Jane Krüger*
A vida se trata de como nos portamos em momentos de dor, em como nos levantamos das circunstâncias mais adversas de nossa história. A dor faz parte de nossa vida, entretanto, tem gente que foge dela, que nem o diabo foge da cruz. Mas pensa comigo, existe crescimento sem sofrimento? Lembra de você na adolescência com aquela dor terrível nas pernas? Não sei você, mas eu as tinha e minha mãe dizia: Füß reißen!
Essa é uma expressão alemã que poderíamos traduzir como, pernas que rasgam. Sim, literalmente, a dor do crescimento. Na vida, para crescer, teremos que indubitavelmente enfrentar de alguma maneira, algum tipo de aflição.
A gente pode até crescer, fisicamente, mas sem dor, a gente não amadurece. E para isso, não tem remédio, tem que enfrentar na coragem, como dizem, na carne e, exatamente aqui deparamos um grande paradoxo. Grande parte das pessoas quer alcançar sabedoria, deseja desfrutar do sucesso, viver o crescimento em várias áreas de sua vida, entretanto, não quer o esforço do crescimento. Quer a maturidade mas refuta a dor que lhe acompanha. Como lidar com esse desatino?
Na vida contemporânea, assim como já acontecia nas sociedades hedônicas antigas, somos impelidos a buscar o prazer em todo o tempo e muitas vezes, também a qualquer custo, contudo, vale aqui salientar que geralmente durante esta procura, pula-se de galho em galho para no fundo mesmo, só satisfazer um vazio, frequentemente de cunho existencial. Para alguns o consumismo exacerbado é uma forma de auto-afirmação e a partir do ter buscam “ser”, contudo, independente de qual seja a razão desta busca, é uma corrida sem reta final, é como tentar encher um saco sem fundo. Busca-se o prazer a todo custo e evita-se ao máximo a dor. Por quê? Porque fomos ensinados que a dor é coisa ruim, é coisa do mal. Para alguns “santos” fanáticos, se alguém fica doente é porque Deus está “pesando a mão”. Nos foi “ensinado” e em nós está impregnado: a dor é castigo.
A criança corre e ao cair vai até à mãe buscando conforto, contudo, ao invés de ouvir uma palavra carinhosa, uma atitude de acolhimento, a mãe diz:
“Tá vendo! É Castigo! Falei para não correr…” e assim a nossa mentalidade acerca da dor vai sendo constituída. Internalizamos inconscientemente que, sentir dor é sofrer e sofrimento é castigo, você de alguma maneira não tem se comportado bem e merece padecer. Mediante a construção desta mentalidade, muitos ao se depararem com as adversidades, realmente pensam que a vida não as ama, ou “que Deus as abandonou”, acham que estão sendo de alguma forma castigadas por erros do seu passado e uma nuvem escura e pesada se apodera de suas consciências impedindo até por vezes, de agirem como reais protagonistas de suas histórias.
Diante disso, podemos aprender que o que importa verdadeiramente não é a dor em si, mas como a mesma pode nos conduzir ao crescimento pessoal, à transformação que precisamos e até mesmo nos levar à descobrir a verdadeira felicidade. A dor pode transformar uma pessoa comum em alguém extraordinário, pois a dor nos ensina e nos impulsiona como nenhuma outra coisa. Podemos aprender de inúmeras maneiras, mas com certeza, aprendemos mais e melhor através do sofrimento. Erroneamente a humanidade ainda liga a prosperidade e sucesso ao prazer e ausência de dor, contudo, as pesquisas e a própria história tem nos mostrado que são exatamente os difíceis momentos de adversidade que nos levam a vidas mais ricas, carregadas de significado, profundas conexões sociais e felicidade.
Divórcios, perdas, luto, acidentes, choques, doenças, nós podemos lidar com qualquer uma dessas adversidades e sair delas não como uma pessoa pior, mas numa versão melhorada de nós mesmos. Infelizmente, evitar a dor ou fingir que ela não existe não fará ela ir embora. A dor nos ensina o que o orgulho não consegue. A dor nos faz crescer. A dor esculpe o diamante precioso na pedra tosca que éramos antes dela ter nos encontrado. E é aí que vem algo mais profundo:
Por quê crescer?
Alguns querem crescer para provar que conseguiram chegar lá e assim se sentirem melhores, ter mais autoconfiança, aumentar a autoestima. Contudo, a essência está quando entendemos que não precisamos crescer por isso, mas para verdadeiramente desenvolvermos a nossa melhor versão, desenvolver o nosso potencial que muitas vezes está enterrado, mas para quê crescer? Para cumprirmos o nosso propósito: desenvolver a nossas potencialidades e habilidades para ajudar na construção de um mundo melhor. Aí sim, alcançamos algo ainda maior, a transcendência. Porque a sua vida não é acerca só de você. Mas a vida é acerca de todas as pessoas que de alguma maneira você toca!
Na Oração Judaica da Manhã, existe um trecho inspirado no Salmo 30, que dá uma perspectiva das frequentes aflições e frustrações que precedem o êxito, assim como o momento mais escuro da noite precede a aurora. De acordo com esta meditação, o sofrimento humano deve ser aceito como uma preparação para o êxito e júbilo. Sendo assim, diante de tudo que até agora vimos, só temos uma coisa a dizer para realmente finalizar:
Seja Bem-vinda, Querida Dor!
Jane é PhD, Pesquisadora do LABÔPUC/SP, Psicanalista e Escritora