Em entrevista, religioso conta o dia a dia de um sacerdote

Em entrevista ao Podcast Paradoxo, o padre Miguel Mosena contou sua trajetória, que é marcada pela fé e dedicação. O padre compartilhou detalhes de sua vida e da sua caminhada na Igreja Católica, que começou em sua cidade natal, Carlos Barbosa.

Nascido em 31 de maio de 1992, atuou inicialmente na paróquia Nossa Senhora das Graças, no distrito de Arcoverde. Mosena é filho de Sérgio Antônio Mosena e Lorena Bottega Mosena. Desde cedo, ele sentiu um chamado especial para a vida religiosa, influenciado pela vida comunitária em sua paróquia de origem e pela participação no grupo de jovens. “A convivência com os jovens, amigos meus, e a animação litúrgica foram decisivos para que eu me interessasse pelas atividades da Igreja”, comenta.
A decisão de ingressar no seminário foi também influenciada por um colega de escola que já tinha esse desejo. Padre Mosena relatou que, se não fosse por esse amigo e pela visita de um sacerdote à escola, ele talvez não tivesse tido coragem de seguir esse caminho por conta própria. Assim, em 2007, aos 14 anos, ele ingressou no seminário diocesano de Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul.

A sua formação continuou com o curso Propedêutico no Santuário de Caravaggio, em Farroupilha, e, posteriormente, com estudos em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Em 2014, iniciou seus estudos de Teologia no Seminário Maior São Lucas, em Porto Alegre, complementando sua formação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Durante esse período, realizou um estágio pastoral na paróquia São Francisco de Assis, em Monte Belo do Sul.

Ordenado diácono em 2019, e presbítero em 2020, Mosena destacou como a pandemia de COVID-19 influenciou sua ordenação, que, em grande parte, foi acompanhada de forma virtual pelos fiéis. Em 2022, ele iniciou sua missão como vigário paroquial da Paróquia Cristo Rei e coordenador da região pastoral de Bento Gonçalves, onde também se tornou um referencial das vocações.

Mosena foi ordenado diácono em 30 de novembro de 2019, e presbítero em 26 de julho de 2020

O dia a dia na vida de um padre

O padre também compartilhou momentos engraçados de sua jornada, como a vez em que, durante um retiro em Caxias do Sul, foi solicitado para uma palestra um “jovem normal, um jovem problemático e um seminarista”. A situação gerou risadas e reflexões sobre o que define um seminarista ou um jovem normal.

Padre Mosena compartilha uma série de histórias e reflexões que revelam tanto a vida cotidiana no seminário quanto as profundas considerações sobre a vocação sacerdotal. Ele descreve episódios cômicos e perigosos, como uma viagem de Kombi sem freios durante um retiro e outra situação tensa em uma estrada perigosa em Cazuza Ferreira. “Foi uma ocasião que a gente foi de Kombi aqui de Farroupilha, no período do Propedêutico, até Nova Trento em Santa Catarina. A gente foi durante 11 horas de Kombi até Santa Catarina e foi muito divertido, porque nisso a gente estava dirigindo e de repente o visor de velocidade começou a girar instantaneamente e não tinha mais freio. O padre da época foi reduzindo as marchas e deu uma encostada, por sorte. E em Cazuza Ferreira, distrito de São Francisco de Paula, foi pior ainda, porque a gente foi pro barranco mesmo”, diz rindo.

Além das aventuras, o padre também reflete sobre o celibato e a vida amorosa antes de sua ordenação. Ele compartilha uma experiência pessoal de se apaixonar por uma jovem enquanto ainda estava no seminário e como isso foi tratado com seriedade e orientação. “Quando entrei no seminário, ainda jovem, tive a experiência de me apaixonar. É normal, essas coisas acontecem. Mas ao compartilhar essa paixão com meu formador, recebi um conselho que mudou tudo: ‘Miguel, tu vais ter que falar para ela’, fui atrás dela para conversar sobre minha escolha e nos entendemos. Isso me ensinou que, mesmo no sacerdócio, o amor existe, mas é vivido de forma diferente. Não somos mal amados, apenas amamos de uma maneira distinta”, ressalta.

O padre destaca que o celibato não significa falta de capacidade de amar, mas sim uma escolha de amor e dedicação à comunidade, um amor que ele compara à intensidade do matrimônio. “Sempre digo que o padre não é alguém incapaz de amar ou compartilhar afeto. Pelo contrário, nós amamos de forma intensa, mas direcionamos esse amor à nossa vocação. Minha experiência no seminário, onde precisei lidar com uma paixão e, eventualmente, deixar isso para trás, reforçou em mim a compreensão de que o amor sacerdotal é um compromisso tão profundo quanto o de um casal que sela seu matrimônio para a vida toda”, revela.

Pressões

Ele também menciona as pressões e expectativas externas que enfrentou ao decidir seguir a vida religiosa, principalmente de alguns familiares que não compreendiam sua escolha. Apesar disso, ele se sentiu abençoado por receber apoio de seus pais e amigos próximos. “Houve alguma incompreensão de familiares, tios e tias, mas meus pais me apoiaram, assim como a comunidade de Arcoverde. Os poucos familiares que não apoiavam perguntavam sobre o porquê de não fazer algo mais rentável ou por não poder constituir uma família”, pontua.

Redes sociais e adoração

Padre Mosena também discute o uso das redes sociais como ferramenta de evangelização, embora reconheça os desafios que isso traz, como lidar com mensagens inapropriadas e propostas indevidas. Ele vê as redes como uma oportunidade de levar a palavra de Deus, mas com discernimento e cuidado. “Se a rede social não for para a evangelização, na minha missão, não tem sentido tê-la. O ruim é que para mim aparece de tudo, pessoas pedindo dinheiro, proposta de namoro, coisas assim”, conta.
Sobre a popularidade de padres cantores e figuras religiosas que se tornam quase celebridades, Padre Mosena expressa uma certa cautela. Ele acredita que o papel do sacerdote deve estar centrado no culto, na liturgia, e na condução da comunidade na fé, evitando que a figura do padre se transforme em um “superstar” e desvie o foco da verdadeira missão sacerdotal.

Missão e recompensa

A presidência da ação litúrgica é um aspecto essencial na vida sacerdotal, mas, além disso, há um papel vital do padre na liderança de uma comunidade. Para Mosena, ser padre vai além da liturgia. Ele acredita que o chamado ao sacerdócio não deve se limitar à prática religiosa, mas também incluir um envolvimento ativo e genuíno com a vida das pessoas. “Vejo com preocupação quando o padre se limita apenas à liturgia, esquecendo do seu papel pastoral. A ordenação nos confere o poder de transformar a vida das pessoas através do pão e do vinho, mas isso só faz sentido se vivermos essa vocação plenamente”, reflete.

Quando questionado sobre o sustento dos padres, Mosena esclarece: “Nós recebemos um salário, que é chamado de côngrua. Atualmente, é o equivalente a dois salários mínimos e meio. O outro meio salário vai para um fundo de saúde comum dos padres, para nos ajudar na velhice. Mas é importante frisar que a escolha pelo sacerdócio não deve ser motivada pelo salário. Como sempre digo, o salário é fixo, mas o serviço só aumenta”, revela.

Juventude e retiro

Sobre a juventude e o seu afastamento da Igreja, Mosena reconhece que muitos jovens se distanciam após a Crisma, mas ele acredita que o retorno dos jovens à Igreja pode ser incentivado através de práticas que despertem o senso de transcendência. “Os jovens buscam algo que vá além do mundano. E quando perguntamos o que eles gostariam na Igreja, a resposta foi clara: adoração ao Santíssimo. Isso nos mostra que, mais do que eventos ou formações, os jovens desejam um encontro profundo com o divino”, conta.

Nos momentos de folga, Mosena gosta de assistir séries e filmes, além de apreciar a natureza. Ele menciona que a vida sacerdotal, apesar de satisfatória, também exige momentos de descontração. “Gosto de assistir séries como The Crown e Vikings. Além disso, aproveito meus dias de folga para visitar meus pais ou fazer trilhas nas montanhas. São momentos importantes para recarregar as energias”, comenta.
A questão da depressão e da solidão entre os padres também foi abordada. Para ele, a vida de oração e o cultivo de boas amizades são essenciais para manter a saúde mental. “Nós, padres, não estamos imunes às dificuldades. A solidão pode ser um desafio, mas é importante ter uma rede de apoio e saber que não estamos sozinhos. A amizade e a oração são fundamentais”, enfatiza.

A homossexualidade para a Igreja

Padre Mosena também comenta sobre a polêmica em torno da bênção para casais do mesmo sexo, mencionada pelo papa Francisco. Ele esclarece que a bênção dada não se confunde com o sacramento do matrimônio. “A igreja abençoa a vida das pessoas, independentemente de sua orientação sexual. Mas é importante distinguir que essa bênção não equivale ao sacramento do matrimônio”, salienta.
Por fim, sobre a questão de homossexuais que desejam ingressar no sacerdócio, o padre explicou que os seminários são cada vez mais criteriosos. “A Igreja acompanha cada caso com cuidado, para garantir que a pessoa está seguindo o chamado por vocação, e não como uma fuga. O processo de formação envolve diretores espirituais e psicólogos para ajudar no discernimento”, frisa.

Exercício do sacerdócio

Padre Mosena compartilha sua visão sobre as missões nas paróquias onde atuou. Ele expressa gratidão a Dom Alessandro, que lhe deu sua primeira experiência como sacerdote, destacando a importância dos primeiros anos de sacerdócio, pois é nesse período que se firmam as convicções para a missão.
Mosena menciona com carinho sua experiência em Bento, que, segundo ele, é um lugar especial para exercer o sacerdócio, devido à receptividade da comunidade e ao trabalho satisfatório que realiza ali, mesmo que seja exigente e cansativo.

Ele também fala sobre a importância das lideranças comunitárias, embora reconheça que, às vezes, essas lideranças possam ser um desafio quando não veem certas iniciativas como um investimento para a comunidade. Esse tipo de resistência é o que mais o magoa, pois pode se tornar um obstáculo para o progresso e engajamento, especialmente entre os jovens.

Quando perguntado sobre seu maior medo e maior esperança, padre Mosena afirma que seu maior medo é não alcançar o céu, enquanto sua maior esperança é ver jovens buscando a santidade e a vida em Cristo. Ele cita o beato Carlo Acutis como um exemplo inspirador para os jovens e compartilha sua experiência ao visitar o túmulo de Carlo em Assis na Itália, onde viu a devoção dos jovens ao santo.
Confira a entrevista na íntegra.