Sindipetro e economista explicam as especificidades da precificação do combustível e quais são os impostos e valores que podem impactar no bolso do consumidor

Em matéria divulgada no Portal do Governo do Estado, a Secretaria da Fazenda apontou tendência de queda nos preços da gasolina a partir de hoje, dia 16. A realidade, porém, pode não ser assim. Se de uma ponta, o anúncio do Governo, realizado na última semana, assinalou diminuição no valor da base de cálculo para a gasolina comum de R$ 4,4016 para R$ 4,3294 (redução de 1,64%), na terça-feira, 12, na outra, a Petrobras anunciou aumento de 1,01% no preço do combustível nas refinarias, passando de R$1,5079 para R$1,5232. Deste modo, o valor que chegará até a bomba deve permanecer estável.

Segundo Eduardo Martins, presidente do Sindipetro, sindicato que representa os postos de gasolina da Serra Gaúcha, o desconto anunciado pela Secretaria da Fazenda seria de aproximadamente dois centavos, mas deve ser menor ou mesmo nulo já que o valor cobrado às distribuidoras será mais alto. “30% de ICMS sobre R$ 4,32 vai dar cerca de dois centavos de diferença, que é onde impacta o preço. No entanto, não sei se a queda no valor cobrado nos postos chegará a isso, pois, coincidentemente, ao mesmo tempo teve esse aumento na Petrobras, que a distribuidora também repassa. Então, talvez, um vai anular o outro e não vai chegar ao consumidor”, estipula.

 

Aumentos e baixas na Petrobras

Os anúncios de ordem antagônica entre o Estado e a petroleira são o exemplo perfeito de como funciona o processo de precificação do combustível e o porquê muitas vezes os valores divulgados pela imprensa nem sempre chegam ao público final.

Para Martins, divulgações constantes como as de queda de valor na ordem de 1% pela Petrobras acabam passando a falsa impressão de que o preço da gasolina está baixando sem chegar ao consumidor. “Só em 2019 já foram divulgadas diversas baixas da Petrobras nessa faixa, mas logo ali na frente teve aumento. Se considerarmos todo esse período de 45 dias, hoje a gasolina está mais cara que em janeiro. A gente virou o ano com o preço de R$ 1,5087, agora está R$ 1,5232”, comenta. Ele aponta ainda, que em fevereiro, por exemplo, o preço só tem aumentado. “Agora teve baixa do petróleo, mas aumento do dólar, na conta da Petrobras se aumentou o combustível. Neste mês só teve aumento, saímos de R$ 1,47 para R$ 1,52. Já são cinco centavos a mais”, complementa.

As mudanças constantes de preço, baseadas nas pesquisas quinzenais de valor base de tributação feitas pela Receita Federal no Rio Grande do Sul somado às variações do mercado internacional que influenciam nos reajustes feitos pela Petrobras, faz com que até a tarefa de prever tendências de queda ou alta nos preços não seja nada fácil. “A revenda é sensível à questão de preço que chega à distribuidora. O posto não segura baixa nem aumento por muito tempo. Como os valores estão relacionados ao preço do dólar e do petróleo, é complicado enxergar como isso vai se comportar a médio ou longo prazo. Isso depende muito da pressão externa do preço internacional”, observa.

. “A revenda é sensível à questão de preço que chega à distribuidora. O posto não segura baixa nem aumento por muito tempo. Como os valores estão relacionados ao valor do dólar e do petróleo é complicado enxergar como isso vai se comportar a médio ou longo prazo. Isso depende muito da pressão externa do preço internacional”, observa.

Quinto em ICMS, nono em preço final

É sobre o valor de R$ 4,3294 estipulado pela Receita Federal, com base em verificações em mais de 490 municípios gaúchos, que o Estado cobra a alíquota de 30% referente ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS). O imposto estadual é aquele que mais influencia no preço final da gasolina.

De acordo com último levantamento da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis), no Rio Grande do Sul, R$ 1,320 do valor cobrado nas bombas corresponde à alíquota destinada ao ICMS, o quinto valor mais alto do Brasil. A gasolina no estado é a nona mais cara do Brasil. A título de comparação, em Santa Catarina, onde o ICMS é de 25%, o preço da gasolina é o menor do Brasil, chegando a R$3,66 no posto mais barato de Florianópolis.

O aumento da alíquota de 25% para 30% aprovada durante o governo de José Ivo Sartori (PMDB) como medida emergencial para equilibrar as contas do Estado em 2015, será mantida pelo Governo de Eduardo Leite até 2020. O valor repassado pelo Estado corresponde sozinho a mais de 20% do total das receitas dos municípios gaúchos. Só o recuo de R$ 0, 27 no valor de referência de recolhimento do ICMS da gasolina comum ocorrido na virada do ano – quando o preço base passou de R$ 4,82 para R$ 4,55 -, correspondeu a R$ 350 milhões a menos de recolhimento de impostos por parte do Estado em janeiro.  O valor, segundo Martins, não deveria prejudicar os repasses aos municípios. “Ano passado teve aumento da gasolina nunca antes visto na história. Esteve acima de R$ 5 por um longo período, e o Estado arrecadou um grande valor. O ICMS nunca baixou porque o preço era alto e aí quando baixa para um valor pouco mais aceitável, eles alegam que tiveram prejuízo de arrecadação”, protesta.

Segundo Martins o alto valor do ICMS explica também a redução de 4,1% no consumo de gasolina por parte dos gaúchos no ano passado, apontado em levantamento da ANP realizado em novembro. “Essa visão do Estado é míope, pois quanto mais caro o valor, menos consumo e volume se tem. É só comparar com Santa Catarina, estado muito menos populoso que o nosso, e com um consumo de combustível chegando perto ao do Rio Grande do Sul”, opina.

A opinião do Sindipetro é endossada também pela coordenadora do curso de Ciências Econômicas da UCS, Jacqueline Maria Corá. “Se o imposto fosse menor, é claro que haveria uma menor arrecadação aos cofres públicos, mas há, por outro lado, a argumentação de que se o Estado abrir mão desse valor, ao reduzir o preço do combustível as vendas seriam maiores e a compensação se daria no volume”, explica.

Além do preço mais baixo poder gerar aumento no consumo de gasolina, a economista acredita que outros serviços e produtos também seriam mais aproveitados aquecendo a economia. “É importante dizer que nossa renda não é elástica. Se ganho R$2 mil, por exemplo e gasto R$ 200 em gasolina, não posso gastar essa parcela em outra coisa. Mas se o combustível baixa e passo a gastar R$ 150, vou ter R$ 50 para o cinema ou mercado. Não é só o aumento no consumo da gasolina que impulsionaria a economia”, opina.

Para Jacqueline, seria importante o Estado encomendar um estudo técnico para identificar se seria economicamente mais proveitoso manter uma grande carga tributária para garantir a arrecadação ou diminuir os impostos incentivando uma maior demanda. “O Governo olha apenas para a redução da arrecadação do tributo da gasolina, mas como reduzir isso iria impactar em outras atividades econômicas? Isso não seria compensado? A questão dos fretes e de todas atividades econômicas que têm em seus principais custos a questão do combustível não são analisadas”, finaliza.

 

Entenda o processo de precificação da gasolina

O preço final do combustível repassado ao consumidor é composto basicamente por quatro parcelas: preço na petroleira, custo do etanol anidro, tributos estaduais e federais (ICMS, PIS/Pasep e Cofins, e CIDE), e as margens de lucro das distribuidoras e dos postos de gasolina.

Tudo começa com o preço pelo qual a gasolina chega aos distribuidores vindo da Petrobras. A essa gasolina são acrescentados os valores dos impostos federais, que giram em torno de 16%. Além da gasolina pura comprada, as distribuidoras também compram de usinas produtoras o etanol anidro por um custo aproximado de 10%, que é misturado à gasolina que será vendida ao consumidor, em proporção determinada por legislação (atualmente no percentual de 27% por litro), transformando o produto em gasolina C.

As distribuidoras pagam ainda o ICMS de acordo com cada Estado. Ao final, então, vendem a gasolina aos postos, que estabelecem o preço por litro que será cobrado do consumidor. “Os postos ganham mais ou menos aí em torno de nove a 10% do valor inicial. O preço na bomba tem aproximadamente 50% de carga tributária, entre impostos federais que é a menor parte, e o estadual, que é a maior”, destaca Martins.