Empresários ligados ao transporte de cargas falam sobre as dificuldades de trafegabilidade, os perigos do trânsito na Serra Gaúcha e os impactos pré e pós instalação das praças de pedágio
Trafegar pelas rodovias da Região da Serra é, sem sombra de dúvidas, uma aventura. Todo o cuidado sempre parece pouco diante de um relevo inconstante, de períodos de neblina intensa, de trechos sinuosos e mal sinalizados. Que diga quem praticamente vive na estrada, administra grandes equipes e tem no transporte de cargas o seu ofício.
Elton Paulo Gialdi, está no setor há 32 anos, sendo há 17 proprietário de uma transportadora. Ele afirma ser incomensuráveis os prejuízos ocasionados pela falta de rodovias adequadas. “As sociedades mais desenvolvidas, desde sempre, tiveram excelentes rodovias. Nos países de primeiro mundo, por onde se viaja, sempre encontramos rodovias de altíssima qualidade. Aqui no Brasil, o Estado mais pujante, que é São Paulo, tem estradas impecáveis. No Rio Grande do Sul sofremos um prejuízo enorme em função de não termos rodovias adequadas. Estamos assim há 30, 40 anos. Na Serra Gaúcha, por exemplo, o custo do transporte se torna muito elevado em função de não termos boas rodovias. Quando se fala em custos de transporte, estamos falando em manutenção, em tempo de direção, em hora-extra de profissionais que poderiam chegar nas bases das transportadoras em um tempo muito hábil, porém, demoram muito mais em função de termos estradas ineficazes e inoperantes”, comenta.
No que diz respeito ao turismo, Gialdi destaca que poucos se dão conta de que o setor é muito impactado por rodovias inapropriadas, inseguras e que não oferecem o prazer de dirigir. “Quantas pessoas, casais, idosos que gostariam de vir fazer um passeio de automóvel na nossa Região e aproveitar todas as riquezas, a culinária, os bons vinhos, as paisagens, porém não se encantam, não se empolgam, em função de rodovias sinuosas, de pistas simples, com o trânsito extremamente pesado. Certamente isso acarreta prejuízos”, crê.
Para ele, embora o processo de concessão das rodovias não seja a solução mais adequada, acabou se tornando necessária. “As tarifas, no meu entendimento, ficaram extremamente altas, o que trará impactos no custo de vida e no custo dos produtos. Já vivemos em uma Região consideravelmente cara, mas entendo que mesmo com esse processo (pedágios)não tão adequado, foi necessário a instalação dos pedágios se quisermos ter rodovias duplicadas com passagem em desníveis, com viadutos que nos tragam segurança. Entendo que não existe desenvolvimento, melhoria, prosperidade para uma sociedade, se não tivermos excelentes caminhos, em que consigamos transportar produtos, exportar, atrair turismo, oferecer segurança aos próprios habitantes”, salienta.
Exercendo atividades no setor do transporte há 40 anos, César Anderle acredita que os grandes impactos das rodovias não duplicadas, passam pela demora para desenvolver a viagem e chegam ao desconforto para o motorista de estrada. “Tem a questão da insegurança, que além de prejudicar, oferecer uma instabilidade ao motorista, faz com que tenhamos menos profissionais no mercado. A falta de motoristas, por sua vez, gera uma ansiedade aos que trafegam”, frisa.
Anderle afirma, ainda, que há uma verdadeira guerra entre caminhões e automóveis nas estradas. “Isso não é bom, porque o automóvel, por ser um veículo menor, muito mais rápido, acaba tendo facilidade nas decisões e na condução. Um caminhão tem seu peso, tem o seu comprimento, e isso faz com que a dirigibilidade seja mais dificultada. Uma rodovia duplicada vai facilitar a vida de todos, porque o veículo lento será conduzido na direita e os automóveis, por sua vez, terão passagem pela outra pista, diminuindo os riscos para todos”, salienta.
Outra preocupação do empresário, vista como dificuldade, diz respeito às obras nas rodovias pedagiadas. “Enquanto houver essa transição de construção da pista dupla, por exemplo, as intervenções serão feitas durante o dia. Isso vai acabar prejudicando o tempo de passagem dos veículos e gerar um nível de estresse elevado. Creio que a concessionária deva melhorar a comunicação, informar nos mais diversos canais, quando vai ser executada a obra, o que vai ser feito, qual será o cenário quando estiver tudo resolvido. Isso dará uma amplitude no serviço e do desconforto atual”, aponta.
Os prós e os contras da concessão rodoviária
Para Anderle, a concessão das rodovias vai fazer com que haja um custo alto no que diz respeito ao pagamento do pedágio, uma vez que são muitas as praças no entorno da Serra Gaúcha. “O custo de pedágio hoje, no meu segmento, gira em torno de 12% total do frete. É importante que todos compreendam que, com a instalação das novas praças, haverá um aumento substancial, que poderá atingir 17 a 18% do frete. Esse é um ponto negativo. Outro é a questão do Free Flow, que até facilita, porém, ainda tem muitos usuários que possuem cartão de pedágio, como é o caso da minha empresa. Isso vai fazer com que o motorista tenha que parar numa base operacional para quitar a passagem, o que implica na perda de tempo”, destaca.
Ainda com relação ao Free Flow, Anderle enfatiza que os prejuízos serão ainda maiores para os usuários que não tiverem um bom entendimento de mídias. “Se a pessoa não sabe manusear muito bem o celular, não tem a aptidão, ela certamente vai receber as multas, vai perceber isso no momento que for pagar o IPVA, ou fazer uma transferência do veículo. Imagina a dificuldade e o desconforto de quem não se deu conta. Também percebo que a informação não está chegando aos usuários, ou seja, deveria ter uma ampla divulgação em vários canais, alertando sobre essa condição. Imagine dizer que o pedágio deverá ser pago através de um APP, sendo que muitas pessoas nem sabem o que é um APP”, comenta.
Mas o empresário também enxerga pontos positivos na instalação das praças. “Quando se tem uma via pedagiada, se tem manutenção adequada, boa sinalização, conforto de trafegabilidade, uma viajem mais tranquila, mais segura e assistência durante esse trajeto”, pondera.
“Usuários estão divididos”, afirma Presidente do Sinditrans
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Logística e Transportes Rodoviários de Bento Gonçalves e Região (Sinditrans), Fernando Parisotto, acredita que a falta de rodovias duplicadas tem gerado uma série de desafios para o setor dos transportes, que vão desde atrasos até riscos de acidentes. “As condições das estradas afetam diretamente a eficiência e a segurança para motoristas, usuários e empresas de transporte, refletindo em custos operacionais mais altos que podem ser sentidos pelos consumidores em geral”, diz.
Parisotto também acredita que os usuários estão divididos com relação à instalação do pedágio. “Há expectativas mistas na sociedade. Por um lado, essas praças podem trazer melhorias para a infraestrutura diante da deficiência do poder público em realizá-las. Por outro, os pedágios representam um custo adicional que refletirá negativamente no orçamento das famílias e das empresas”, pontua.
O presidente observa, ainda, que a atuação do Governo tem impactos adversos na vida das pessoas e das empresas. “Não identificamos iniciativas para essas mudanças. O pesado fardo da carga tributária afeta as famílias e empresas, reduzindo o poder de compra dos consumidores e a capacidade de investimento das empresas. Isso desencoraja o empreendedorismo e a inovação na Região”, lamenta.
Para ele, são necessários planejamentos estratégicos eficazes, juntamente com uma execução eficiente dos projetos, o que poderá ajudar a acelerar as melhorias necessárias. “Envolver a comunidade nas decisões sobre infraestrutura é crucial para garantir que os projetos atendam às necessidades locais e minimizem possíveis impactos negativos. A má gestão dos recursos públicos, seja por falta de planejamento ou incompetência, pode resultar em serviços públicos de baixa qualidade e investimentos ineficientes. Isso prejudica a sociedade ao não oferecer os benefícios esperados dos impostos que são pagos. O que não podemos admitir é que a solução seja sempre pelo aumento da tributação”, conclui.
Primeira etapa da duplicação deverá iniciar este ano
A Concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG) afirma que a primeira etapa da duplicação, que compreende aproximadamente 30km, iniciará ainda em 2024 e deverá ser concluída até janeiro de 2026. Nela, estão contemplados um trecho de 10,96km da ERS-122, no entorno de Caxias do Sul, além de 18km da RSC-453, entre Garibaldi e Farroupilha. “A duplicação destas rodovias é fundamental para o desenvolvimento da região, e será uma transformação na malha viária da Serra Gaúcha. Os desafios são muito grandes, mas tudo está sendo realizado conforme o cronograma estabelecido pelo contrato e executado pela concessionária”, garante o diretor-presidente da CSG, Ricardo Peres.
A concessão da CSG
O conjunto de estradas da CSG representa 271,5 km de concessão no Vale do Caí e Serra Gaúcha. Desde 1º fevereiro de 2023, a empresa é responsável pela administração e manutenção de trechos da RSC-453 (km 101,43 ao 121,41), BR-470 (km 220,50 ao 233,50) e RSC-287 (km 0 ao 21,49), além da totalidade da ERS-122 (km 0 ao 168,65), ERS-446 (km 0 ao 14,84) e ERS-240 (km 0 ao 33,58).
O contrato de 30 anos prevê investimentos de mais de R$ 4,6 bilhões, sendo que cerca de 80% do valor será utilizado nos primeiros 10 anos do contrato. Entre as principais obras previstas para os sete primeiros anos da concessão estão a duplicação de 120 km de rodovias (67% do trecho), 55 km de faixas adicionais (3ª pista), 20 km de vias marginais (estradas paralelas às rodovias principais), 10 km de ciclovias (entre Caxias do Sul e Farroupilha), quatro postos de pesagem, 45 passarelas, 296 novos pontos de ônibus, ampliação da segurança viária e sinalização, atendimento 24 horas de socorro médico e mecânico, manutenção, entre outras ações.
Cronograma da RSC-453
- Primeira etapa: 2024, 2025 e 2026 – km 101 a km 119, da RSC-453, entre Garibaldi e Farroupilha
- km 103 – será implantada uma rótula alongada permitindo a interligação entre a localidade de Tamandaré, em Bento Gonçalves, e a cidade de Garibaldi;
- km 104 – rótula alongada será implantada, permitindo que as vias do bairro Nova Sardenha, em Farropilha, tenham acesso à rodovia;
- km 107 – transposição em desnível será implantada, interligando a rodovia com as vias locais no sentido de Bento Gonçalves;
- km 109 – outra rótula alongada será construída, permitindo a interligação das vias locais do bairro Nova Sardenha, em Farroupilha, com a rodovia;
- km 113 – rótula alongada será construída, interligando a rodovia com a ERS-448
- Km 115 – rótula alongada será construída, permitindo a interligação das vias locais do bairro Nova Sardenha, em Farroupilha com a rodovia;
- km 115 a 117 – vias marginais serão construídas, permitindo o tráfego das vias locais sem acesso à rodovia
- km 117 – outra rótula alongada será construída;
- km 119 – transposição em desnível será implantada, interligando a rodovia com as vias existentes na região.
Fotos: Ranieri Moriggi, Sinditrans, Daniliszyn Manassés e Arquivo