No país, mulheres em situação de vulnerabilidade social, recorrem a soluções improvisadas no período menstrual. Em Bento Gonçalves, existem cerca de 160 meninas, entre 12 e 17 anos que sobrevivem com renda familiar mensal inferior a R$ 89 e aproximadamente 300 na faixa etária entre 4 e 11 anos que vivem com este mesmo valor. Diretoria de algumas escolas distribui, de forma gratuita, o item, para quem necessita
A menstruação é um processo natural do corpo feminino. Embora não tenha idade definida para iniciar, em média, o primeiro ciclo ocorre entre os 11 e 13 anos, podendo se estender por 35 anos da vida de uma mulher. Durante o período menstrual, inúmeras são as formas de conter o sangramento, sendo o absorvente o mais popular. Mas você já imaginou não ter dinheiro para comprar esse item básico de higiene pessoal? Como seria realizar tarefas comuns do dia-a-dia, como frequentar a escola ou ir trabalhar?
Recentemente, após a divulgação do relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violação de direitos”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) traçar um panorama sobre a falta de recursos para cuidados que envolvem a menstruação e apontar que, no Brasil, mais de quatro milhões de meninas não tem acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, iniciou-se, por todo o país, um debate acerca do tema.
Em Bento Gonçalves, a realidade não é tão extrema quanto em outros municípios. Ainda assim, há preocupação. De acordo com o vereador Davi Da Rold, está sendo feito um levantamento pelas Secretarias Municipais, principalmente a de Educação. “Foi constatado que em Bento, as meninas não chegam a faltar aula por este motivo, pois muitas tem absorventes disponíveis nas direções. Fato é, existem estudantes que não conseguem comprar, mas não temos um agravante de falta por este motivo”, esclarece.
Ciente deste contexto, Da Rold foi o responsável protocolar uma indicação de anteprojeto, para ser avaliada pela prefeitura, visando o fornecimento gratuito de absorventes para estudantes em situação de vulnerabilidade social. De acordo com ele, na cidade, entre os 12 e 17 anos, existem cerca de 160 meninas que sobrevivem com uma renda familiar mensal inferior a R$89 e aproximadamente 300, na faixa etária entre os 4 e 11, que vivem com este mesmo valor.
Questionado sobre como está o andamento, o vereador afirma que atualmente a prefeitura está estudando a possibilidade de ampliar o fornecimento gratuito para mulheres adultas, que não tem condições financeiras de comprar absorventes, para também serem beneficiadas com o projeto.
O secretário de Governo, Henrique Nuncio, explica que após a analisa da Educação sobre a necessidade das escolas, “a secretaria de Governo vai iniciar o trabalho para verificar as necessidades de que o projeto abranja outras áreas, como saúde e assistência social. Mas, ainda é realizado o levantamento de dados”, afirma.
A nível nacional
No final de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para garantir a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos. Agora, a proposta vai ser encaminhada ao Senado.
O objetivo da medida é combater a precariedade menstrual, como a falta de acesso ou de recursos que possibilitam a compra do produto e de outros itens necessários durante o ciclo menstrual.
Segundo a proposta, devem ser beneficiadas estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou em vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema pena e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Os recursos federais para o andamento do programa serão aplicados no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Atenção Primária à Saúde. Já no caso do atendimento para as mulheres privadas de liberdade, o orçamento será repassado pelo Fundo Penitenciário Nacional.
Prejuízos à saude?
O relatório do Unfpa e Unicef mostra que uma família com maior situação de vulnerabilidade social e menor renda, tende a dedicar menor fração do orçamento para a compra de itens de higiene menstrual. Além disso, também aponta que muitas vezes, meninas e mulheres recorrem a soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual, substituindo o absorvente por pedaços de pano usado, roupa velha, jornal e até miolo de pão.
A reportagem do Semanário conversou com a ginecologista Fernanda Giacomello para saber se essa situação pode causar prejuízos para a saúde feminina. “Utilizar material biológico ou outras formas que não absorvem adequadamente o sangue, podem causar e infecção bacteriana e/ou fúngica, tanto do trato vaginal como do trato urinário”, afirma.
Danos emocionais
Não ter acesso a itens de higiene pessoal considerados básicos, pode atingir também a saúde emocional das mulheres. A psicóloga Viviane Tremarin destaca que além da carga mental, a autoestima delas também é fortemente afetada. “A qualidade de vida dessas mulheres cai nesse período, então reforça-se uma visão negativa sobre a menstruação, o que perpetua o tabu sobre o tema. O desconforto e o estresse que a falta de recursos gera nessas mulheres são responsáveis pela diminuição do bem-estar. Como esse é um período de estresse, é comum que se concentrem menos e sejam menos produtivas, o que aumenta mais a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho”, enfatiza.
Em casos em que as meninas precisam faltar aulas por este motivo, os prejuízos vão além do aprendizado. “As principais dificuldades envolvem ansiedade, isolamento, estresse, insegurança e preconceito. Uma função natural do corpo se transforma em um período de muito sofrimento, que também traz vergonha. A adolescência é uma fase importante do desenvolvimento, as experiências dela vão ajudar a construir a nossa autoimagem e a formar laços”, afirma.
De acordo com a psicóloga, “considerando que começamos a menstruar por volta dos 13 anos, passamos boa parte da vida escolar menstruando, então uma adolescente que deixa de frequentar a escola por falta de acesso básico a higiene, ou que frequenta e pode sofrer preconceito por conta dos vazamentos naturais da fase, tem muito mais a perder do que se imagina”, finaliza.
Pobreza Menstrual
Essa é uma expressão utilizada para falar sobre a falta de acesso a produtos de higiene menstrual e de infraestrutura sanitária adequada nos lares e escolas. Quem mais sofre com essa realidade são pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social.