todo. Nós trabalhadores, na condição de consumidores, somos quem mais paga imposto, porque não temos lucro, não temos rendimentos, além do nosso salário. E fomos massacrados como movimento sindical desde o Governo Temer. Existiu um foco que era eliminar com a organização dos trabalhadores, foi isso que sentimos. Devido a isso, muitas coisas deixaram de ser feitas, como por exemplo, fiscalizações nas condições de trabalho. Para nos mantermos, enquanto Sindicato, não perdemos a nossa essência, trabalhamos muito. Perdemos recursos, obviamente, mas não os objetivos de defender os interesses coletivos da categoria comerciaria.
Conquistas
Foram muitas nos últimos 30 anos e é gratificante lembrar. Mas considero que uma das maiores tenha sido a Casa do Comerciário, a sede do Sindicato. Começamos timidamente, com pouco espaço, pouca privacidade para atender e ouvir os anseios dos comerciários que nos procuravam. Não tínhamos uma sala adequada para atendimentos que, na maioria das vezes, eram feitos no balcão da recepção. Mas com o trabalho e a organização da diretoria, fomos agregando espaços e melhorando nossas condições. Hoje temos um auditório equipado para cerca de 50 pessoas, onde são feitas palestras, eventos, e onde realizamos treinamentos e cursos, no período anterior à pandemia. Temos sala de atendimento privado para rescisões e cálculos trabalhistas. A equipe está preparada para prestar esclarecimentos, temos um departamento jurídico competente e comprometido. Conquistamos, também, inúmeros benefícios e convênios para nossos associados. Hoje, ainda vivemos os reflexos da política antisindical, com o trabalhador com receio de se aproximar do seu Sindicato, com medo da reação do seu patrão, muitos inclusive são induzidos a não contribuir e muito menos se associar. Mas na hora da dificuldade, dos erros e abusos que são cometidos em algumas empresas, principalmente no encerramento dos contratos, é para cá que os empregados se dirigem, todos, indistintamente. Muitos não entendem a importância do Sindicato e nem procuram se informar, até necessitar de verdade. Acredito, também, que a maior conquista ainda é a Convenção Coletiva, porque assegura condições de trabalho, direito ao descanso, ao bônus, aos feriados, ao salário, às comissões, enfim, àquilo que o funcionário busca no seu dia a dia e, principalmente, no início de cada mês, para colocar comida na mesa.
São muitas as lutas diárias e lágrimas derramadas, mas muita alegria a cada novo passo.
Orildes Maria Lottici
Dificuldades
Conforme destaquei, creio que uma das maiores dificuldades ainda seja a desinformação da categoria sobre a importância de existir um Sindicato que a defenda. Também a cultura do entendimento do Sindicato Patronal, que tem dificuldades em compreender as mudanças que ocorrem de um ano para outro, perdas inflacionárias, e as dificuldades dos empregados, que fazem verdadeiro malabarismo para sobreviver em condições mínimas. Precisamos fazer a roda da economia girar, precisamos garantir o poder de compra para a sustentação das próprias empresas, e por óbvio, isso passa pela melhoria salarial. É muito claro o que ocorreu nos últimos anos com relação ao custo de vida, aumentos de aluguel, de combustível, de transporte coletivo, de alimentação, de vestuário. Então, da mesma forma, fica muito claro que para cobrir esses custos que se elevaram significativamente, é preciso ter um ganho que acompanhe. Sem um salário razoável, não há como fazer aquisições. A matemática é muito simples, direta e objetiva. Só não vê quem não quer.
Planos e projetos
A diretoria do Sindicato tem inúmeros projetos, todos voltados ao desenvolvimento profissional, ao bem-estar, saúde e lazer da família comerciária, mas antes de qualquer movimento, queremos ter a convicção de que os comerciários estejam com seus direitos assegurados. Pouco adianta oferecermos inúmeros convênios, benefícios, melhorias ou ampliação na nossa infraestrutura se percebemos que há dificuldades verdadeiras da categoria para usufruir e desfrutar daqueles investimentos. Hoje temos concentrado nossos esforços e recursos em pesquisas de mercado, contratação de profissionais, para assessorar a direção sindical na busca de negociações que garantam a remuneração e que os direitos sejam cumpridos.
Na última Assembleia, realizada em dezembro de 2022, um dos pontos que destaquei foi de que os comerciários contribuintes precisam ser, de alguma forma, mais beneficiados. E que não podemos dar o mesmo atendimento e mesmo tratamento àqueles que não contribuem com o Sindicato, com a manutenção da estrutura que ofertamos. E estamos trabalhando em cima disso. Procurando mostrar a importância das contribuições dos comerciários, que são valores pequenos e acessíveis ao coletivo, mostrar o trabalho do Sindicato em Bento Gonçalves e nos municípios da região. Temos convidado os comerciários para que venham nos conhecer, se informar sobre os serviços prestados, sobre o que temos para oferecer e, principalmente, sobre a importância da Convenção e dos Acordos Coletivos. Temos um grande propósito, uma grande missão, e podemos melhorar ainda mais, ofertar ainda mais, se contarmos com o apoio e a parceria daqueles que defendemos e para os quais trabalhamos.