Em 11 de outubro de 1890, o governador Cândido Costa publicou o Ato nº 474, o qual desmembrava a Colônia Dona Isabel de São João de Montenegro, emancipando o município. O mesmo determinava ainda que o novo município se chamaria “Bento Gonçalves”, em homenagem ao General que foi o principal líder da Revolução Farroupilha. Na sexta, 11 de outubro, a emancipação de Bento Gonçalves completou 134 anos, e nesta história mais que centenária, prédios, monumentos e outros locais, os chamados patrimônios exercem um papel crucial, representando a identidade e a trajetória da cidade, nos dizendo muito a respeito da cultura local.
A Diretora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPURB) Melissa Bertoletti Gauer comenta sobre a definição de patrimônio. “Precisamos englobar tanto o material quanto o imaterial. Ele pode incluir obras civis, mas também costumes, idiomas, modos de fazer, entre outras manifestações. Nosso interior reflete nosso jeito de ser e as paisagens que nos cercam. Já na área urbana, somos representados pelos edifícios mais emblemáticos, como o hospital, a prefeitura, a Igreja de Santo Antônio e alguns exemplares no centro da cidade. Juntos, esses elementos evocam a memória do passado e constituem nossa história”, destaca.
De acordo com o Plano Diretor de Bento Gonçalves, estão incluídos como bens edificados aqueles que possuem valor cultural, histórico, arquitetônico ou paisagístico. Esses patrimônios podem ser encontrados tanto na zona urbana quanto na rural e são classificados em diferentes níveis de preservação. São eles: Bens tombados ou inventariados pelo IPHAN e IPHAE (órgãos estaduais e federais de preservação cultural); edificações com mais de 50 anos de interesse patrimonial nas áreas de proteção ambiental, paisagística, histórica, cultural e turística; Edificações rurais situadas em roteiros turísticos ou áreas de proteção que possuam relevância histórica; paisagens culturais, como os parreirais que cercam a região e também áreas de proteção da paisagem da ferrovia, como a Estação Ferroviária do Jaboticaba.
Os patrimônios, suas histórias e importância para a cidade:
Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves
No centro urbano, diversas construções podem ser classificadas como patrimônios históricos e culturais do município, ganhando o título de patrimônio pelos seus mais de 50 anos de existência ou pela relevância na história da cidade, entre eles a Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves, a chamada “Casa Amarela” teve sua construção iniciada em 1901 e sua inauguração em 20 de setembro de 1902. Na época de sua construção, Bento estava nas mãos do coronelismo, que era a estrutura de governo dominante durante a fase da República Velha, o Coronel Antônio Marques de Carvalho Júnior já estava no poder há mais de uma década na Capital Nacional do Vinho. O Município ainda não tinha porte, e o governo estadual enviou arquitetos para projetar o prédio que viria a sediar o governo municipal. Os mesmos artistas que em 1898 planejaram a construção da Prefeitura de Porto Alegre. Ao longo da história, a “Casa Amarela”, além de sede do Poder Executivo municipal, foi usada como Intendência, presídio, guarda municipal, sala do Poder Judiciário e Colégio Elementar.
Banco Santander / antigo Banco Meridional
Ao lado da Prefeitura, há outro patrimônio histórico de Bento Gonçalves, o atual Banco Santander, que foi construído por volta de 1956 para abrigar o Banco Nacional do Comércio, que funcionou no local até o ano de 1973, sendo sucedido a partir desta data pelo Banco Sul Brasileiro, na década de 1980 deu lugar ao Banco Meridional e posteriormente ao Santander. No segundo andar da construção, encontra-se o Arquivo Histórico Municipal de Bento Gonçalves.
Antigo Banco da Província
Na Praça Doutor Bartholomeu Tacchini, localiza-se a estrutura do antigo Banco da Província do Rio Grande do Sul, inaugurado em 14 de junho de 1917, tendo como primeiro agente Luiz Alegretti. Na época, os gerentes do banco residiam no andar superior, Roberto Fasolo foi o segundo e último deles. Todas as festas de casamento da sua família foram realizadas na casa, que possuía uma escada de comunicação interna com o banco. Atualmente abriga a sede do Tabelionato de Notas Damo no primeiro andar e do Escritório de Advocacia Gabardo no segundo andar.
Igreja Matriz de Santo Antônio
A Paróquia Santo Antônio, que carrega o nome do padroeiro da cidade, é outro patrimônio histórico do município. Santo Antônio teve a sua primeira missa celebrada na região em 29 de setembro de 1876, ainda como Diocese da Estrela, pelo Padre Bartholomeu Tiecher, em uma estrutura simples de madeira. Em 1878 foi celebrada a primeira festa em homenagem a Santo Antônio. A Paróquia Santo Antônio foi criada em 6 de agosto de 1884, desmembrando-se da Diocese de Estrela. Em 1894, é concluída a estrutura da igreja matriz, no Centro de Bento Gonçalves como conhecemos hoje, posteriormente ela passa por algumas pequenas transformações, como a ampliação finalizada em 1923 e a inauguração da Torre em 1933. Foi tombada como Patrimônio Histórico em 2007.
Tabelionato Garcez
Na rua Saldanha Marinho, ao lado da antiga estrutura do Hospital Tacchini, encontra-se a antiga Pharmácia Providência / Segundo Tabelionato de Notas Garcez. O prédio, construído em 1928 por Augusto Casagrande, atualmente se encontra interditado.
Igreja Metodista
Ainda no Centro, localizada nas proximidades da praça Vico Barbieri, a Igreja Metodista é mais uma estrutura patrimonial. Foi inaugurada em 27 de março de 1889 pelo reverendo Carlos Lazzare e segue em funcionamento até os dias atuais. Embora igrejas metodistas e católicas compartilhem a fé em Jesus Cristo e pratiquem sacramentos como o batismo e a Ceia do Senhor, há diferenças significativas entre elas. A Igreja Católica segue uma estrutura hierárquica liderada pelo Papa, enquanto as igrejas metodistas têm uma organização mais descentralizada. Os católicos reconhecem sete sacramentos, enquanto os metodistas observam apenas dois: batismo e a Ceia do Senhor. Além disso, o culto metodista é mais simples do que a missa católica. Apesar da Igreja ter sido construída em 1889, o trabalho metodista em Bento iniciou-se a partir de 1887 pelas famílias Baccin, Goron, Marcon e Busnelio. Estes conservavam a fé que tinham na Itália, onde frequentavam a Igreja Valdense. É o primeiro templo metodista do Rio Grande do Sul.
Padrão estético
Construções no Centro urbano da cidade possuem características semelhantes. O estilo arquitetônico dos prédios históricos de Bento Gonçalves reflete uma mistura de influências que acompanham a evolução da cidade ao longo dos séculos. Algumas construções se destacam por seus estilos neoclássico, como o prédio da Prefeitura, finalizado em 1902. A estética neoclássica é um estilo arquitetônico que surgiu no final do século XVIII, inspirado na arte e na arquitetura da Grécia e Roma antigas. O Neoclassicismo enfatiza a simetria, proporções harmoniosas e detalhes que remetem aos templos clássicos. Geralmente possuem frontões triangulares acompanhados de esculturas ou gravuras. Um estilo que prioriza a simetria, sendo bastante comum a presença de linhas retas, e que era bastante comum em construções da primeira metade do século 20.
Patrimônios no interior
Saindo da área urbana da cidade, há diversos patrimônios que se encontram localizados em diferentes partes do interior de Bento. Entre eles, a antiga Estação Ferroviária do Jaboticaba, situada próxima ao limite com Veranópolis, o local, construído em 1967, atualmente é um cemitério de trens abandonados. Essas construções são indicadas no Plano Diretor para preservação através da APPAC e Áreas de preservação do Patrimônio Histórico e Social, sendo englobadas como patrimônios devido a preservação de paisagem ferroviária. Nos Caminhos de Pedra, a Casa de Memória Merlin é outro patrimônio da cidade, sendo a maior casa de pedra da região. Foi construída em duas etapas pelas mãos do imigrante Pietro Merlin, em 1884. Ela foi rebocada nos anos 60. O reboco foi removido na década de 1980 por Alcides Merlin, permitindo que a mesma recuperasse a imponência e beleza originais. Ainda de acordo com o Plano Diretor, paisagens culturais, como os parreirais que cercam a região também são englobados como patrimônios. Os conjuntos da Eulália Baixa, Eulália Alta e Paulina Baixa, estão identificados como Áreas de Preservação à Paisagem Cultural no Plano Diretor Municipal, estando demarcados também os roteiros culturais e turísticos existentes na localidade.
Patrimônios imateriais
Elementos importantes para a cultura e formação do município, considerados “imateriais” também são englobados como patrimônios. Entre os principais símbolos da cidade estão a uva e o vinho. O cultivo da videira Isabel tomou expressão acentuada após a chegada dos imigrantes italianos aos altos da Serra, a partir de 1875. No início, cultivavam apenas para o consumo da família. Por volta de 1890 o êxito dessa variedade era tão surpreendente que os colonos iniciaram a comercialização do vinho Isabel para a capital do estado e outras cidades, demonstrando a importância da uva e do vinho para a formação cultural da região. Atualmente, Bento Gonçalves é uma referência nacional na produção e comercialização da uva e vinho, englobando mais de 70 propriedades dedicadas à atividade vitivinícola. Além disso, o município conta com 16 vinícolas familiares. Fatores que dão a cidade o título de “Capital Nacional do Vinho”. Também se englobam em patrimônios imateriais, festas e celebrações, como a Fenavinho e a ExpoBento, que atraem diversos turistas de todo o Brasil. Estima-se que 274 mil pessoas participaram das celebrações em 2024, movimentando mais de R$50 milhões em negócios.
Monumentos
Além dos patrimônios materiais e imateriais, monumentos ao redor da cidade, mesmo não sendo tombados, carregam consigo a vasta história de Bento Gonçalves. Entre eles, o Monumento aos Imigrantes Italianos, localizado na Praça Achyles Mincarone, a construção foi inaugurada em 2005, e homenageia os imigrantes italianos, esses que foram cruciais para a construção da cultura e da identidade bento-gonçalvense. O busto do líder revolucionário que dá nome à cidade, o General Bento Gonçalves da Silva, é outro marco na história do município. Ele se localiza na Praça Bartholomeu Tacchini, próximo a antiga sede do Banco da Província, e homenageia uma das maiores figuras históricas rio-grandenses. Por fim, a Pipa Pórtico, entrada da cidade, é um dos maiores símbolos de Bento Gonçalves. Inicialmente, foi construída com uma estrutura de madeira em 1975. Porém, ela acabou sendo destruída por um vendaval, e em 1985, ela foi reconstruída com a estrutura de pedra como conhecemos hoje. Ela homenageia as pipas de madeira, utilizadas na fabricação e no armazenamento de vinhos.
Museu do Imigrante
Um local essencial para a preservação da história e da identidade é o Museu do Imigrante, localizado no bairro Planalto, sua criação se deu em 18 de dezembro de 1974, por decreto do então prefeito Darcy Pozza, visando homenagear o centenário da imigração italiana em Bento Gonçalves. Em maio de 1975, o Museu do Imigrante foi inaugurado. Em 2016, passou por reformas. A museóloga Deise Formolo detalha a importância do museu para a história da cidade. “O museu como espaço de preservação, ele cumpre com essa difícil tarefa, que é fazer o diálogo com a comunidade e os bens materiais e imateriais que dizem respeito à história do local. Então, ele é um espaço importante porque ajuda as pessoas do local a pensar sobre a sua identidade, a repensar sobre o passado e a construir também uma nova percepção da cidade na atualidade”, destaca.
Imagens: Augusto Arcari. Reprodução (Igreja metodista)