Uma vasta investigação da Polícia Federal (PF) expôs um esquema fraudulento de desvio de bilhões de reais das aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A inércia do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, que reteve por quase um ano o julgamento de recursos das entidades envolvidas nos descontos indevidos, é apontada como um fator que beneficiou as associações, postergando o possível fim dos descontos irregulares. Na terça-feira, 29 de abril, após a deflagração da operação da Polícia Federal, o governo Lula tomou uma medida enérgica e suspendeu os acordos com as associações sob suspeita. Estima-se que o prejuízo causado aos aposentados e pensionistas possa alcançar a cifra de R$6,3 bilhões entre os anos de 2019 e 2024.

Propina, laranjas e associações de fachada

As investigações da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU) detalharam o intrincado esquema, que envolvia propina a servidores, e agentes públicos do INSS, que eram corrompidos com o objetivo de fornecer informações privilegiadas dos beneficiários. Esses dados sigilosos eram cruciais para a realização dos cadastros fraudulentos pelas associações. Sobre a falsificação de assinaturas, as entidades envolvidas no esquema não se limitavam a persuadir os aposentados a se associarem. Em muitos casos, a autorização para os descontos mensais nos benefícios era simplesmente forjada, com assinaturas falsas inseridas em documentos. Assim como no caso das associações de fachada e dos “laranjas”, para dar uma aparência de legalidade às cobranças indevidas, eram criadas associações fantasmas. Frequentemente, essas entidades eram registradas em nome de pessoas vulneráveis, como idosos, indivíduos de baixa renda ou aposentados por incapacidade, que serviam como “laranjas” sem ter conhecimento ou participação real na gestão das associações. Um caso revelou que duas das associações investigadas operaram no mesmo endereço em Fortaleza (CE) por mais de quatro anos, tendo inclusive a mesma dirigente, Cecília Rodrigues Mota.

As movimentações financeiras atípicas da dirigente, incluindo 33 viagens em menos de um ano para destinos internacionais como Dubai, Paris e Lisboa, levantaram suspeitas. Há registros de aposentados que, no mesmo dia, foram filiados a mais de uma entidade — com erros de grafia idênticos nas fichas, apontando para fraudes. A liberação de descontos “em lote” pelo INSS, sem autorização individual dos beneficiários, também foi identificada como um fator para a “explosão” de fraudes.

Quem são os suspeitos?

A fraude envolve uma rede de indivíduos, incluindo dirigentes de associações e servidores do INSS. Estes últimos recebiam vantagens indevidas para facilitar a inclusão dos descontos nos contracheques dos aposentados. Onze entidades foram identificadas como sendo utilizadas para operacionalizar os descontos e movimentar os recursos desviados.

A operação da PF resultou na prisão preventiva de seis pessoas ligadas a entidades associativas de Sergipe. Adicionalmente, a Justiça determinou o afastamento de seis servidores do INSS, incluindo cinco membros da cúpula do órgão.

A escala da fraude em números

Um levantamento da CGU revela a dimensão do problema: somente no primeiro semestre de 2024, foram registrados 742.389 pedidos de cancelamento de descontos associativos considerados indevidos. Em impressionantes 95,6% desses casos, os aposentados declararam não ter autorizado os descontos. As reclamações concentraram-se nas 11 associações que tiveram seus acordos suspensos pela Justiça após o início da operação da PF. Ao todo, essas associações mantinham 6,54 milhões de beneficiários com algum tipo de desconto em folha, e a investigação busca determinar quantos desses foram vítimas da fraude.

O que a investigação descobriu

Os descontos eram efetuados como se houvesse uma concordância dos beneficiários em se associar, o que, na maioria dos casos, não ocorreu. Segundo o ministro da CGU, as associações alegavam prestar serviços como assistência jurídica e oferecer descontos em academias e planos de saúde. No entanto, as apurações demonstraram que “as entidades não tinham estrutura operacional para prestar o serviço que era oferecido”, conforme explicou Carvalho. Além dos casos de falsificação de assinaturas, verificou-se que 70% das 29 entidades analisadas não haviam entregue ao INSS a documentação completa exigida para realizar os descontos nos benefícios. O modelo de atuação dessas associações se baseava em Acordos de Cooperação Técnica (ACT) firmados com o INSS, que permitiam os descontos mensais na folha de pagamento de aposentados e pensionistas. Contudo, esses acordos exigem a autorização expressa dos beneficiários, requisito que a investigação constatou ser frequentemente ignorado ou fraudado devido à ausência de uma verificação rigorosa por parte do INSS. Um dos nomes que surgiu na investigação é o do Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), cujo vice-presidente é José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, irmão do presidente Lula. Em nota oficial, o Sindnapi declarou seu apoio às investigações contra descontos indevidos, afirmando ser “uma entidade séria, transparente e responsável” e que sempre atuou “com autorizações formais, em conformidade com as normas do INSS.”

Como os beneficiários prejudicados podem agir

A Polícia Federal orienta os aposentados e pensionistas do INSS que identificarem descontos indevidos de mensalidades associativas em seus extratos de pagamento a solicitar a exclusão automática do débito através do aplicativo ou site Meu INSS. Na tela inicial, está disponível a opção de consulta de “mensalidade associativa”. Dentro da plataforma, os beneficiários podem não apenas verificar os descontos, mas também solicitar a exclusão e/ou bloqueio através dos serviços “exclusão de mensalidade de associação ou sindicato” e/ou “bloqueio de mensalidade de associativa”. Esta funcionalidade visa simplificar o processo para que as vítimas da fraude possam reaver os valores descontados indevidamente e evitar futuros descontos não autorizados.