O poema de Cecilia Meireles nunca caiu tão bem em um momento como este. Afinal, dizem que os artistas escrevem para as gerações futuras. Vivemos o lamentável período do isto ou aquilo. É isto, ou aquilo. Parece não haver espaço para aqueles que acreditam no equilibro. A sociedade cobra uma posição, e o pior: cobra que estejamos em um dos opostos sem qualquer possibilidade de nos posicionarmos aquém disso. A política, a pandemia do Coronavírus, as lutas por uma sociedade mais justa e humana, as opiniões divergentes viraram assuntos demasiadamente inflamados, principalmente nas redes sociais. Se não concordamos com a posição do Presidente, somos de esquerda. Se somos a favor do isolamento vertical, somos de direita. As palavras comunista e fascista são diariamente empregadas para rotular e ofender alguém. Escolha um lado porque se não o fizer você será automaticamente taxado em algum extremo. Parece que perdemos o direito, melhor traduzido como liberdade de expressão, de pensarmos como quisermos sem que ninguém interprete em nosso desfavor. É o conhecido nemo tenetur se detegere (princípio da não auto incriminação), tão valioso na justiça penal.
O mundo online nos possibilitou discutir questões de extrema importância, nos engajarmos em causas nobres, nos mantermos conectados com quem amamos em tempos de pandemia, divulgar nossos trabalhos, entre tantas outras coisas. No entanto, parece não haver espaço para o diálogo e as reflexões que vão muito além do isto ou aquilo. Nada é simplesmente isto ou aquilo. Você é mais que isto ou aquilo que dizem de você. Mas por que as opiniões na internet não são? A polarização política no Brasil, em que tudo é visto com esquerda ou direita, criou uma cobrança excessiva por um posicionamento x ou y e lastimavelmente acabou por associar tantos outros temas estas duas vertentes. Pessoas de direita são taxadas como liberais que só pensam na sua riqueza, ao passo que as pessoas de esquerda são taxadas como contra o crescimento econômico do país. Assim, qualquer assunto passou a ser classificado em um dos extremos: direita ou esquerda. Sem percebermos, deixamos esta polarização tomar conta e não conseguimos mais enxergar os temas desassociados dela. Endurecimento das penas para crimes graves, privatizações, reforma previdenciária, estímulo da indústria, legalização da posse de arma são considerados assuntos de direita. Já os auxílios governamentais, investimentos em saúde e infraestrutura, descriminalização das drogas são socialmente vistos como assuntos de esquerda. Ora, como temas de ordem pública, essenciais para o desenvolvimento do país, não podem simplesmente ultrapassar qualquer aparente ideologia em prol de todos? É tamanho egoísmo e retrocesso.
Parece que perdemos o direito, melhor traduzido como liberdade de expressão, de pensarmos como quisermos sem que ninguém interprete em nosso desfavor.
Percebe-se que esta doentia e amarga polarização política que se enraizou no país, impossibilitou que possamos pensar fora da caixa sem que sejamos rotulados de isto ou aquilo. As pessoas tem medo de se posicionar com medo de serem taxadas. Se não nos identificamos com nenhum polo, melhor nem nos manifestarmos, afinal, não é socialmente bem visto, não é mesmo? Silenciosamente vamos assim perdendo nossa identidade e liberdade de expressão, bens tão valiosos.
Nada que reside no extremo é louvável. Passamos a vida buscando o equilíbrio mental e físico em nossas vidas. Meditamos, fazemos exercícios, terapia, tudo pra buscar um ponto de equilíbrio. Porém, paradoxalmente, nossas opiniões não podem residir neste ponto. Somos obrigados a concordar com tudo aquilo que socialmente se convencionou como o que pessoas de direita pensam e o que pessoas de esquerda pensam. É uma pena não podermos utilizar toda energia que depositamos no mundo virtual para nos tornarmos seres humanos e internautas melhores e evoluirmos como sociedade.
Laura Cavallini