O toquinho de gente arregalava os olhos em seu primeiro passeio pelas ruas, depois de dois dos seus três anos, trancafiado em casa, convivendo com as mesmas pessoas, todas branquelas, diga-se de passagem. De repente, liberto daquele mundo monocromático, deparou-se com a diversidade…

-Por que ela tem essa cor, hein? – perguntou o gurizinho.

E agora, vovô?  Como explicar pra criança pequena? Precisava escolher as palavras certas a fim de não passar uma mensagem errada. Deus o livrasse de criar estereótipos ou conceitos discriminatórios. Mas quais eram as palavras certas?

Em outros tempos, a resposta seria um sonoro e definitivo “porque de sim”. Hoje, a criançada tem acesso à Internet, e as perguntas vêm com conhecimento agregado. Mas, como a atenção infantil se dispersa bastante nessa idade, nada melhor que apelar a uma sorveteria, que estava no meio do caminho…

Já eu fiquei matutando…  A cabeça do fulaninho do lado de cá é um vendaval de dúvidas… E para que ele não me deixe de saia justa, já estou em processo de maturação de uma historinha, mais ou menos assim:

“Então, Benício… Sabe essa marquinha da sunga? O sol fez teu corpo produzir mais melanina, que é uma espécie de tinta que vai proteger tua pele. Já pra outras pessoas como eu, que tem uma fábrica de melanina de baixíssima produção, nem adianta. Se eu ficar exposta ao sol, viro um sapo tomate (ou o feminino dele). Ainda mais em época de crise (depois dos “enta”), quando começa a faltar matéria prima”.

“Coisas da natureza… Imagina a África, com clima tórrido – calor, sol e ar rarefeito. O corpo teve que se adaptar pra sobreviver. Então, inteligentemente, começou a produzir melanina a todo vapor, escurecendo a pele, e a cachear os cabelos pra bloquear os raios solares. Até as narinas se abriram um pouco pra facilitar a respiração”.

“Aí, um grupo resolveu se aventurar pelo mundo. Onde havia pouco sol e muita neve, a produção de melanina foi diminuindo, e as pessoas, branqueando. Onde havia muita claridade, os olhos tiveram que se proteger com um leve puxadinho. E onde era frio e úmido, o nariz imitou uma tubulação pra aquecer o ar gelado antes de chegar aos pulmões. Que nem o nariz do teu vô. Se bem que, agora, com esses calores, ele não tem muita serventia… A não ser pra cheirar confusão… que é uma metáfora… que significa… Melhor deixar para outra crônica. Ufa!”