Um entusiasta, ativo e determinado em seus objetivos. O filho caçula, primeiro e único da família, por enquanto, a seguir a vida religiosa. Este é o padre Ricardo Fontana, atual pároco do Santuário Santo Antônio de Bento Gonçalves. Atuando no município desde fevereiro de 2015, o sacerdote fala sobre suas vivências, rotina e, principalmente, a readequação da paróquia para manter a fé viva nos corações dos fieis em meio a esta pandemia.
Quem é Ricardo Fontana? Origem, família.
Me defino como um entusiasta. Vibro com as grandes e pequenas conquistas. Nunca perdi a alegria, apesar de todas as provações que passei em minha trajetória. Sou o sexto filho de Nilto e Maria Baldissera Fontana. Meu pai nasceu na Capela Santo Antônio, na Linha 80, em Flores da Cunha. Minha mãe é natural de Santo Antônio da Linha Zamoner, de São Marcos. Quando meu pai casou foi morar em São Marcos, onde nasci e fui batizado. Na época, morávamos em uma fazenda, onde tinha um capitel de Santo Antônio. Vivi ali por dois anos e retornamos para Flores da Cunha, onde me criei, e guardo boas recordações.
Como e quando decidiu que seria sacerdote?
Minha mãe sempre foi muito pedagoga, e logo me colocou para estudar em uma boa escola na cidade. Era um bom aluno. Fazia teatro, participava de declamações, sempre me dei muito bem com a comunicação e isso foi um ganho muito bom quando ingressei no seminário. Porém, apesar de já ter ‘nascido com isso no sangue’, a decisão de ser padre veio mesmo aos 12 anos. Falo isso por que alguns fatores marcaram a minha trajetória: o primeiro foi aos cinco anos, quando escutava os sermões imponentes e fortes dos padres capuchinhos, grandes pregadores em Flores da Cunha, nas celebrações campais da Sexta-feira Santa. O que acontecia: durante a semana as famílias trabalhavam na roça e levavam, de lanche, bergamotas nos saquinhos de farinha. Geralmente, quando terminava o lanche da tarde, eu me caracterizava de ‘frei’, com aquele saco de farinha na cabeça e fazia o mesmo sermão que tinha sido pronunciado pelos frades. Além disso, aos 10 anos eu já celebrava a missa no porão de casa para os filhos dos meus primos. Por isso, acho que nasci padre, este dom sempre correu em minhas veias.
Com 12 anos tive a minha fase rebelde. Fugia de casa, jogava fliperama com os amigos. Aprontei na escola, fui chamado para a secretaria, as notas começaram a baixar. Foi aí que parei e refleti. Sempre quis ser padre, mas nem sabia onde iniciar ou descobrir como fazia para ingressar. Em um certo dia, em uma das olarias perto da minha casa, onde brincava com os amigos, vi todos parados ouvindo um rapaz chamado Luis Bernardi. Ele tinha sido seminarista e estava contando como era o dia a dia do seminário, a rotina. Sentei perto dele e não larguei do seu pé durante uma tarde e uma manhã, na qual faltei aula para ouvi-lo. Cheguei ao meio dia em casa, sentei na mesa, e disse aos meus pais que iria para o seminário no próximo ano. Eles não acreditaram, pois eu era muito novo. A visão que meus pais tinham era de que seria muito caro pagar uma escola de religiosos, mas eu soube responder todas as perguntas que eles estavam fazendo e então me apoiaram na decisão.
Logo após, com muita sabedoria, os professores Josefinos de Murialdo fizeram uma semana de experiência, então fui conhecer o seminário e me encantei com tudo que vi. Fiz a prova, fui aprovado e nos passaram a lista do que tinha que ser levado para o local. Minha mãe preparou tudo com muito amor e carinho e, é claro, choramos muito. No dia 2 de março de 1984 eu completei 13 anos e, naquele mesmo dia, sai para o Seminário iniciando um novo ciclo na minha vida. Sempre fui determinado com o que desejava e essa determinação levei e ainda levo para todas as minhas atividades.
Cursei o ensino fundamental e, quando terminei o ensino médio, pensei também em ser médico, pois tinha este sonho. No ensino médio fiz técnico em agropecuária no colégio Murialdo. O Seminário era agregado ao colégio e o curso de técnico agrícola era quase uma agronomia de hoje. Com uma visão boa, de profissões pela frente, e umas paixões da época de adolescência, tive que tomar uma decisão muito forte aos 18 anos com relação ao coração. Se iria deixar pai, mãe, propriedades, profissão, abrir mão de construir uma família para ingressar no noviciado. Foi neste momento que tive que fazer uma renúncia. Então, em 1990 ingressei no Seminário Maior, em Caxias, e depois conclui a formação em Filosofia e Teologia. Fui ordenado padre no dia 20 de dezembro de 1998, na Igreja Matriz N. Sra. de Lourdes, em Flores da Cunha.
Trajetória sacerdotal
Atuei sete anos em Ana Rech, na formação dos seminaristas do ensino médio. Durante este período fiz uma pós-graduação em Florianópolis para a formação de educadores, voltado a psicopedagogia. Em 2006 ingressei no mestrado em Teologia Sistemática na PUC, finalizando com uma dissertação sobre a Igreja. Em 2007 fui trabalhar na Catedral de Caxias, para ser vigário paroquial, onde atuei por cinco anos, um trabalho que foi muito rico em aprendizado. A catedral é a cadeira do bispo, então tive contato com bispos, padres, lideranças da cidade de Caxias e toda a diocese, que agrega mais de 70 paróquias. Tudo que aplico aqui hoje devo muito ao que aprendi durante estes anos por lá.
Em 2012 fui para Carlos Barbosa, na Paróquia Mãe de Deus. Senti um povo muito acolhedor, educado. Foram quase três anos vivenciando esta experiência. Foram muitas inovações, entre elas, missas diárias e breves, abrir a igreja, aprimoramento de cursos de formação e reformas estruturais do Centro de Pastoral, visando o bem pastoral. Conseguimos unir as lideranças empresariais, públicas e privadas. Aquilo foi uma simbiose entre padre e comunidade como um todo. Quando saí do município, recebi uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, de um casal que viajou ao México. Esta santa também me orientou nos momentos de dúvida e apreensão.
No final de 2014, mais precisamente em dezembro, fui chamado pelo Bispo Dom Alessandro Ruffinoni, para assumir o cargo no lugar do Pe. Izidoro Bigolin, que foi designado para assumir o posto de vigário geral em Caxias do Sul, e também do padre Adelar Baruffi, que tinha sido nomeado Bispo e assumiria a Diocese de Cruz Alta. Cheguei à Paróquia Santo Antônio em fevereiro de 2015.
Sua chegada no Santuário Santo Antônio
Chegando aqui não imaginava o tamanho das responsabilidades que cairiam sobre meus ombros. É uma paróquia grande, com muitas demandas e com uma estrutura para gestão que requer uma aprimorada visão empreendedora. Por outro lado, encontrei um povo numeroso e muito religioso. Não tinha dimensão de tamanha fé e devoção em Santo Antônio, que conforme minha história de origem, fez com que me apaixonasse ainda mais pela vida deste santo. Nesses seis anos fomos dirimindo questões estruturais, apostando na formação de pessoas, desde os colaboradores até o aprimoramento e criação de lideranças. Para uma boa gestão, o fator chave são as pessoas.
Foram três anos, dos seis, dedicados em planejamentos, formação e reestruturação com a construção de novas obras, por exemplo: acompanhamento do final do Restauro, restaurando algumas imagens, material litúrgico, troca da iluminação por LED e nova aparelhagem de som. No Santuário agregamos um atendimento personalizado com confissões na própria Igreja e também construímos o Recanto Santo Antônio, lugar de oração e lazer.
Outra grande etapa foi a reforma da Casa Paroquial e construção da nova Secretaria, tendo o conceito de acolhimento desde a entrada do estacionamento, até a recepção. Neste período foram construídas quatro novas igrejas: N. Sra. do Rosário, no Progresso II (2015), Santa Paulina, em Vista Alegre (2015), N. Sra. de Caravaggio (2018) e N. Sra. Medianeira (2020). Também foram revitalizadas sete comunidades e concluída a Igreja Jesus Bom Pastor, do Cruzeiro (2019). Por este motivo, também recebi o apelido de ‘padre das obras’. Outro encanto é a presença dos jovens do CLJ, movimento retomado e que conta com a presença de mais de cem jovens animando a comunidade.
Talvez, destes quase seis anos que estou aqui, com todas as dificuldades que passei, o mais difícil está sendo este. Dentre todos os anos de sacerdócio, o mais pesado está sendo este momento, da covid-19, por incompreensões e cobranças vindas de muitos lados. Por ter atitudes que visam o cuidado com a vida, principalmente na questão de manter a igreja fechada para evitar aglomerações, muitas vezes somos taxados de medrosos, comunistas. Por outro lado, tivemos o apoio de muitas lideranças. Então as pessoas se deram a conhecer neste momento. Não é só o rebanho que se enfraquece em tempos de secas pastagens, mas o Pastor também!